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JOÃO CABRAL DE MELO NETO: O POETA-ENGENHEIRO



por Natanael Lima Jr.*





João Cabral de Melo Neto, também era cognominado de poeta-engenheiro, tendo em vista sua apurada técnica e a objetividade de seu trabalho com os versos





João Cabral de Melo Neto / Foto: Reprodução / Google





João Cabral de Melo Neto, também era cognominado de poeta-engenheiro, tendo em vista sua apurada técnica e a objetividade de seu trabalho com os versos. Foi poeta e diplomata brasileiro. Nasceu no Recife, a 9 de janeiro de 1920. Viveu parte da infância em engenhos da família nos municípios de São Lourenço da Mata e Moreno. Transferiu-se com a família para o Rio de Janeiro por volta de 1940, e dois anos depois edita seu primeiro livro, Pedra do sono.


Escreve e publica clássicos irretocáveis como Pedra do sono (1942), O engenheiro (1945), O cão sem plumas (1950), Morte e vida Severina (1956), A educação pela pedra (1966), entre outros. Foi agraciado com vários prêmios literários, entre eles destaco o Prêmio Neustadt, considerado o “Nobel Americano de Literatura”, sendo o único poeta brasileiro a conquistar a referida premiação, além do “Prêmio Camões”, o mais importante da literatura a premiar um autor de língua portuguesa pelo conjunto da sua obra.

Em sua ensinança poética, Cabral acreditava que a função da poesia é “dar a ver” a realidade, mostrando-nos a ver como se víssemos pela primeira vez. Conhecido pela linguagem seca e concisa; avesso ao lirismo e marcada pelo uso de rimas toantes.

Foi o poeta mais importante da conhecida geração de 1945. Em 1968, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, e empossado em 1969. Ocupou a cadeira 37, anteriormente ocupada pelo jornalista Assis Chateaubriand. Falece em 9 de outubro de 1999, aos 79 anos, no Rio de Janeiro.

...

O poeta, crítico literário e professor Antonio Carlos Secchin anuncia em breve a reedição pela Cepe (Companhia Editora de Pernambuco) seu estudo sobre “poeta engenheiro”, com análises do primeiro ao vigésimo livro, que chega às livrarias este ano com um novo título: “João Cabral de ponta a ponta”





*Natanael Lima Jr. é capricorniano, poeta, editor do site DCP e da Imagética Edições.





Cabral em seu apartamento no Rio de Janeiro, em 1992 
Foto: Carlos Chicarino/Estadão 




QUATRO POEMAS DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO




Fábula de um arquiteto (1966)

A arquitetura como construir portas,
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e tecto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.

Até que, tantos livres o amedrontando,
renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vidro, concreto;
até fechar o homem: na capela útero,
com confortos de matriz, outra vez feto.


A educação pela pedra (1965)

Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.


Graciliano Ramos (1961)

Falo somente com o que falo:
com as mesmas vinte palavras
girando ao redor do sol
que as limpa do que não é faca:
de toda uma crosta viscosa,
resto de janta abaianada,
que fica na lâmina e cega
seu gosto da cicatriz clara.
Falo somente do que falo:
do seco e de suas paisagens,
Nordestes, debaixo de um sol
ali do mais quente vinagre:
que reduz tudo ao espinhaço,
cresta o simplesmente folhagem,
folha prolixa, folharada,
onde possa esconder-se na fraude.
Falo somente por quem falo:
por quem existe nesses climas
condicionados pelo sol,
pelo gavião e outras rapinas:
e onde estão os solos inertes
de tantas condições caatinga
em que só cabe cultivar
o que é sinônimo da míngua.
Falo somente para quem falo:
quem padece sono de morto
e precisa um despertador
acre, como o sol sobre o olho:
que é quando o sol é estridente,
a contrapelo, imperioso,
e bate nas pálpebras como
se bate numa porta a socos.


O dialeto*

No Recife havia um dialeto-
família, o Gonsalves de Melo.
Nele falava minha mãe
e escrevia seu primo Gilberto.

Ele me aflora quando falo
distraidamente ou sem ecos.
Nele nunca soube escrever:
deve escrever-me um super-ego.

Depois de anos-luz de outras falas,
de viver de línguas alheias,
p. ex,  o esperanto carioca,
que menos que fala, canteia,

caio de volta no dialeto
com oito dias no Recife:
volta na fala, que na escrita
o super-ego não desiste.

*poema inédito.





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