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O SERTÃO EM REPOUSO E VERDE DE GUIMARÃES ROSA


Por Vernaide Wanderley*






João Guimarães Rosa é considerado o maior escritor brasileiro do século XX 
e um dos maiores de todos os tempos
Crédito: Google/Reprodução




O SERTÃO EM REPOUSO E VERDE DE GUIMARÃES ROSA

- Uma Releitura do Lugar de Miguilim



Estudar e compreender o sertão brasileiro a partir de obras literárias, leva-nos a escolher, intencionalmente, o conto ou novela Campo Geral, (Manuelzão e Miguilim*) de nosso consagrado Guimarães Rosa. Aqui, o autor contempla e resgata um sertão em repouso, das coisas miúdas e cotidianas, configurado pelas relações entre uma família interiorana mineira, pai, mãe, filhos pequenos e os que com eles convivem e dividem tarefas e vivências como uma tia, avó, vaqueiros e os bichos de estimação.

A escolha foi fundamental para a montagem de um mosaico sobre a visão de mundo da realidade abordada, espaço e tempo de um sertão recriado através das lentes da personagem central Miguilim, criança de oito anos ao lado do irmão Dito, um pouco mais velho, e outras pessoas e agregados do lugar. Nesse contexto, podemos dizer que o autor expõe com maestria as emoções e o poder das palavras infantis para compor os momentos emocionantes de um universo “próximos ao dos poetas e dos loucos” – com já afirmaram alguns estudiosos e analistas da obra de Rosa.

A narrativa vai sendo construída à medida que Miguilim cresce, relaciona-se e envolve-se de forma harmônica e íntima com a vida, seus encantos, desencantos e medos, angústias, tramas e forças da natureza. Todos esses tipos de relação permitem que o personagem atue no espaço que vai sendo transformado, pouco a pouco, num espaço vivido, ou seja, convertido no Mutum com identidade e rosto próprios. Um espaço que se contrapõe ao espaço alienado – aquele que se apresenta esvaziado de valores.

A cultura, talvez pelo próprio isolamento da região, passa a ser um elemento que favorece a percepção e valoração ambientais no qual as personagens se movimentam e vivem seu cotidiano: reforça a presença do local numa integração permanente entre a flora, a fauna; os bichos, os acidentes geográficos e as pessoas e onde se identificam elementos estéticos e afetivos.

Por outro lado, podemos afirmar que as relações de poder e as estabelecidas com a natureza ficam restritas ao âmbito doméstico, não vão além dos limites do Mutum. Referendando-se aqui a existência de um lugar/território, um lugar da intimidade de MIguilim, que dizia com Rosa: “O Mutum é um lugar bonito, entre morro e morro, com muita pedreira e muito mato, distante de qualquer parte; e lá chove sempre.”

Numa perspectiva geocultural, podemos acrescentar que para Miguilim, mais uma bela criação rosiana, o Mutum é lugar/pausa, construído sempre por atuação e exercício de seu afeto. O sentido e desejo de espaço/movimento fica caracterizado, ao longo da narrativa, quanto o personagem começa a crescer e toma consciência de sua miopia, da necessidade de usar óculos – experiência forte entre o sentido de lugar (segurança e aconchego) e o sentido de espaço (liberdade e desconhecido).

Para finalizar ressaltamos que o sertão verde de Rosa, sertão “renascido” todo o tempo, difere do sertão situado no semiárido ou sertão das grandes estiagens, o verticalmente analisado por grandes especialistas e escritores. Por isso mesmo, o sertão rosiano pode prescindir das relações de poder externas e viver o seu delírio telúrico. Aquele espaço-sertão não necessita viver a mercê de políticas externas que o ”acudam!”,

Também porque “Sertão? Sertão é dentro da gente!” Como bem disse nosso Miguilim! Como melhor diria Guimarães Rosa!

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*Rosa, Guimarães João*. Manuelzão e Miguilim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, 11ª ed.





*Vernaide Wanderley é poeta, escritora , colunista do site e pesquisadora social


O SERTÃO EM REPOUSO E VERDE DE GUIMARÃES ROSA O SERTÃO EM REPOUSO E VERDE DE GUIMARÃES ROSA Reviewed by Natanael Lima Jr on 07:31 Rating: 5

Um comentário

  1. A querida VW adentrou na alma dos personagens e foi até dentro da alma do autor. Até hoje não tinha visto alguém falar de Guimarães, de suas intimidades veladas, como Vernaide o fez.

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