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ITINERÁRIO POÉTICO DE ASCENSO FERREIRA



Por Natanael Lima Jr.





Ascenso Ferreira (1895-1965)
Foto: Reprodução




O pernambucano Ascenso Ferreira, nasceu em 09 de maio de 1895, em Palmares, Região da Mata Sul do Estado de Pernambuco. Foi um importante poeta e folclorista, conhecido por integrar o movimento modernista brasileiro de 1922.

Sobre Ascenso Ferreira, Manuel Bandeira escreveu: “Ele tem uma estatura gigantesca, que, a princípio, assusta. No entanto, basta ele abrir a boca, para dissipar todos os terrores: é um sentimentalão, e sentimentalmente compreendeu e cantou o drama doloroso do matuto a quem ama [...] Os seus poemas são verdadeiras rapsódias nordestinas, onde se espelhou fielmente a alma ora brincalhona, ora pungentemente nostálgica das populações dos engenhos”.

Para o também poeta palmarense Juareiz Correya, estudioso profundo da sua obra, diz que Ascenso, “foi um artista do seu tempo, de contribuição significativa no Século 20 em que viveu, chega a este Século que habitamos como um vivente contemporâneo, um manifesto vivo”.

Seu livro de estreia Catimbó (1927), causou uma grande repercussão no meio literário nacional, para Mário de Andrade “um dos livros mais originais do Modernismo brasileiro”. Depois publicou Cana Caiana (1939) e Xenhenhém (1951).

Em 5 de maio de 1965, poucos dias antes de completar 70 anos de idade, Ascenso falecia no Recife.

Para marcar os 125 anos do nascimento de Ascenso, o DCP reúne aqui uma pequena mostra do seu vasto e rico itinerário poético profundamente enraizado no solo  nordestino. 




O poeta Ascenso Ferreira também foi 
um importante folclorista
Foto: Reprodução




CINCO POEMAS DE ASCENSO FERREIRA




TREM DE ALAGOAS

O sino bate,
o condutor apita o apito,
Solta o trem de ferro um grito,
põe-se logo a caminhar…

          — Vou danado pra Catende,
          vou danado pra Catende,
          vou danado pra Catende
          com vontade de chegar...

Mergulham mocambos,
nos mangues molhados,
moleques, mulatos,
vêm vê-lo passar.

          — Adeus!
          — Adeus!

Mangueiras, coqueiros,
cajueiros em flor,
cajueiros com frutos
já bons de chupar...

          — Adeus morena do cabelo cacheado!

Mangabas maduras,
mamões amarelos,
mamões amarelos,
que amostram molengos
as mamas macias
pra a gente mamar

          — Vou danado pra Catende,
          vou danado pra Catende,
          vou danado pra Catende
          com vontade de chegar...

Na boca da mata
há furnas incríveis
que em coisas terríveis
nos fazem pensar:

          — Ali dorme o Pai-da-Mata!
          — Ali é a casa das caiporas!

          — Vou danado pra Catende,
          vou danado pra Catende
          vou danado pra Catende
          com vontade de chegar...

Meu Deus! Já deixamos
a praia tão longe…
No entanto avistamos
bem perto outro mar...

Danou-se! Se move,
se arqueia, faz onda...
Que nada! É um partido
já bom de cortar...

          — Vou danado pra Catende,
          vou danado pra Catende
          vou danado pra Catende
          com vontade de chegar...

Cana caiana,
cana roxa,
cana fita,
cada qual a mais bonita,
todas boas de chupar...

    — Adeus morena do cabelo cacheado!

          — Ali dorme o Pai-da-Mata!
          — Ali é a casa das caiporas!

          — Vou danado pra Catende,
          vou danado pra Catende
          vou danado pra Catende
          com vontade de chegar...



MARACATU

Zabumba de bombos,
Estouro de bombas,
Batuques de ingonos,
Cantigas de banzo,
Rangir de ganzás...

          — Luanda, Luanda, onde estás?
          Luanda, Luanda, onde estás?

As luas crescentes
De espelhos luzentes,
Colares e pentes,
Queixares e dentes
De maracajás...

          — Luanda, Luanda, onde estás?
          Luanda, Luanda, onde estás?

A balsa do rio
Cai no corrupio
Faz passo macio,
Mas toma desvio
Que nunca sonhou...

          — Luanda, Luanda, onde estou?
          Luanda, Luanda, onde estou?



FILOSOFIA

                   A José Pereira de Araújo  – "Doutorzinho de Escada"

Hora de comer — comer!
Hora de dormir — dormir!
Hora de vadiar — vadiar!

Hora de trabalhar?
— Pernas pro ar que ninguém é de ferro!



MINHA ESCOLA

A escola que eu frequentava era cheia de grades como as prisões.
E o meu Mestre, carrancudo como um dicionário;
Complicado como as Matemáticas;
Inacessível como Os Lusíadas de Camões!
À sua porta eu estacava sempre hesitante...
De um lado a vida... – A minha adorável vida de criança:
Pinhões... Papagaios... Carreiras ao sol...
Vôos de trapézio à sombra da mangueira!
Saltos da ingazeira pra dentro do rio...
Jogos de castanhas...
- O meu engenho de barro de fazer mel!
Do outro lado, aquela tortura:
"As armas e os barões assinalados!"
- Quantas orações?
- Qual é o maior rio da China?
- A 2 + 2 A B = quanto?
- Que é curvilíneo, convexo?
- Menino, venha dar sua lição de retórica!
- "Eu começo, atenienses, invocando
                                         a proteção dos deuses do Olimpo
                                         para os destinos da Grécia!"
- Muito bem! Isto é do grande Demóstenes!
- Agora, a de francês:
- "Quand le christianisme avait apparu sur la terre..."
- Basta.
- Hoje temos sabatina...
- O argumento é a bolo!
- Qual é a distância da Terra ao Sol?
- ? !!
- Não sabe? Passe a mão à palmatória!
- Bem, amanhã quero isso de cor...
Felizmente, à boca da noite,
Eu tinha uma velha que me contava histórias...
Lindas histórias do reino da Mãe-d’Água...
E me ensinava a tomar a benção à lua nova.


OROPA, FRANÇA E BAHIA

(Romance)

Para os 3 Manuéis:
Manuel Bandeira
Manuel de Souza Barros
Manuel Gomes Maranhão

Num sobradão arruinado,
Tristonho, mal-assombrado,
Que dava fundos prá terra.
(“para ver marujos,
Ttituliluliu!
ao desembarcar”).

…Morava Manuel Furtado,
português apatacado,
com Maria de Alencar!

Maria, era uma cafuza,
cheia de grandes feitiços.
Ah! os seus braços roliços!
Ah! os seus peitos maciços!
Faziam Manuel babar…

A vida de Manuel,
que louco alguém o dizia,
era vigiar das janelas
toda noite e todo o dia,
as naus que ao longe passavam,
de “Oropa, França e Bahia”!

— Me dá uma nau daquelas,
lhe suplicava Maria.
— Estás idiota , Maria.
Essas naus foram vintena
Que eu herdei da minha tia!
Por todo o ouro do mundo
eu jamais a trocaria!

Dou-te tudo que quiseres:
Dou-te xale de Tonquim!
Dou-te uma saia bordada!
Dou-te leques de marfim!
Queijos da Serra Estrela,
perfumes de benjoim…

Nada.
A mulata só queria
que seu Manuel lhe desse
uma nauzinha daquelas,
inda a mais pichititinha,
prá ela ir ver essas terras
“De Oropa, França e Bahia”…

— Ó Maria, hoje nós temos
vinhos da quinta do Aguirre,
uma queijadas de Sintra,
só prá tu te distraire
desse pensamento ruim…
— Seu Manuel, isso é besteira!
Eu prefiro macaxeira
com galinha de oxinxim!

“Ó lua que alumias
esse mundo de meu Deus,
alumia a mim também
que ando fora dos meus…”
Cantava Seu Manuel
espantando os males seus.

“Eu sou mulata dengosa,
linda, faceira, mimosa,
qual outras brancas não são”…
Cantava forte Maria,
pisando fubá de milho,
lentamente no pilão…

Uma noite de luar,
que estava mesmo taful,
mais de 400 naus,
surgiram vindas do Sul…
— Ah! Seu Manuel, isso chega…
Danou-se de escada abaixo,
se atirou no mar azul.

— “Onde vais mulhé?”
— Vou me daná no carrosé!
— Tu não vais, mulhé,
— mulhé, você não vai lá…”

Maria atirou-se n´água,
Seu Manuel seguiu atrás…
— Quero a mais pichititinha!
— Raios te partam, Maria!
Essas naus são meus tesouros,
ganhou-as matando mouros
o marido da minha tia !
Vêm dos confins do mundo…
De “Oropa, França e Bahia”!

Nadavam de mar em fora…
(Manuel atrás de Maria!)
Passou-se uma hora, outra hora,
e as naus nenhum atingia…
Faz-se um silêncio nas águas,
cadê Manuel e Maria?!

De madrugada, na praia,
dois corpos o mar lambia…
Seu Manuel era um “Boi Morto”,
Maria, uma “Cotovia”!

E as naus de Manuel Furtado,
herança de sua tia?

— continuam mar em fora,
navegando noite e dia…
Caminham para “Pasárgada”,
para o reino da Poesia!
Herdou-as Manuel Bandeira,
que, ante a minha choradeira,
me deu a menor que havia!

— As eternas naus do Sonho,
de “Oropa, França e Bahia”…







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