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PAULO LEMINSKI, O SAMURAI DA POESIA BRASILEIRA



Por Natanael Lima Jr.*





"apagar-me diluir-me desmanchar-me até que depois de mim de nós de tudo não reste mais que o charme." 




Paulo Leminski / Foto: Reprodução




Paulo Leminski - o icônico poeta paranaense foi um dos mais expressivos de sua geração. Foi também escritor, fez crítica literária, compôs músicas com diversos nomes da MPB, entre eles: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Guilherme Arantes, Ney Matogrosso, Moraes Moreira, Arnaldo Antunes, Itamar Assumpção; e parcerias marcantes com José Miguel Wisnik e Wally Salomão. Entre suas traduções estão obras de James Joyce, John Fante, Samuel Beckett e Yukio Mishima, entre outras.

Leminski é, sem dúvida, um dos poetas mais importantes da história recente da nossa literatura. Sua poesia promove, com criatividade e sensibilidade, o encontro de diversos contrários: a erudição e o popular, o rigor e a leveza, a concisão e a irreverência, a vanguarda e o pop.

Admirador e apaixonado pela cultura japonesa, Leminski foi tradutor e seguidor de Matsuo Bashô, um dos poetas mais importantes do período Edo do Japão e reconhecido como mestre do haikai.

Paulo Leminski nasceu em 24 de agosto de 1944 e faleceu no dia 7 de junho de 1989, aos 45 anos, em consequência de uma cirrose hepática que o acompanhou por muitos anos.

O DCP reúne nesta edição uma mostra da sua poesia plural, marginal, viva e pulsante. Os poemas aqui publicados fazem parte do livro “Toda poesia de Paulo Leminski”, Companhia Das Letras, 2013.



Paulo Leminski, o samurai da poesia brasileira
Foto: Reprodução




Uma vida é curta
para mais de um sonho

...

Será preciso
explicar o sorriso
da Mona Lisa
para que você
acredite em mim
quando digo
que o tempo passa?

...

Fechamos o corpo
como quem fecha um livro
por já sabê-lo de cor.

Fechando o corpo
como quem fecha um livro
em língua desconhecida
e desconhecido o corpo
desconhecemos tudo.

...

Hesitei horas
antes de matar o bicho.
Afinal,
era um bicho como eu,
com direitos,
com deveres.
E, sobretudo,
incapaz de matar um bicho,
como eu.

...

desmontando o frevo

desmontando
o brinquedo
eu descobri
que o frevo
tem muito a ver
com certo
jeito mestiço de ser
um jeito misto
de querer
isto e aquilo
sem nunca estar tranquilo
com aquilo
nem com isto

de ser meio
e meio ser
sem deixar
de ser inteiro
e nem por isso
desistir
de ser completo
mistério

eu quero
ser janeiro
a chegar
em fevereiro
fazendo o frevo
que eu quero
chegar na frente
em primeiro

...

parar de escrever
bilhetes de felicitações
como se eu fosse camões
e as ilíadas dos meus dias
fossem lusíadas,
rosas, vieiras, sermões

...

Bom dia, poetas velhos.
Me deixem na boca
o gosto de versos
mais fortes que não farei.

Dia vai vir que os saiba
tão bem que os cite
como quem tê-los
um tanto feito também,
acredite.

...

o soneto a crônica o acróstico
o medo do esquecimento
o vício de achar tudo ótimo
e esses dias
longos dias feito anos
sim pratico todos
os gêneros provincianos

...

dia ao primo pássaro

foi você
que piou pintou
ontem
pouco antes
do sol nascer?

ou foi
talvez
um irmão tia irmã
uma voz
tão
longe
que hoje
até parece amanhã?

...

minhas 7 quedas

minha primeira queda
não abriu o paraquedas

daí passei feito uma pedra
pra minha segunda queda

da segunda à terceira queda
foi um pulo que é uma seda

nisso uma quinta queda
pega a quarta e arremeda

na sexta continuei caindo
agora com licença
mais um abismo vem vindo

...

dança da chuva

senhorita chuva
me conceda a honra
desta contradança
e vamos sair
por esses campos
ao som desta chuva
que cai sobre o teclado

...

um poema
que não se entende
é digno de nota

a dignidade suprema
de um navio
perdendo a rota

...

dois loucos no bairro

um passa os dias
chutando postes para ver se acendem

o outro as noites
apagando palavras
contra um papel branco

todo bairro tem um louco
que o bairro trata bem
só falta mais um pouco
pra eu ser tratado também

...

para a liberdade e luta

me enterrem com os trotskistas
na cova comum dos idealistas
onde jazem aqueles
que o poder não corrompeu

me enterrem com meu coração
na beira do rio
onde o joelho ferido
tocou a pedra da paixão

...

oração do pajé

que eu seja erva raio
no coração de meus amigos
árvore força
na beira do riacho
pedra na fonte
estrela
          na boca
                      do abismo

...

vento
que é vento
fica

parede
parede
passa

meu ritmo
bate no vento
e se
      des
           pe
               da
                   ça

...

carta ao acaso

a carta do baralho
 grande gilete
corta sem barulho
 o olho do valete
o rei a fio de espada
 a água e a farinha
uma só passada
 a espada na rainha

...

sem budismo

  Poema que é bom
acaba zero a zero.
  Acaba com.
Não como eu quero.
  Começa sem.
Com, digamos, certo verso,
  veneno de letra,
bolero. Ou menos.
  Tira daqui, bota dali,
um lugar, não caminho.
  Prossegui de si.
Seguro morreu de velho,
  e sozinho.

...

   Nem tudo envelhece.
O brilho púrpura,
   sob a água pura,
ah, se eu pudesse.

   Nem tudo,
sentir fica,
   Fica como fica a magnólia,
magnífica.

...

Incenso fosse música

isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além

...

Invernáculo

Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quem sabe maldigo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.



*Natanael Lima Jr. é poeta, pedagogo, produtor cultural, editor do site DCP e da Imagética Edições









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