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CINCO POETAS, CINCO POEMAS PARA OS PAIS



Seleção e organização Natanael Lima Jr.







Fotos: Divulgação/Arte: Natanael Lima Jr.




O site DCP reúne cinco notáveis poetas, como Manoel de Barros, Alberto da Cunha Melo, José Luiz Mélo, Frederico Spencer e Cícero Melo, para homenagearem a vivência, sabedoria e presença dos pais em nossas vidas.




A VOZ DO MEU PAI
Manoel de Barros (1916 – 2014)

Abro os olhos.
Não vejo mais meu pai.
Não ouço mais a voz de meu pai.
Estou só. Estou simples.
Não como essa poderosa voz da terra
com que me estás chamando, pai —
porque as cores se misturam
em teu filho ainda
e a nudez e o despojamento
não se fizeram em seu canto;
mas, simples por só acreditar
que com meus passos incertos
eu governo a manhã
feito os bandos de andorinha
nas frondes do ingazeiro.


O POETA EM JABOATÃO*
Alberto da Cunha Melo (1942 – 2007)

Outros canaviais, entre dois rios,
Cercaram o Poeta de treze anos,
Após sobrevoar os céus vazios
De um verão de Vivaldis e sopranos.

Era Jaboatão, em verdes cios,
A ansiar numa voz, a dos profanos,
E a dor dos beatos, com seus calafrios,
A carne intumescida sob os panos.

Toda essa voz chegou, voz de menino,
Mas a falar por todas as cidades,
Onde a Fé briga feio com o Destino;

Veste palavras: céus, saudades...
Leves para o suor de sol a pino,
E boas, para todas as idades.

*HOMENAGEM DE ALBERTO DA CUNHA MELO AO PAI, NO LIVRO "BENEDITO CUNHA MELO, POESIA SELETA".  


RETRATO DO MEU PAI
José Luiz Melo

“do meu zigoto, o seu riso maroto”

Vi na parede um quadro e na moldura
marulhar no retrato; numa foto,
uma onda que rugia; um maremoto
no mar do seu sorriso na gravura.

Arrepiou-me a foto! Ela fervura
e fervilha na face perdigotos
do suor do seu rosto. Os seus garotos,
escanchados nos ombros, na cintura.

Esta foto é a cria, (o seu zigoto
do meu zigoto). O seu riso maroto
que se esparrama dentro do solar.

Então, aquele Ser, sai da moldura,
enquanto apresso e com desenvoltura,
ocupo no retrato o seu lugar.


DIA A DIA*
Frederico Spencer

A Fernando Spencer, meu pai.

Os sábados pálidos
herdeiros da cidade corroída
quadro a quadro tatuada:
na manhã estendida. Uma diva
outra do cabaré
nuas dançam distraídas
numa câmera, prisioneiras
na luz de um sol impuro viça:
estrelas incendiadas na tarde, numa fita
adormecidas em cristais e líquidos:
a solidão do amanhã pretendido.

*Abril Sitiado, Bagaço, 2011.


GÊNESIS*
Cícero Melo

-Baixa a porra desse som!
O pai delira como uma tarântula bêbada:
no começo tudo!
Bem, multiple shot, bang!
O pai reproduz o pai.
Então, todos estão aqui
Espreitando meu salão de danças.
- A escuridão!
O chocolate!
Merda! Tudo recomeça!

*O Leitor de Ossos, inédito. 









CINCO POETAS, CINCO POEMAS PARA OS PAIS CINCO POETAS, CINCO POEMAS PARA OS PAIS Reviewed by Natanael Lima Jr on 00:03 Rating: 5

2 comentários

  1. Cinco poetas "naipe de ouro", como bem diz a minha amiga-poeta Vernaide Wanderley: José Manoel de Barros; Alberto da Cunha Melo; José Luiz Mélo; Frederico Spencer e Cícero Melo. Cada um apresenta seu intrincado e idiossincrático trançado de palavras e imagens, ELOS, em torno da figura do PAI. Belíssimos poemas. Eles nos (com)movem nos espaços de um tempo mítico, tempo da memória, das lembranças. Pais e filhos atados em (po)ético laço. Sinto-me mexida, virada, torcida, tirada do lugar onde estava antes da leitura. Isso é boa poesia. Isso é grande poesia. Isso é literatura. Mas, mais que tudo, isso é VIDA!

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    Respostas
    1. Cara amiga Virgínia, obg por visitar o site e deixar o seu comentário. Poucos fazem isso. Abç

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