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A PEDRA DO REINO DE ARIANO SUASSUNA - Magia e Concretude do Sertão Castanho*


Por Vernaide Wanderlei**









Ao observar o mundo do Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, do escritor paraibano/pernambucano Ariano Suassuna, sob uma perspectiva espacial, entre outras possíveis, sentimos que é tarefa difícil apontar a linha divisória entre o conteúdo da ficção do autor e a concretude sócio geográfica da região do nordeste brasileiro, com especial destaque para o sertão. Sua representatividade no contexto ficcional firma-se, principalmente, pela identificação de Suassuna com a região, seu povo, sua gente e coisas de um espaço que é também seu mundo vivido.

O discurso suassuniano é traçado a partir do solo da parte sertaneja dessa área, com as personagens empreendendo viagens num vai e vem contínuo, permitindo que o texto/sertão ganhe intensidade significativa no que diz respeito à dimensão humana. Aliado a isso, quando usa o recurso da intertextualização, saberes erudito e popular mais referências sócio históricas, para legitimar a pseudo-autobiografia do protagonista João Dinis Quaderna o autor amplia a possibilidade real de compreensão das singularidades locais e regionais do sertão nordestino brasileiro.

Mergulhar no universo da Pedra do Reino é entrar nos caminhos do imaginário do escritor e da região os quais circunscrevem, inegavelmente, uma geografia dos sonhos na qual subjaz a geografia autêntica porque lá encontramos todas as dimensões geográficas. Ou sejam: os temas, os vocabulários, o líquido, o rochoso, o luminoso e o aéreo em comunicação verticalizada com os sons e cheiros de mato, de sol e de chuva. Nesse sentido, podemos dizer que n’A Pedra do Reino está um espaço cheio de referências temporais que redimensionam histórias e lugares verdadeiros e imaginários, mas sempre reais para o deslocamento e as aventuras das personagens.



 Desenho criado por Ariano Suassuna
para o romance “Pedra do Reino”/Reprodução



Talvez, a difícil passagem do real para a ficção possa ser vista através da poesia, da leveza e da magia da escritura suassuniana. As realidades e as fantasias só podem tomar forma através da escrita, na qual a exterioridade e interioridade, mundo e ego, experiência e fantasia aparecem tecidos pela mesma matéria verbal, para usar uma aproximação com as ideias de Ítalo Calvino (Seis Propostas para o Próximo Milênio). E essa escritura, como bem lembra a personagem Quaderna, “pode ser até um pouco  bárbara, como tudo o que é o Sertão, mas que bem interpretada e corrigida por um verdadeiro Poeta, bem pode ser encaminhada para seu verdadeiro sentido (...)”.

Autor e personagem em algumas passagens se confundem, pela liberdade de criação ou recriação das características e/ou contradições da paisagem sertaneja e de seu povo, cuja Verdadeira Face é Castanha. Nuance de cor que se firma por um dos recursos utilizados pelo autor, por um artifício da visão ou da viração nos seus significados de transcendência, uma criação poética, mágica e apocalíptica. Através desse processo, Suassuna tenta conciliar “a realidade parda e afoscada dos famintos e miseráveis” com “a parte sonhadora e brasonada do Mundo”.



Ariano Suassuna (1927-2014)
Foto: Reprodução



Entendemos que o rosto castanho, composto de terra e pedra, pode ser entendido como uma das tonalidades estruturantes da face multicolorida brasileira. Também compreendido como espaço mágico e revelador das experiências sócio geográficas e íntimas na medida em que Suassuna descreve lugares, fatos e almas, permitindo que O Romance da Pedra do Reino, como diz Octávio Paz (Signos em Rotação), limite-se “com a poesia e com a história, com a imagem e a geografia, com o mito e com a psicologia”. Nele, está representado o Sertão nordestino com seus contrastes e harmonias, um Sertão que aprendeu à força, com as pedras e sob o sol sempre quente, além de que “o cruel e sujo também faz parte de vida, e terá que ser enfrentado com as armas do sangue, do riso e da luta, com a valente tenacidade do homem diante do que a Vida tem de mais desordenado – o sofrimento, a humilhação e a Morte”, como bem disse Suassuna, através de suas personagens instigadoras e também amorosas.


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*Esse texto foi construído a partir da tese de doutoramento (de minha autoria e inédita) A PEDRA DO REINO – SERTÃO VIVIDO DE ARIANO SUASSUNA, apresentado ao Curso de Pós Graduação em Geografia, Área de concentração em Organização do Espaço. UNESP-Campus de Rio Claro-SP, 1999.



**Vernaide Wanderley é poeta, escritora, pesquisadora social 






A PEDRA DO REINO DE ARIANO SUASSUNA - Magia e Concretude do Sertão Castanho* A PEDRA DO REINO DE ARIANO SUASSUNA - Magia e Concretude do Sertão Castanho* Reviewed by Natanael Lima Jr on 23:36 Rating: 5

2 comentários

  1. Belíssima explanação sobre um livro que todos deveriam ler para deliciar-se nos vários Brasis reais e mitológicos existentes dentro do nosso país.

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  2. Aplausos para este sensível olhar de Vernaide sobre os escritos do nosso Ariano. E com isso, vamos refletindo sobre os nossos sertões de afetos.

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