ENTREVISTA COM O POETA JOSÉ LUIZ MELO
*Entrevista
exclusiva concedida a Maria de Lourdes Hortas
“Debruço-me
sobre os versos dias e dias na busca da palavra espontânea que surja e se dê os
braços com a outra, as palavras e o sentimento do verso, sem que se perceba
sombra de ressentimento, de mal quereres, de um ritmo quebrado, de uma melodia
falsa, que a palavra e o seu pé quebrado, o pensamento, sejam os mesmos do
começo ao fim do poema; fluídas e calmas não se embaraçam uma na outra, não tem
como fazer um “pit stop” para mudar o curso de suas almas, até o fim da linha,
o passageiro não pode esquecer à bagagem, tem que prosseguir na viagem”.
O poeta José Luiz Melo nasceu em Jaboatão, (PE),
em 1941. Integrou a chamada
Geração 65 de escritores pernambucanos.
Crédito: Arquivo pessoal do autor.
O
site Domingo com Poesia tem a honra e
o prazer de trazer para seus inúmeros seguidores, com exclusividade, a
entrevista com o poeta José Luiz Melo,
concedida a nossa colunista e poeta luso-brasileira Maria de Lourdes Hortas, em comemoração aos 9 anos de resistência
do DCP.
José
Luiz de Almeida Melo
é poeta e componente da chamada Geração 65 de escritores pernambucanos, integra
com Jaci Bezerra, Domingos Alexandre e Alberto da Cunha Melo o Grupo de
Jaboatão. Autor de uma poesia rara e profunda, publicou alguns poemas no Diário
de Pernambuco em 1966, sob a égide do poeta e crítico literário César Leal. Em
1981, publicou o livro de poemas “Proibições e Impedimentos”, pela Edições
Pirata. Em 2016 publicou o “Primeiro Livro dos Sonetos, dos primeiros aos
penúltimos...”, pela Editora Novoestilo, Edições do Autor e, em 2018, publicou o
“Segundo Livro dos Sonetos, os penúltimos...”, pela mesma editora. Em breve
anunciará a publicação do seu “Terceiro Livro dos Sonetos, os derradeiros...”.
“Segundo
Livro dos sonetos,
os
penúltimos...”,
Recife, 2018.
Capa: Divulgação
Maria
de Lourdes Hortas - Poeta José Luiz, ouvi falar de você
na época da Pirata, quando, através daquele movimento, você publicou o seu
primeiro livro. Então, o nosso amigo, poeta Jaci Bezerra, me falou sobre o
Grupo de Jaboatão, do qual faziam partes jovens poetas - o próprio Jaci,
Alberto da Cunha Melo e você... Não sei se esqueci de outros... Disse-me ele
que vocês eram muito envolvidos com a vida cultural da cidade, frequentavam a
casa do poeta Benedito da Cunha Melo, pai de Alberto, a quem mostravam seus
primeiros rascunhos poéticos. Foi isso mesmo?
José
Luiz Melo - Minha querida amiga, poeta Maria de
Lourdes. Coisa boa e fácil é falar do passado, infância e juventude, dos
amigos/irmãos com quem compartilhávamos a vida e os sonhos, como os jovens de
tantas outras cidades do interior do nosso País, e porque não dizer, de todas
as aldeias e subúrbios do mundo que escrevinhavam seus versos, compunham suas
músicas, expressavam sua arte com enorme qualidade na modesta timidez dos seus
rincões, e que entre si como se bastavam como seu público, no elogio de um para
o outro, estimulando-se e se apoiando na realização de uma fantasia que se
renovava todos os dias, vida afora, vida dentro.
Não fomos em Jaboatão
diferentes destes poetas que iluminam o planeta, nos seus universos, nas suas
galáxias, por mais distantes que estejam. Aqui, devo realçar três figuras
aladas que nos fizeram de Jaboatão voar ao infinito: O Professor Benedito, de
Cunha Mélo o sobrenome, egresso de Goiana, norte do Estado, funcionário
público, escriturário do Ministério do Exército de onde não atrasava à hora na
volta para casa, pelo trem das quatro, sempre um bar em meio ao caminho, a
verve, a poesia, sua aula na sala ampla de sua casa, uma mesa enorme onde
pontificava na mesa como professor de português na nossa cidade, nos ensinava
regência, gramática e os versos que recitava, Bilac, Camões, Alphonsus, Cruz e
Souza e outros mais. Professor Benedito é o pai do nosso poeta Alberto que
também é da Cunha Mélo, e sua mulher, uma deusa de gente, Dona Maria José, Dona
Zezé, para a gente. Uma outra pessoa com quem estivemos juntos, quase em um
apostolado, foi o José (Josa) Vilella, um boticário na cidade, fechava a
farmácia no meio das tardes para o encontro com outros poetas, no Bar Redondo
do Manuel, no centro da rua, onde a cidade fazia a volta, vestido de paletó e
gravata, sua voz roufenha, a tuberculose comeu-lhe a linguagem, a nos dizer que
a voz do silêncio era o resumo de todas as palavras, ditas, pensadas e ainda
não pronunciadas. A terceira pessoa, não menos importante, o Professor César,
Leal seu sobrenome, igual aos demais poetas sem nome de quem recebia poemas,
como os de Jaci, de Alberto, alguns meus, e publicava em sua página no DP, nos
domingos. Ser publicado no suplemento literário do DP, tempo de fausto para os
poetas, era o gáudio supremo, a consagração, muito maior que o Prêmio Nobel que
este não era do nosso mundo. Tivemos em Jaboatão estas três pessoas que nos
inspiraram, deram guarida aos nossos versos, faltasse um e talvez ninguém
tivesse conhecido Alberto ou Jaci, os poetas da Geração ao qual deram o nome de
65. Foram os anos de 1962, 63, de efervescência dos nossos sonhos, dos Ginásio
Pe. Chromácio, do Colégio Estadual de Jaboatão, do Professor Eliaquim, do
Jornal Dia Virá dos estudantes de Jaboatão, quando desafiávamos a nós próprios
para saber quem mais ousado desafiaria o destino, próximo e distante. Época em
que comigo Jaci Bezerra, Domingos Alexandre, Pedro Virgulino se juntaram às
tertúlias na casa de Alberto e nas madrugadas insones, no Boteco de Seu
Antônio, no Beco da Colônia, em outra curva da cidade. Depois disto a vida
continuou até hoje, do jeito que foi, com seus encantos e desencantos, do jeito
que é, não mudamos a sorte que nascemos com ela.
MLH
-
Na época em que o movimento Pirata surgiu, (1979) eu não estava no Brasil. Só
me aproximei do grupo no segundo semestre de 1980, por isso não fiz parte do
grupo de base. E você, pela sua grande amizade com Jaci e Alberto, esteve com a
Pirata nesse primeiro momento?
JLM
-
Formei-me médico em 1966. Em 1970 tinha quatro bocas, como se diz, para dar que
comer e educar. Além do que, como médico escolhi uma especialidade espinhosa,
onde escrevia meus versos em carne e osso que me chegavam no Hospital do Pronto
Socorro naqueles tempos, na Rua Fernandes Vieira, com os membros quebrados, as
vísceras feridas, partidos seus pescoços. Então há de se convir que eu escrevia
os versos no pergaminho da vida do modo como ela me ditava, além do que ainda
me deu o desejo de fundar na minha cidade um hospital para o seu povo, talvez o
poema mais glorioso e doloroso que escrevi. Neste período, uma ou outra vez
encontrava os poetas contemporâneos na Livro 7, um templo onde a oração era o
poema, na Nova Portuguesa, um restaurante da boêmia próximo à Praça do Diário.
Também, tinha um bar próximo à Chesf e que promovia saraus e encontro dos
poetas, tinha a casa do Alberto e a morada na praia do Maragogi do nosso eterno
Geraldino Brasil.
A publicação em 1980
do meu livro “Proibições e Impedimentos” pela Pirata fez-me muito vaidoso e
feliz. O título é a reprodução do que tem escrito na carteira profissional dos
médicos, onde falta sem dúvida acrescentar a palavra “deveres”. Fizemos o seu
lançamento num barzinho, próximo a chegar em Jaboatão com o sugestivo nome de
“A Garapeira”. Daí deve se imaginar a farra que transcorreu à noite inteira, me
guarda ainda na boca o gosto do siri mole e da Brahma suada, as garrafas de 600
ml brincando de roda na mesa.
MLH
-
Agora vamos falar da sua poesia. Conte-me como foi o seu despertar para a
palavra poética. Foi um chamado, uma vocação, ou algo meramente lúdico?
JLM
-
Devo confessar que quando menino queria ser padre, até que um dia me descobri
apaixonado, então mudei a vocação para a de um poeta apaixonado. Naquela época,
nossa forma, modo de expressar, de recitar: o parnaso, o simbolismo. Lembro-me,
uma tarde, nos atrevemos e fomos ao Gabinete Português de Leitura, no centro do
Recife. Sentimo-nos chocados com os versos que ouvimos, sem métrica e sem rima,
não julgávamos que fosse poesia. De volta à mesa do Professor Benedito, ele nos
falou da nova poesia, de Bandeira, de Drummond, do movimento modernista e da
revolução que se prenunciava mundo à fora no modo de sentir e dizer a poesia.
Daí que nossos primeiros poemas, meus, de Jaci, de Alberto foram sonetos.
Raimundo Carrero teve uma clara percepção deste fato quando escreveu sobre o
Grupo de Jaboatão e disse: “Havia uma ansiedade política no ar até porque a
época era de grande agitação, mas os poetas começaram pela estética literária,
evitando a vanguarda que era um dos caminhos indicados. Os sonetos pareciam uma
volta ao passado, mas o aperfeiçoamento conduzi-os ao futuro.”
MLH
-
Por conta da sua profissão de médico, me parece que a persona do poeta passou
um bom tempo escondida. Essa pausa realmente aconteceu, ou você escrevia para a
gaveta?
JLM
-
Apenas, enquanto médico, não mostrava o que escrevia, e também meio desarrumado
na vida, desacostumado de arrumações cansativas, não guardei o que escrevi. Eu,
no entanto, vivia intensamente cada dia e isto é uma maneira de escrever
poesia, em si próprio pena e papel, que fica guardada no recôndito da alma,
escondida, para, talvez, se mostrar um dia. Lembro-me, uma ocasião quando
estava copiosamente seco, árido, li um verso que me despertou lágrimas
ardentes. Então, estava em São Paulo, fazendo minha residência médica no Hospital
da Santa Casa e me regozijei ao chorar e me sentir vivo. Entretanto, nunca
deixei de escrevinhar minha solidão, na forma de versos, de textos manuscritos,
primeiro num antigo caderno espiral, que perdi; depois, tempos modernos,
gravados num disquete, nos primitivos sistemas operacionais dos quais lembro às
designações, 286, 386, que também perdi. Nunca me fui dado a guardar
lembranças, com medo de que surjam um dia e me assustem suas vicissitudes,
sejam as cartas, as fotos, os santinhos de 1ª. comunhão, temendo os possíveis
reencontros, sempre dolorosos, mais dolorosamente ainda quanto mais longe se
vai nas distâncias sem fim do tempo.
MLH - E como foi o regresso à
poesia, depois desse longo hiato?
JLM
-
Um fato marcante houve um autor que escreveu o drama, deu nome ao personagem.
Num domingo, penso em dezembro de 2015, almocei em casa de um vizinho em
Gravatá, meu dileto colega e amigo, membro da APL, Amaury Medeiros, com outros
congêneres seus, Alvacir Raposo, José Paulo Cavalcanti, e um trovador sertanejo,
exímio sonetista Dirceu Rabelo. Foi uma tarde plena de encantamento onde mais
ouvi que falei, que o meu nirvana estava muito distante do nirvana que habitava
àquela gente. Fim do almoço, maravilhoso ágape de iguarias muito finas
pontificados pela gentileza do casal, Amaury e Cremilda, ainda os vapores do
uísque enchendo-nos às cabeças de luas cheias, Dirceu, procurou-me, pediu-me o
endereço que anotou num papel amarfanhado e guardou no bolso da camisa.
Disse-me que ia me enviar alguns dos seus livros para que os lesse. Juro que
nunca esperei que estes livros me chegassem algum dia, o endereço se perdesse
quando trocasse a camisa, o compromisso esquecido depois da noite dormida, de
modo que foi com surpresa, quando um dia, em minha casa, recebi dos Correios um
pacote de alguns livros com o nome impresso do poeta Dirceu que os remetera.
Claro que logo os li, avidamente, envolveu-me a ternura de sua poesia, os seus
versos leves que não faziam sala, se instalavam dentro da gente como se sempre
estivessem ali e não quisessem sair. Então, para atender à máxima de que
gentileza gera gentileza, que se não devolve vazio um prato que se recebeu com
iguarias, procurei um dos poucos opúsculos que me sobravam da publicação pela
Pirata, xerografei e lhe mandei uma cópia. Sua resposta, transbordou-me à alma
de felicidade. A análise que fez da poesia que lhe enviei, os sentimentos que
lhe despertou e palavras de alvíssaras para que voltasse a escrever. Então me
resolvi a fazer, em meio a tempestades das emoções de quem ressuscita, voltei a
escrever, freneticamente, às vezes dois ou três sonetos num dia, e assim, fui
sentindo a pouco e pouco que tudo que estava em mim obliterado esperava apenas
uma porta aberta para sair.
Quando percebia que
algum dos sonetos que escrevia estavam amadurecidos, enviava-os para Dirceu que
sempre me respondia sugerindo aqui e ali num verso, uma palavra a mais ou
menos, uma virgula, um ponto de vista. Outros amigos que me ajudaram nesta
peregrinação de joelhos nos ladrilhos da poesia foram Fred Spencer e Natanael
Lima que nunca me faltaram com a palavra de incentivo. Penso, em agosto de 2016
publiquei o “Primeiro Livro dos Sonetos, dos primeiros aos penúltimos”, que
mereceu a láurea da Academia Pernambucana de Letras. Ainda em 2016, comecei a
publicar cada semana um poema nas postagens do Facebook que foram bem acolhidas
o que me encorajou mais ainda e desde então redivivo aos quase oitenta anos bem
vivendo a adolescência que vivi aos 15.
MLH
-
Observo que, com frequência, você recorre ao soneto para expressar o seu
lirismo. Não acha difícil adequar o seu sentimento a uma forma fixa? Ou, pelo
contrário, essa ourivesaria poética é, para você, mais instigante?
JLM
-
Minha cara amiga, meu neto, o Arturzão, com nove anos iniciou o seu aprendizado
de violão. Hoje, aos 12 anos, pela partitura toca peças difíceis e ainda,
folgazão, dedilha o pinho que põe sobre a cabeça. Falo isto para lembrar que a
poesia que conheci e declamei na infância e juventude, como as coisas que se
internalizam em nossa mente como um vício ou uma virtude para sempre, foram os
versos rimados, as redondilhas, o decassílabo camoniano, de Olavo Bilac, dos
romancistas, de Cruz e Souza, os alexandrinos de Jorge de Lima que acreditava
serem coisas do outro mundo, inaccessíveis, na joalheria dos seus versos.
Então, sessenta anos depois, quando me decidi a escrever versos, não no galope
de uma onda aqui outra acolá, mas diluvianamente, nas quebradas da metade dos
setenta, foi o soneto que me voltou e tomou as rédeas do meu verso, do meu
universo, não fui eu quem mandava e sim o soneto que está incluso em mim como
um órgão natural que se não pode extrair, que saliva, que petisca, que namorica
e que se for o caso, com tendências abstratas de uma pintura futurista. Uma vez
ou outra, nos últimos anos, tenho procurado expressar-me em poemas que se
estendam ao sabor do vento, porém acho muito difícil. Primeiro, porque logo um
decassílabo se mete no meio, sem que me peça licença, e me vejo escrevendo um
soneto. Depois, o poema perfeito, absoluto, acho muito difícil escrever.
Debruço-me sobre os versos dias e dias na busca da palavra espontânea que surja
e se dê os braços com a outra, as palavras e o sentimento do verso, sem que se
perceba sombra de ressentimento, de mal quereres, de um ritmo quebrado, de uma
melodia falsa, que a palavra e o seu pé quebrado, o pensamento, sejam os mesmos
do começo ao fim do poema; fluídas e calmas não se embaraçam uma na outra, não
tem como fazer um pit stop para mudar o curso de suas almas, até o fim da linha,
o passageiro não pode esquecer à bagagem, tem que prosseguir na viagem.
MLH
-
Há uma pergunta a que dificilmente se foge, ao entrevistar um poeta. Vou
fazê-la: Poeta José Luís de Melo, para você, o que é a poesia?
JLM
-
Poesia é um estado de espírito que se não percebe, nasce com ele, cultiva, uma
flor no deserto ou uma frondagem na floresta, não interessa, não precisa
escrever, sim sentir, ler, emocionar-se, rir, galhofar dos poetas, pensar que
faria melhor ou pior, gostar de ler versos, hoje, um poeta é o público do outro
poeta. Ter alma de poeta, ─, mas, o que é ter uma Alma de
Poeta? É viver na agonia de
se saber que se vê
dentro da gente, por mais longe que esteja.
MLH
-
Acredita que a poesia sobreviverá neste mundo virtual em que vivemos, de tanta fugacidade,
onde tudo é descartável rapidamente, e onde o livro parece ameaçado pelo
e-book?
JLM
-
Minha querida amiga. Quando você pergunta se a poesia sobreviverá dá a
impressão de que está para morrer, passando mal, doente terminal. Pelo
contrário, continua bebê, desde o “Faça-se a Luz” o poema existiu, antes da
Criação, no Deus antes de Ser, Eterno e Derradeiro; depois, nas angústias da
humanidade, também nos prazeres da procriação, na seleção das espécies, todas
elas sem abstrações nem prerrogativa de espécie: os cães, os besouros, os
bichos do mato, os micróbios, as plantas, as rochas da montanha, até nosso
contemporâneo, o corona vírus têm na sua maneira seu próprio medo de ver o
universo onde habitam; também os seus gozos, seus bem ou mal quereres. Depois,
de muito e muito tempo alguém escreveu o primeiro verso, esculpido num rochedo,
um ancestral nosso paleolítico, escreveu seu poema de amor no espírito de uma
caverna, depois de um milhão de milhão de coisas chegamos aos dias de hoje
quando cada um de nós pode dedilhar o seu verso e guarda-lo na lembrança de um “smartfone”
sem que nada impeça que caminhe pelo mundo afora, sem lenço nem documento. O
e-book nunca superará o poema escrito, numa folha de caderno escolar, no quadro
negro da escola, em um bilhete para o primeiro(a) namorado(a), num exemplar
finamente editado, porque um e outro são o mesmo lado do mesmo lado, sem que
lhes faça diferença a poesia em suas nuvens ou suas páginas.
MLH
-
A nossa geração leu as “Cartas a um Jovem Poeta”, de Rainer Maria Rilke, onde
ele fala da solidão, considerando-a essencial para a poesia. Você, Zé Luís, o
que diria a um jovem poeta?
JLM
-
Mas, minha querida amiga, eu sou um jovem poeta, avarento por escutar
conselhos, réplicas, tréplicas, abstrair de um verso que leio o outro verso que
se “esconde debaixo dos panos”, à face oculta da lua vista por um pirilampo que
pisca pisca, uma luz que atravesse a lua e o verso e veja por dentro suas
entranhas.
Então o que diria
para um jovem poeta, talvez um pouco mais jovem do que eu, nas primeiras
letras, pois já faço o ginásio apesar de ainda engatinhar no abecedário, é de
quando sentir que falta qualquer coisa no mundo e lhe der vontade de colocar no
lugar, seja um verso, uma prosa, um solfejar mudo de uma canção que dobra no
meio, o amálgama do barro, qualquer coisa enfim, não titubeie, dê vida ao seu
pensamento, palavra ao verso, melodia à canção, forma de boneco ao barro e
depois fique olhando e olhando até que seu espírito descanse, pois o artista é
também um deus menor, sem ser raquítico, um criador.
Depois, se você,
jovem poeta, é um ser recluso, introspectivo, ensimesmado, nunca estará só
enquanto o sonho esteja consigo e lhe cultive a vida. Nunca lhe faltará o sol
na avenida nem sal para sua ferida. Entretanto, se não lhe sobrar a companhia
dos afins consigo, junte-se aos outros Eus semelhantes a você e permute entre
si suas existências, suas dádivas preciosas, os seus tesouros, seja o público
do palco um do outro na serenidade de não pretender ir além dos muros de sua
vizinhança. Porém, se isto acontecer, ultrapassar o seu verso a esquina de sua
escola, classe, da rua onde mora, deixe que ele voe que o universo pode ser
pequeno para quem não tem pés para voar, apenas asas que saberão seu próprio
caminho. Mas, você, não tire os pés do chão, fique atento que é de cimento e
precisa ficar firme, para marcar sua presença, sem pretensões e pulos
acrobáticos que as asas voam por si sem que lhes impulsione um cata-vento.
Uma ocasião, não sei
onde, li um depoimento que Gabriel Garcia Marques, dos Cem Anos de Solidão, fez
sobre si, quando confessava que o livro que lia todas as manhãs, o dicionário,
detalhadamente, cada palavra ele acariciava com suas mãos de aldeão para que se
lembrassem de si quando vazio de palavras engatinhasse e subisse escadas para
olhar além do que sua parca vista alcança.
Por mim não julgo que
nada seja ultrapassado. Neste confuso vir a ser tudo volta a ser algum dia.
Assim, quando Lourdinha Hortas me fala no universal poeta Rilke, eu devo
pontuar que sua “Cartas a um jovem poeta” foi escrita há 120 anos, num contexto
diverso do que vivemos hoje, quando as opiniões se manifestam democraticamente
nos “linkes” e “deslinkes” das mídias sociais, e sobretudo, enquanto Rilke
falava para o jovem Kappus, mirava-se em si nos conselhos que lhe dava para a
feitura de uma poesia que a sua maneira e semelhança ultrapasse os vexames do
tempo. Assim, cito alguns conselhos de Rilke, de sua primeira carta para Franz,
mas chamo à atenção para o retrato que se faz nos conselhos que dá, ─
uma fotografia do seu retrato. Nossa fotografia, caro jovem poeta, talvez seja
no dizer de Drummond, apenas de um poeta de aldeia, um poeta municipal.
RAINER RILKE,
(1875-1926), nascido em Praga, então parte do império Austro-Húngaro, em 1903
recebe uma carta de um jovem chamado Franz Kappus, que aspira tornar-se poeta e
que pede conselhos ao já famoso escritor. Da correspondência que se desenvolveu
a partir daí, seleciono da primeira das cartas/resposta, algumas de suas
recomendações, que creio convém um jovem poeta conhecer:
“Quero lhe agradecer
por sua grande e amável confiança. Mas é só isso o que posso fazer. Não posso
entrar em considerações sobre a forma dos seus versos; pois me afasto de
qualquer intenção crítica. Não há nada que toque menos uma obra de arte do que
palavras de crítica: elas não passam de mal-entendidos mais ou menos
afortunados. As coisas em geral não são tão fáceis de apreender e dizer como
normalmente nos querem levar a acreditar; a maioria dos acontecimentos é
indizível, realiza-se em um espaço que nunca uma palavra penetrou, e mais
indizíveis do que todos os acontecimentos são as obras de arte, existências
misteriosas, cuja vida perdura ao lado da nossa, que passa.”
“Pergunta isso a mim.
Já perguntou a mesma coisa a outras pessoas antes. Envia os seus versos para
revistas. Faz comparações entre eles e outros poemas e se inquieta quando um ou
outro redator recusa suas tentativas de publicação. Agora (como me deu licença
de aconselhá-lo) lhe peço para desistir de tudo isso. O senhor olha para fora,
e é isso sobretudo que não devia fazer agora. Ninguém pode aconselhá-lo e
ajudá-lo, ninguém. Há apenas um meio. Volte-se para si mesmo. Investigue o
motivo que o impele a escrever; comprove se ele estende as raízes até o ponto
mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso
fosse proibido de escrever. Sobretudo isto: pergunte a si mesmo na hora mais
silenciosa de sua madrugada: preciso escrever? Desenterre de si mesmo uma
resposta profunda. E, se ela for afirmativa, se o senhor for capaz de enfrentar
essa pergunta grave com um forte e simples "Preciso", então construa
sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora
mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso.”
“Então se aproxime da
natureza. Procure, como o primeiro homem, dizer o que vê e vivencia e ama e
perde. Não escreva poemas de amor; evite a princípio aquelas formas que são
muito usuais e muito comuns: são elas as mais difíceis, pois é necessária uma
força grande e amadurecida para manifestar algo de próprio onde há uma profusão
de tradições boas, algumas brilhantes. Por isso, resguarde-se dos temas gerais
para acolher aqueles que seu próprio cotidiano lhe oferece; descreva suas
tristezas e desejos, os pensamentos passageiros e a crença em alguma beleza -
descreva tudo isso com sinceridade íntima, serena, paciente, e utilize, para se
expressar, as coisas de seu ambiente, as imagens de seus sonhos e os objetos de
sua lembrança.”
MLH
-
Agradeço-lhe muito a honra e o prazer de conversar com você. Há mais alguma
coisa que gostaria de dizer?
JLM
-
Fiquei muito contente com esta oportunidade que tive de expressar meus
sentimentos com relação a um momento extremamente feliz (malgrado muitas dores
que vivemos ultimamente com a pandemia terrível que o mundo atravessa), pela
difusão instantânea e quase milagrosa, da arte, do pensamento em suas
expressões. Fico a imaginar o que esperar depois disto, então imagino um amigo
no Facebook interestelar a conversar comigo de outros planetas, de outras
estrelas, de outras galáxias, de outros universos e o que mais houver que
chegaremos lá um dia. Tive o prazer de há alguns anos participar com Fred
Spencer, junto ao Natanael Lima, este grande incentivador de nossa literatura,
da editoria deste ícone da cultura pernambucana que é o Domingo com Poesia.
Agradeço a gentileza que tiveram comigo, do convite que recebi, as instigantes perguntas
que me foram feitas por Lourdinha, e confesso aos amigos que foi o um momento
que marcou a minha vida.
ENTREVISTA COM O POETA JOSÉ LUIZ MELO
Reviewed by Natanael Lima Jr
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Que dizer mais meu querido ZéLuiz, se você já disse tudo... Sua história literária começa em sua terra, seus amigos e pais que foram professores dessa geração de sabidos poetas que viveram, graças a Deus, junto de nós no Recife! Sendo amiga de todos esses expoentes de Jaboatão, participado da Pirata com eles, aprendido a versejar junto deles - só tenho a dizer: Obrigada por existirem! Ler suas repostas a nossa Lourdinha Hortas é uma viagem à verdade literária de nossa recifense pernambucana. Ampliada por outros poetas moradores do Recife, especialmente a partir da décadaa de 80! Obrigada por ser meu amigo, com uma história poética tão rica e instigante! E ser a pessoa do bem que é! <3
ResponderExcluirParabéns pela entrevista, meu caro amigo José Luiz. Fiquei agora conhecendo a sua atividade como poeta e médico.
ResponderExcluirEspero que no "derradeiro"seja como um Mar. Que nunca chegue o seu final, e a poesia continue seu curso, tão próprio trazendo luz e também suas sombras. Muito obrigada, pela oportunidade de ler essa maravilhosa entrevista.
ResponderExcluirGrande abraço a todos.
Espero que no "derradeiro"seja como um Mar. Que nunca chegue o seu final, e a poesia continue seu curso, tão próprio trazendo luz e também suas sombras. Muito obrigada, pela oportunidade de ler essa maravilhosa entrevista.
ResponderExcluirGrande abraço a todos.
Espero que no "derradeiro"seja como um Mar. Que nunca chegue o seu final, e a poesia continue seu curso, tão próprio trazendo luz e também suas sombras. Muito obrigada, pela oportunidade de ler essa maravilhosa entrevista.
ResponderExcluirGrande abraço a todos.
Parabéns ao entrevistado e à entrevistadora por esta bela conversa. José Luiz é poeta sempre, mesmo quando não escreve poemas, mesmo quando dá uma entrevista como esta, com respostas em que se destaca a sua sensibilidade. Gostei muito da sua definição de poesia. Abraços muito cordiais aos poetas Maria de Lourdes Hortas e José Luiz de
ResponderExcluirAlmeida Melo. Parabéns ao Domingo com Poesia pelo excelente trabalho que vem realizando.
Parabéns ao querido poeta José Luiz Melo! Uma delícia ler esta entrevista tão cheia de poesia, alimentando a alma e o coração.Parabéns!
ResponderExcluirSinto alegria em conhecer alguém com tao profunda sensibilidade.
ResponderExcluirParabéns a esse grande nome que só orgulha o nosso estado.
E o grande poeta dos sonetos se foi…partiu… agora escreve seus versos no mundo eterno dos poetas. Fica a saudade de sua requintada poesia que aparecia se supetão na time line do meu perfil do Facebook! Vai em paz poeta!😓
ResponderExcluirE o grande poeta dos sonetos se foi…partiu… agora escreve seus versos no mundo eterno dos poetas. Fica a saudade de sua requintada poesia que aparecia de repente na time line do meu perfil do Facebook! Vai em paz poeta!😓
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