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AS ROSAS DO DESTINO E O ACENO DA ILUSÃO EM CAROLINA RAMOS



Por Diego Mendes Sousa*












Há poetas que fazem da vida uma canção, a dedilhar a harpa do tempo com simplicidade e transparente encantamento. A poeta santista Carolina Ramos (1924-) é uma sensibilidade que aflora da tormentosa vaga do mundo, com extrema delicadeza e visão: Meu canto era tão triste, sem adorno! / - O pássaro ferido só pipila... / Eu era, sem vontade e sem contorno, / mero pedaço de sofrida argila!

Seu livro Destino (EditorAção, 2011), com apresentação de Paulo Bomfim (1926-2019), o último príncipe dos poetas brasileiros, é um relicário da beleza, do passado e da artesania literária, com versos metrificados e rimados, em sua maioria sonetos, e aqui e ali, uma trova, por vezes decassílabos, alexandrinos e redondilhas, com poemas líricos, livres e até cívicos, como não se vê mais, infelizmente, na dicção refratária dos poetas de hoje.

Carolina Ramos opera com a tradição. Maestrina e guardiã de um estilo personalíssimo, que se consagra pela preservação dos valores poéticos perdidos. Ela vem de antes, o seu transe criativo faz referência necessária à escrita dos clássicos, como Camões, Castro Alves e Olavo Bilac.

Movido pelos temas e pela melodia da alma, pouco a pouco, a poesia de Carolina Ramos conquistou espaço na minha imaginação e no meu coração, a me tornar um prisioneiro das suas imagens e do seu peculiar olhar sobre a casa interior do homem, perante a sua finitude e a sua precária condição: Dou-te o meu nada, humilhada... / Senhor, aceita o que dou / ... que a imensidão desse nada / é tudo... tudo o que sou! ...

A fertilidade dolorida dos seus sonhos, as rosas do destino, o aceno da ilusão, a ternura, as incertezas, as ausências, o gosto do adeus, a voz do silêncio, o instante amargo, as despedidas, os desencantos da vida, o reverso e a soberania de Deus, o amor em falência, a profecia e o naufrágio me atingiram em cheio! Diz docemente Carolina: De emoções, morre o Poeta, / mas, de buscá-las não cessa... / sem elas não se completa / e morre até mais depressa!

Carolina Ramos possui uma privilegiada dose de Rainer Maria Rilke. Escrever é-lhe também vital, como as estações que não cessam de passar. A sua agonia trafega pela rubra veia da expressão e dos símbolos: Poesia é amar a própria angústia! É erguer / a taça da amargura e, sem morrer, sorvê-la, gota a gota, / (...) Poesia é estranha rosa, (...)/ - Rosa de sangue... com perfume de Alma!

A sua estreia em livro, com Sempre (1968), foi coroada com o Prêmio Ribeiro Couto da União Brasileira de Escritores, patrocinado pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Na sua maturidade, Carolina Ramos teve o privilégio de dialogar com os renomados intelectuais de primeira ordem do século XX: Cassiano Ricardo, Câmara Cascudo, Menotti Del Picchia e Guilherme de Almeida, de quem recebeu loas pelo estro exposto a toda prova, em sua peça inaugural.

Além de uma Senhora Poeta, Carolina Ramos é contista, cronista, memorialista, brilhante trovadora e biógrafa de personalidades, como Ribeiro Couto, Paulo Setúbal e Júlia Lopes de Almeida. É autora da epopeia: Espanha (1970), já em segunda edição.

Na altura dos seus noventa e seis anos de idade, recém completados no dia de São José, tenho a convicção de que Carolina Ramos construiu uma sólida carreira literária pautada na fidelidade a si mesma, com a grandeza da intuição, amparada em sangue, sina e dom: Velho rio... depois de tanto desengano, / entendo porque, enfim, protestas contra a vida / e afogas tua dor no abismo do oceano! 






*Diego Mendes Sousa é poeta piauiense. Partilha dos mesmos ideais de Carolina Ramos e sabe que a tradição é íntima da renovação.










POEMAS DE CAROLINA RAMOS
ESCOLHIDOS POR DIEGO MENDES SOUSA




NAUFRÁGIO

Neste oceano da vida, tumultuoso,
lancei, cheio de sonhos, um barquinho.
E ele flutuou e deslizou airoso,
vencendo os empecilhos do caminho!

Nos momentos difíceis, sem repouso,
depressa ia ampará-lo o meu carinho
e ansiosa eu via, com secreto gozo,
meus sonhos desafiando os torvelinhos!

E chegaste! E de pedra era tua alma!
De papel, o barquinho... e tenso e mudo,
ficaste, quando o mar perdeu a calma!

Contra o recife, o barco soçobrou!
e os sonhos, sem guarida, ao fim de tudo,
um a um, impiedoso, o mar levou!


ACENO DA ILUSÃO

Se a vida é uma ilusão, também a alvura
do amanhecer que aponta, com luz mansa,
rasgando as vestes de uma noite escura,
é uma ilusão vestida de esperança!

A aurora furta-cor no astral perdura
por tempo breve de ilusória dança,
a alternar róseos véus de seda pura,
enquanto o mago sol no céu avança!

Amo a Ilusão! O Amor! O Sonho! O Belo!
E se o mundo se empenha em que tristonho
se torne o meu viver, eu me rebelo!

Do aceno da quimera não me esquivo!
Sei que me iludo porque ainda sonho,
mas, porque sonho é que eu ainda vivo!


RUSGA

Nada dói tanto quanto a despedida
a separar, de um golpe, almas que choram
ao sentir que no adeus se esvai a vida
e tudo o mais que em vida mais adoram!

Assino a carta... e, uma vez mais, relida,
as emoções nas lágrimas se escoram,
retardando a sentença não cumprida,
com temor de arriscar a paz que imploram.

Nosso acervo de amor tem grande saldo!
E esta rusga, tão frágil, se desmente,
ante a ternura que nos dá respaldo!

Se afogo o adeus, num pranto de revolta,
é que esse adeus, dorido e reticente,
nas entrelinhas... leva o apelo: - Volta!

AMA!

Sempre é tempo de amar, eu te asseguro,
porque para um amor é sempre puro
o instante que se vive de verdade.
Pode ser que esse instante seja curto,
pode ser que da vida seja um furto,
mas sempre tem valor de eternidade!

Ama este céu azul que encanta a alma!
Ama o beijo da brisa, que traz calma...
Ama a esperança que a viver convida!
Ama a saudade que te faz sofrer,
por ela o amor se esquece de morrer,
e só o amor dá vida... à própria vida!


A GRANDE MESTRA

Não temas que o Destino te atraiçoe
pondo pedras demais em teu caminho.
Usa as pedras que, acaso, ele te doe
e, ao construir, não estarás sozinho!

Se Deus te deu a luz da inteligência
e o poder de ir e vir em liberdade,
tens o solo, a semente... com paciência,
um dia hás de colher felicidade!

Não penses, por temor e covardia,
que só o Destino teu porvir decida...
- Destino tu constróis, a cada dia,
e a Mestra dessa obra é a própria Vida!


DESTINO

Vai, Peregrino... e colhe na corola
que à beira do caminho se oferece,
o mistério da Vida, a suave esmola
do aroma que se expande e na alma cresce.
Vai, Peregrino... o mundo tem surpresas!
Surpresas tantas para quem procura
abrir a alma aos sonhos e às belezas,
de coração amante e de alma pura!
Vai, Peregrino... e o teu olhar embebe
nas lágrimas de luz que o sol derrama!
Deslumbra-te! E em teu íntimo recebe
a semente do Amor, do Amor que inflama!
Esquece a dor que mora na tua alma!
Se o mundo fere com afiado gume,
- dá-lhe em troca o desdém da tua calma!
- dá-lhe os teus versos cheios de perfume!
“Louco!” – o mundo te chama e te castiga!
E o que te dá?! – A fome e o horror da guerra!
Louco é o mundo! Que insano o mundo siga!
Dá-lhe o perdão e a paz que um verso encerra!

Vai em busca da tua namorada,
a vestal do infinito, a meiga Lua
mesmo após a conquista, imaculada,
que sempre foi e sempre será tua!
Vai tocar as estrelas que no espaço
trocam mensagens, meio à noite escura!
Prende o Universo inteiro em teu abraço,
com ele esbanja oceanos de ternura!
Deixa que o ouro do sonho te enriqueça:
- Velho, terás um coração menino!
Vai... que o beijo das Musas tua alma aqueça...
- Poeta, vai... e cumpre o teu Destino!


PESCADOR DE SONHOS

Ante o fluxo e o refluxo desta vida,
jogo a rede buscando uma esperança.
A vida é mar revolto que intimida,
mas, recompensa a quem jamais se cansa.

Pude provar, em minha intensa lida,
que nem sempre é melhor a maré mansa.
E que a onda bravia, impressentida,
pode levar à areia, que descansa.

O poeta é um pescador sempre à procura
de pérolas, no mar da vida, esparsas...
Se a rede não vem cheia e a noite é escura,

o poeta-pescador, mesmo tristonho,
abre as asas liberto com as garças
e alegra-se ao pescar um simples sonho!








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3 comentários

  1. Agradeço, caro Diego, uma vez mais. Sempre é bom ver que os nossos sentimentos expressos em versos encontram eco em almas sensíveis como a sua.
    Abraço amigo. Carolina Ramos

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    Respostas
    1. Prezada Carolina, foi um prazer em conhecer a sua clarividente poesia, trazida pelas mãos do nosso poeta e colunista, Diego Mendes Sousa. Natanael - Editor.

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    2. Carolina Ramos, minha grandíssima poeta, somente gratidão por sua bela poesia!
      Um beijo!
      Diego Mendes Sousa

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