ENTREVISTA COM A ESCRITORA PERNANBUCANA BARTYRA SOARES
Entrevista concedida a Maria de Lourdes Hortas*
Postado por DCP em 07/03/2021
Bartyra é poeta e da APL
Nestes tempos tão áridos, aqueles que
insistem em se dedicar à poesia constituem um grupo ínfimo, por vezes visto
como visionário, composto por gente que ainda privilegia sentimentos e ideais e
que, pela palavra, procura resistir ao
embrutecimento de um mundo onde
valores hedonistas e tecnológicos se sobrepõem
aos valores do espírito.
O DCP, site que vem se firmando e
afirmando no contexto poético, sente-se muito honrado por trazer hoje uma
mulher admirável, nome representativo da literatura pernambucana, que já
ultrapassou fronteiras do seu estado e do seu país.
Bartyra Soares nasceu em 1949 na
cidade de Catende - PE. Poeta, contista, ensaísta e articulista, publicou 17
livros. Detém 16 prêmios literários: 3 em Coimbra (Portugal), 1 em Lima (Peru),
os demais dividem-se entre as cidades do Rio de Janeiro e do Recife.
Participou de dezenas de antologias,
com destaque para "Poésie du Brésil" (Paris – França ( organizada
pela escritora pernambucana Lourdes
Sarmento) e "Um Livro é um Amigo", em
Coimbra - Portugal. Com trabalhos publicados em revistas e jornais do
Nordeste, Centro-Oeste, Sul, e Sudeste do país, seu poema "Provavelmente Máquina" foi
editado na "revista Poesia", nº 192, no Japão , e o seu Oratório da Paixão (extenso poema
dramático escrito em parceria com a poeta Maria do Carmo Barreto Campello de
Melo) mereceu encenação em diversos locais do Recife e interior do Estado.
Em 1984 tomou posse na Academia de
Letras e Artes do Nordeste - ALANE. Ocupa a Cadeira 13.
Em 10 de agosto de 2015, elegeu-se
para a Academia Pernambucana de Letras - APL, tomando posse em 27 de outubro do
mesmo ano. Ocupa a Cadeira 37.
Publicou: 1976 – Enigma, Ed Nordestal;
1980 - Sombras Consolidadas, Edições Pirata; 1985 - O Primeiro Quadrante (em
parceria com 3 contistas),Assessoria Editorial do Nordeste; 1987 - No Rosto do
Tempo, Massapê/ Fundarpe;1987 - Da Permanência e da Temporalidade(Um Tempo de
Catende),Edições Bagaço;1995 – Veredictos, Imprensa Universitária – UFPE; 1997 - Estrela em Trânsito, Fundarpe/Cepe;
2004 - Arquitetura da Luz, Ed. Baraúna; 2007 - Ciclo das Oferendas – Cepe; 2008 - Silêncio das Velas Vivas, Ed. Novo
Horizonte; 2012 - Arquitetura dos Sentidos Ed. Novo Horizonte; 2015 -
Inexatidão do Tempo, Ed. Novo Horizonte; 2017 - Recife em Tom Menor – Cepe;
2018 - Labirinto das Águas, Edições Novo Horizonte; 2018 - Três Curvas &
Outras Reviravoltas, Ed. Novo Horizonte; 2019 - Fátima Quintas Ante a Chama das
Velas, Ed Bagaço; 2014 - Lendas do
Nordeste ( antologia organizada em parceria com as escritoras Lourdes Nicácio e
Raphaela Nicácio) - Editora Nova Presença.
A leitura da obra da escritora Bartyra
Soares conduz-nos a uma voz feminina de timbre muito próprio, com grande
competência no domínio da linguagem, quer em poesia, quer em prosa. Sua
escrita, voltada para o mundo interior e a reflexão filosófica, tem um clima
denso, de tons dramáticos e subjetivos, que se devem, talvez, à recriação de
paisagens surreais, num universo invisível e subterrâneo. Portadora de retinose
pigmentar, Barthyra conta que nasceu com visão parcial, vindo a perder a
sequência dos limitantes horizontais na fase adulta. Ela mesma explica: “Hoje
tudo é mais desafiador, indescritível, o que torna o meu universo de poeta mais
amplo.” E acrescenta: “Perfeita a frase de Clarice Lispector: Ser cego é ter
visão contínua...”
Em seu percurso literário, Bartyra
Soares não se deixou seduzir por modismos e vanguardas, preferindo escrever
sobre a vida e tudo aquilo que nela cabe, temática universal e atemporal, que
seduziu e seduz os maiores escritores
através dos tempos.
Maria
de Lourdes Hortas
- Bartyra Soares, sabemos que você é uma poetisa e escritora reconhecida e
admirada, não só em Pernambuco, onde nasceu,
mas em todo Brasil. No entanto, gostaríamos de saber mais de você. Faço
a pergunta clássica: Quem é Bartyra Soares?
Bartyra
Soares
- Uma poeta que também navega pelos mares de outros gêneros literários: contos,
ensaios, crônicas, até mesmo, artigos, sem levar em consideração se este último
se trata de literatura na legítima acepção da palavra. Aqui uma confissão:
frustrada por ainda não haver escrito um romance. Apesar de alguns temas
fervilharem na minha imaginação.
MLH
-
Para você, o que é a poesia?
BS - Sem
minimizar os outros gêneros literários, os quais os julgo, sem exceção,
importantes, mesmo assim, arrisco-me a declarar que considero a poesia a
excelência da literatura. Particularmente, é o meu sonho programado, o meu ato
de paz. Não importa se no ato de escrever ou de mergulhar no processo criativo
de outros poetas. Para mim, ela eleva, redime e salva pelo seu caráter de
universalidade. Conduz o ser humano a ter uma percepção mais apurada de si
próprio, de seus sentimentos, interioridade, individualidade, grandeza e
transcendência.
MLH - Conte para
nós como e quando começou a escrever. Ou seja: como foi o seu despertar para a
escrita?
BS - Recordo-me
de que era um final de tarde de chuva, Meu pai havia chegado do trabalho. Quase
a título de brincadeira, enquanto aguardávamos o jantar, decidiu explicar a mim
e aos meus irmãos o que era poesia. A "aulinha" fluía numa linguagem
lúdica, exemplificada, própria para nós, que éramos bem crianças. Quando
concluiu, fiz o meu primeiro poema. De pronto, conquistou o entusiasmo de minha
mãe, anotando-o. Enquanto lá fora a chuva dava ritmo e compasso a versos tão
ingênuos. Tinha seis anos.
MLH - O fato de
ser filha do conceituado escritor Pelópidas Soares teve alguma influência no
caminho escolhido?
BS -
Evidentemente que sim. Nossos estilos sempre foram completamente diferentes,
mas a influência existiu forte e decisiva. Meu pai foi meu mestre, orientador e
incentivador.
MLH - Acha que o lugar
de seu nascimento, uma cidade interiorana, se reflete na sua escrita?
BS - Em várias circunstâncias. A meu
ver, ninguém se liberta dos primeiros caminhos por onde andou, do que apreendeu,
ouviu e sentiu. Ninguém se liberta das paisagens, dos primeiros sonhos, das
primeiras elucubrações. Catende, até hoje, exerce sua influência em muito do
que escrevo.
MLH - Fale um
pouco do seu percurso literário. Houve algum escritor ou poeta que a
influenciou?
BS -
Especificamente não. Grande leitora que sempre fui da poesia, nacional e
internacional, principalmente a
pernambucana e a portuguesa, não dei a mim
própria o direito de fixar-me em
poucos autores, apesar de ter os meus
preferidos.
MLH - A sua
geração foi fortemente influenciada pelo feminismo, suas batalhas e conquistas.
De alguma forma, sente que participou desse momento através da sua escrita,
quer em prosa, quer em verso?
BS - Não. Estive
sempre à margem deste movimento que louvo, elogio e reconheço a importância.
Sempre fui muito retraída. Nunca participei de nenhum movimento, iniciativas,
encontros de qualquer espécie.
MLH - Você
acredita que há uma escrita feminina, uma dicção feminina, uma palavra de
mulher?
BS - Não há como
fugir desta realidade. Embora sinta a literatura feminina, com o passar do
tempo, caminhando lado a lado com a masculina em todos os aspectos e
vice-versa. Existem quase que uma marca registrada, um DNA, específicos para
cada gênero.
MLH - Como foi,
para você, ter sido eleita para a Academia Pernambucana de Letras?
BS - Uma emoção
que palavras não definem. Por que não dizer? Constituiu motivo de honra e
orgulho passar a integrar uma instituição de alto nível literário, reduto de
intelectuais importantes de todos os saberes das nossas letras. Na APL estariam
ampliados os meus conhecimentos e penetração no mundo da literatura ao conviver
com suas vozes mais expressivas.
MLH - Como vê
essas Instituições literárias acadêmicas? Acha que ainda são necessárias nestes
tempos virtuais?
BS
-
Sempre serão imprescindíveis, independentemente de entidades virtuais, apesar
de ter a consciência de que tudo evolui. Os tempos virtuais são uma realidade
inevitável. Mas, em contrapartida, Os encontros presenciais dos acadêmicos dão
mais vida, calor humano e amplitude de conhecimentos aos seus integrantes.
*Maria de Lourdes Hortas é poeta,
ficcionista, ensaísta e colabora com o DCP
TRÊS POEMAS DE BARTYRA
SOARES
E EM TODA PULSAÇÃO DA VIDA
A Teresinha Soares - minha mãe - e a Maria
Moêma
Soares de Matos - minha irmã
Ó
Eos, deusa de cada manhã, por que
nem
a ti foi dado o direito de não
sofrer?
Tuas lágrimas - orvalho
gotejando
na terra -, também boiam
nos
olhos dos humanos, ante suas perdas
irresgatáveis,
como tu, que nos conflitos
de
Troia perdeste teu amado filho.
Ó
Tu, dona da claridade engastada
nos
teus cabelos e nos primeiros trigais,
quem
te reconheceria não fossem tua carruagem
escarlate
e tuas asas pagãs por entre
os
ventos flutuando?
Indago-te
de mãos postas em agonia:
que
fazer se em toda pulsação da vida
há
sempre alguém chorando suas dilacerações,
como
tu, eterna mãe do filho que partiu?
CANTIGA
DE NINAR PARA MEU PAI
À
memória de Pelópidas Soares
Dorme,
meu pai.
Embora
o teu sono já não venha
do
cansaço das noites insones,
quando
inúmeras vezes buscavas
um
livro no silêncio do aposento.
Dorme.
Cuidarei
para que a chuva chicoteando
o
chão não desperte o teu sono
de
menino grande. E o lamento
do
mar no seu balanço de pêndulo
sem
tempo não acorde teus sonhos
de
homem menino.
Dorme.
Já
não precisas procurar no Capibaribe
o
roteiro de outras águas.
Nada
mudou apesar das cismas
dos
andarilhos das noites sombrias.
O
mar continua relva móvel
sob
estrelas e ventania.
E lá
longe o Persinunga ainda
é
riacho doce afagando a praia,
acolhendo
sal e sargaços.
Dorme.
Uma
nova história nasceu nas encostas
da
Serra da Prata, contando
em
suas reverberações que no itinerário
das
luas crescentes no céu de Catende,
tua
vida é pulsação atemporal.
E
não é preciso que estejas atento
para
que a história se anuncie verdadeira.
Dorme.
Mesmo
adormecidos, teus passos
serão
ritmo flutuante sobre os canaviais
e o
pelo da cana não te fisgará a alma.
Nem
o Piranji deixará de recitar teu nome
ao
desaguar na tepidez do Una.
Dorme,
meu pai.
Teus
ouvidos perceberão nas notas
de
um instrumento ancestral,
a
mais terna canção de acalanto
que
nem mesmo Apolo foi capaz
de
executar, mas para ti solfejarei
antes
de devolver-te aos acolhedores
braços
de Deus.
ODE
A HOMERO
Os
versos fremiam nas tuas veias, Homero.
Teus
cânticos narrando epopeias sob
o
comando de tua voz - ave hoje tragada
por
milênios de abismos - a ninguém
disseram
da aridez da poeira que tisnava
teus
olhos.
Na
luz cadente dos séculos, Homero,
cantaste
os feitos de Aquiles, Ulisses,
Penélope.
Ela, mulher de espera, tecendo
sob
o sol a mortalha de Laerte
para
a cada sombra do tempo desfazer.
Era
preciso aguardar que Ulisses voltasse.
Não
seria necessário, Homero,
consultar
as espumas do Mar Egeu.
Tu
bem o sabias, Ulisses retornaria.
Não
foi na tua volta que algum oráculo
me
confessou: o que sempre soube, Homero:
carregaste
a história que também conduzo
na
renovação dos dias, enquanto poemas teço.
bela entrevista! adorei as perguntas! adorei as respostas!
ResponderExcluirMeus parabéns para a entrevistadora e para a entrevistada! Gigantes criaturas da poesia!
ResponderExcluirExcelente, Bartyra
ResponderExcluirFico feliz pelo reconhecimento da importância do seu trabalho.
Parabéns minha amiga.
Forte abraço
Extraordinário o manancial de sabedoria que sai graciosamente da mente e das entranhas da escritora e poetisa Bartyra. Fico embevecido cada vez que experimento dessa fonte inesgotável de sabedoria e de sensibilidade.
ResponderExcluirParabéns Bartyra, ainda é pouco para o muito que você representa no cenário intelectual e social.
Parabéns grande poetisa. És merecedora dos mais altos elogios. Bjs prima.
ResponderExcluirParabéns para grande escritora Catendense.
ResponderExcluirParabéns!! Grande escritora!!!
ResponderExcluirParabéns!!!!
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