O ANDARILHO ONÍRICO - A POESIA DE JULIO RODRIGUES CORREIA
Por Diego
Mendes Sousa*
Poeta
Julio Rodrigues Correia/Foto:
Reprodução
O lirismo andarilho e memorialístico
de Julio Rodrigues Correia empreende
um deslocamento aos vitrais anímicos de Judite, a sua amada, com visível onirismo,
palmilhado no sono do tempo e do amor. Diz o poeta: “Ando por essas sendas outonais / com a mente hidratada de sonhos”.
Viagem
aos olhos de Jude
(Luazul Edições, 2020) é a peregrinação de um coração aficionado em busca do
reconhecimento dos afetos penetráveis, simbólicos e bíblicos. Nessa jornada de
mistérios devotos, Julio Rodrigues Correia derrama o vinho das palavras na
voragem iludida da vida e exalta: “meu
universo, Jude, é o céu do teu olhar. / Sinto tudo isso / quando viajo em ti.”.
O canto imaginário é um voo amásio. O
poeta conversa com os pássaros que migram do seu próprio despertar de cinzas ao
destino noturno dos seus recônditos desejos: “Deixe que me entendo / com os pássaros. // Com / eles / terei / um
ajuste/ de // canto”.
A poesia de Julio Rodrigues Correia é
um caleidoscópio consciente das múltiplas vozes que permeiam a poética
ocidental. Aqui e ali, fui detectando as suas influências e intenções. Marcam
nítida presença em seus naufrágios de cânticos salomônicos, os videntes: Camões, Fernando Pessoa, Manuel
Bandeira, Carlos Drummond de Andrade,
João Cabral de Melo Neto, Vinicius de Moraes, Thiago de Mello e Paulo Leminski, que adormecem reluzentes nos versos peregrinos e
doídos de Julio Rodrigues Correia, propositalmente, que mágico arrebata: “As cálidas e divinas mãos de minha mãe /
afogando o ar dos meus cabelos / todas as vezes que a insônia me visitava onde
estão?”.
Além disso, é
impossível dissociar o paralelismo amoroso e histórico entre Castro Alves e a sua Eugénia Câmara, entre
Pablo Neruda e a sua Matilde
Urrutia, entre Carlos Nejar e a sua
Elza Mansidão, entre Diego Mendes Sousa
e a sua Altair.
Há passagens estéticas de muita
harmonia indagativa, que alimentam e espantam a minha alma de apreciador da boa
e arranhada poesia: “Então pergunto ao
tempo: o que fizeste / com esses tempos de mim? / Mas o tempo não fala o tempo
só nos envelhece.”.
Julio Rodrigues Correia ainda me
surpreende pela proposta metafísica que enfeixa, com propriedade e beleza, as
suas (re)descobertas íntimas sobrepostas ao insondável e à miséria humana: “Coleciono depressões / que despertam meu
sono / em noites sem véspera / só espero (convicto) / o instante para o salto /
no vórtice das incertezas.”.
Às vezes elegíaca, a universalidade do
poeta amazônida, Julio Rodrigues Correia, penetra a sensibilidade a urdir as
imagens do seu abismo desperto. O rito começa com a chuva do fim da tarde,
perpassa as memórias da infância (“e a
menina de minha infância / hoje é minha mulher.”) e a angústia da existência
(“Passei anos andando / pelas arestas
estafantes da vida”), atravessa o crepúsculo da floresta (“corríamos pelos campos / colhendo flores
silvestres”), que traz as sombras do seu interior inconsequente (“Um dia tive de deixar minha / cidade e fui
me despedir”), bem como os alardes da noite secreta (“e vi uma nesga de lágrima / descer do seu rosto de boneca”),
sendo dominado pelo silêncio das cousas não reveladas e viscerais: “Ah, essa chuva caindo e molhando / o ventre
da tarde, espalha angústia / pelos labirintos da cidade.”
Julio Rodrigues Correia nasceu em
Eirunepé, em 1943, nas entranhas do Estado do Amazonas e às margens do Juruá, o
mesmo rio em que hoje navego com saudades do Parnaíba. É jornalista,
funcionário público estadual aposentado e sociólogo pela Universidade Federal
do Amazonas. É autor dos livros de poemas No silêncio das horas (1981), A
hora noturna (1990), Crônicas sem tempo (1997) e Simetria
do silêncio (2013). Também estreou na dramaturgia com A
ceia dos imorais (2007). Reside em Fortaleza, capital do Ceará, com a
sua Musa e mulher, Judite.
Ó
Jude, os teus olhos
germinam
lírios e crisântemos
e
o ar de tua boca
se
confunde com anélito de jasmim,
e
os teus cálidos braços
constroem
abraços de ternura, (...)
O livro Viagem aos olhos de Jude conta com o prefácio do escritor Renato
Pessoa, orelhas de Antonio Miranda e edição de Silas Falcão.
Em seu prefácio, Renato Pessoa
acertadamente pontua: “É nas imagens que
Julio Rodrigues Correia mostra sua vivacidade e a extensão de sua imaginação poética.
Todos os poemas deste livro exortam-nos à sagacidade de uma poesia imagética,
em que a cada linha somos levados a uma pintura verbal construída pelas mãos
artesãs que só podem ser mesmo pertencimento de um poeta.”.
*Diego
Mendes Sousa
é poeta piauiense. Divide os seus ombros com o ritmo passadista e geográfico de
Julio Rodrigues Correia.
POEMAS DE JULIO RODRIGUES CORREIA
ESCOLHIDOS POR DIEGO MENDES SOUSA
INVENÇÃO PARA
UMA VIAGEM DE SONHOS
Num
campo de margaridas
onde
manhãs estivais
pastam
silentes
evoquei
o silêncio do sonho
e
os alicerces da memória
ultrapassei
os umbrais do tempo
e
me vi plantando esperanças
à
beira do rio da minha infância.
Caminhei
pelas alamedas da vida
cataloguei
palpitações e desencantos
e
me coloquei no caos das ruas
das
cidades masculinas
(cruéis
e desumanas)
entupidas
de homens sem rosto.
E
nesse vadiar de sonhos
dividi
os gomos das minhas angústias
com
as madrugadas insones,
vi
a rosa do povo romper asfalto
e
nascer impávida e bela
humanizando
a rua
vi
pessoas apressadas
(carregando
cruzes)
fugindo
para Pasárgada,
ouvi
um velho poeta dizer
que
o amor é eterno
enquanto
dura.
E
meus passos alcançaram
o
caule da aurora
e
vi a estrela da manhã
apagar
seu lume
quando
o sol rompeu
a
vidraça do quarto
e
me despertou da aventura
onírica.
JARDIM
Ontem,
quando
passava pelos jardins de miosótis,
um
pássaro pousou em meu ombro.
Naquele
instante, juro que pensei:
será
que ele quer me ensinar a voar?
PECADOS
Estendi
minha alma no varal
à
espera da chuva
para
lavar meus pecados
mas
ela não veio
apenas
o sol apareceu
tentando
quarar
pecados
não lavados.
AUTÓPSIA DE UM
POETA
em
suas vísceras
só
havia
poemas.
RETORNO
Hoje
o passado voltou
com
a chuva.
Vestígios
de tempo e memória
marcaram
o portal da casa.
Hoje
o passado voltou
com
a chuva
bateu
na porta
e
foi estranho
de
repente vi a infância
chegar
e tomar canto
lá
fora uma brisa antiga
comungou
do meu pranto.
LIÇÃO
Aprendo
com o brilho
intenso
dos teus olhos
a
arte de fabricar luzes.
A FLOR E A
CHUVA
Por
que me molhas com tanta violência, se preciso apenas
de
uma gota tua para matar a sede de minhas raízes?
Disse
a flor.
-
Molho-te com tanta força porque tenho inveja do teu
fado
de enfeitar e perfumar o mundo, respondeu a chuva
em
seu discurso de inverno.
E
então se calaram, enquanto a manhã se entrelaçava com
a
tarde.
SEMINAL
Na
lavoura
do
teu corpo
a
semente
do
meu amor.
ESPELHO
Olho no espelho
e vejo
uma procissão
de rugas
celebrando
meu
rosto
PÁSSARO DE
CINZAS
O
pássaro pousado no vértice da tarde
saiu
dos escombros do tempo
e
voejou pelos ares do mundo,
trouxe
no bico de cristal dois ramos de oliveira,
em
suas asas esculpidas em névoa e fantasia
carrega
vestígios de ocasos
e
em sua pelagem de gerânios
exibe
os embriões da noite.
Antes
do pouso onírico, o pássaro
olhou
o mar e viu miríades de cardumes
surfando
nas cristas verdes das ondas
na
beira-mar assistiu ao namoro
incestuoso
da maré com a praia.
E
quando a noite chegou definitiva
com
suas rajadas de sombras
e
seus labirintos de enganos,
um
vento cigano e inconsequente,
egresso
do oceano,
soprou
forte, medonho
e
o pássaro se fez cinzas na noite
diáfano
do sonho.
A CARTA E O
VENTO
Um
vento birrento
inconsequente
arrancou
de minas mãos
a
carta de amor
que
me enviaste
(parece
que o vento como o
poeta
Pessoa acha cartas de amor
ridículas)
e
a levou em seu torvelinho aéreo,
mas
não tenhas receio, amiga,
o
seu conteúdo ninguém vai saber
porque o vento não sabe ler.
porque o vento não sabe ler.
Julio
Rodrigues Correia e Diego Mendes Sousa, em 2019,
na “Fortaleza bela”, como acentua o poeta
amazônida
O ANDARILHO ONÍRICO - A POESIA DE JULIO RODRIGUES CORREIA
Reviewed by Natanael Lima Jr
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23:22
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Lindo!! Julio é um ser humano único, que tem o poder de ser certeiro com as mais graciosas palavras e traduzir em poemas as maiores paixões e delírios viventes que alguém pode ter na vida! Sou apaixonada, tanto pelo poeta quanto pelo pai, marido e avô que é. E que por encanto da vida é o meu avô! Um beijo
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