CINCO POEMAS DE CYL GALLINDO
Curadoria de Natanael Lima Jr.*
Cyl Gallindo resgata a antiga lição de Rubém Dario: “Não há escola; há poeta. O verdadeiro artista compreende todas as maneiras e descobre a beleza em todas as suas formas”.
(Waldemar Lopes)
Poeta Cyl Gallindo (1935-2013)
Foto: Alexandre Severo/Acervo JC Imagem
CINCO POEMAS DE CYL GALLINDO
CINCO CHAGAS
Cinco chagas prostram-te no chão
e teu espírito leve evaporou
porque da Paz o homem duvidou.
Que estrutura arcaica te gerou
que permitiu assim teu passado
nessa Jerusalém feita de cimento?
É que rasgou, a voz da tua guitarra,
a farsa do poder que faz a guerra
sem plantar um só corpo sob a terra.
Calaram-te John (Emanuel) Lennon
mas teu silêncio, neste momento,
faz o mundo repleto de argumento.
A CONSERVAÇÃO DO GRITO-GESTO
Poema VII
Serei o último poeta a me sentar à mesa
o verso só vem a mim depois de
cristalizado.
Meus versos são gente pobre
e convivem com a fome
nos brinquedos da infância.
São os meus versos surrados
em plenas ruas do mundo
e confidenciam o seu corpo
à intimidade do relento.
Mas que os abutres não se iludam,
pois não joguei sobre a mesa
todos os naipes do Grito-Gesto:
o segredo é necessário para o jogo e
para a luta.
Dei apenas o meu canto feito de estrela
e de
sangue:
no amor nunca tem noites
nem esquinas de escuridão!
Em cada carta há duas faces
que os homens tentam beijar
mas enquanto o trunfo estiver retido
a canção será menor...
Vamos traçar novamente a esperança e a
vontade!
A SOBREVIVÊNCIA - MANGUE
— Recife —
Poema I
E a
ponte esvai-se pelo rio
trêmula
navegante nula;
nas suas
cáries residimos
logicamente
crustáceos.
Bípedes
arquitetando sombras,
planos
rostos refletidos: nunca,
no
aquático espelho dos sobrados
sustém o
eco dos sentidos desusados
que
mordem das impegadas mãos o tato.
Incerta
lama convivida:
alma
lama renascida ao sol.
Anfíbio
(caranguejos, siris, meninos)
o peito
ereto, as mãos para cima,
trazem
as bandeiras de medalhas-lama.
Do céu
ganhou a armação
em
ossos; um nato esquife.
E o
recheio, que lhe desse o rio.
Lá na
Ponte Giratória, por mais que gire:
ossos
que vivem a sobreviver de ossos!
CIA RETIDA
Limitaram
teu corpo com cal e pedra,
quando
ainda do teu seio brotava infância,
mas não
te destruíram. E no espaço, além,
pelo fio
das horas tu tecias
tua
imagem, mais que verde, de esperança.
Esta
imagem de mansinho se espalhou,
com
força e mais bela, no meu sangue,
e nas
tardes de outono, com teu nome,
distraía
a primavera quase exangue.
Não se
rendam jamais à pedra e à cal,
que
argamassa se faz, cumprindo horrores.
Cantemos
o outono e a primavera,
que são
feitos de cantos e de amores.
Vês! que
num peito, às vezes, comprimido,
entre algozes e angústias, brotam flores.
ROCHEDO
HUMANO
Poema
III
Pois não é bom que o homem só esteja:
o homem e a mulher tecem harmonia
onde quer que o amor buscado seja.
Se a partir da aurora nasce o dia,
é forçoso, portanto, estar atento
à luz que dos olhos teus se irradia.
Para cravar em mim vital momento
da parte que da vida é minha vida
e no tear das ilusões é meu alento,
eu não devo olvidar que em toda a lida
lapidei o meu corpo em tua busca
e filtrei a solidão que me castiga.
Mas a alegria de ter-te é
mais antiga!
Cyl Gallindo foi poeta, cronista, contista, jornalista e sociólogo. Nasceu
na cidade sertaneja de Buíque (PE), em 28 de maio de 1935. Foi galardoado no
Concurso Nacional de Poesias, Friburgo, Rio de Janeiro, com A
sobrevivência do mangue, e no Prêmio Nacional de Ficção, Recife, com Um
morto coberto de razão. Lançou, entre outras obras, As
galinhas do coronel (1974), Um morto coberto de razão (1985), Contos
de Pernambuco (1988), Livro para minha idade - O menino e o peixe
(1989), Quanto pesa a alma de um homem / Quanto pesa a alma de uma mulher
(1994), 20 poemas escolhidos por Waldemar Lopes (1999), Milagre
no jardim da casa grande (2003) e foi um dos organizadores da Coleção
Panorâmica do Conto em Pernambuco/2010.
Trabalhou
na Assessoria de Comunicação do Senado Federal. Foi repórter e colunista em
jornais de Brasília, Mato Grosso e Pernambuco (trabalhou no Jornal do
Commercio, Diario de Pernambuco e Jornal da Cidade), além de produtor na TV
Universitária da UFPE. Em outubro de 2009, foi eleito para a Academia
Pernambucana de Letras. Integrou também a Academia de Letras do Brasil,
Brasília – DF, Academia de Letras e Artes do Nordeste, Associação Nacional dos
Escritores (ANE), Instituto Geográfico do Distrito Federal, filiado à União
Brasileira dos Escritores/PE e membro fundador do Conselho Municipal de Cultura
do Recife.
Publicou dezenas de livros de prosa e
poesia, sempre muito bem recebidos pelo público leitor e pela crítica.
Prefaciou e apresentou vários livros, entre eles destaca-se “Canudos e Outros
Temas”, de Euclides da Cunha. Suas obras foram traduzidas para diversos países,
como: Espanha, Alemanha, França, Estados Unidos, Argentina, entre outros.
Cyl faleceu em 04 de fevereiro de
2013, aos 77 anos.
Natanael Lima Jr.* é poeta, editor do site Domingo com
Poesia e da Imagética Edições
CINCO POEMAS DE CYL GALLINDO
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