CAMUS E A PANDEMIA
por
José Rodrigues de Paiva*
Capa: Reprodução /
A peste, de Albert Camus
Albert Camus,
que é o filósofo do absurdo, é também o da solidariedade. O absurdo, pensado em
"O mito de Sísifo" e ficcionalmente vivenciado em "O
estrangeiro", também está presente em "A peste", metáfora da
desgraça que se abate sobre uma cidade feliz e que vem infelicitar os seus
habitantes. Dividi-los em ações e opiniões contraditórias, desnudar, no íntimo
de cada um, o que lá existe de virtudes e defeitos, de bondade e de maldade, de
egoísmo e de solidariedade. É esta que haverá de vencer o flagelo da peste.
Orã
era a cidade que fora feliz até à eclosão da epidemia trazida pelos ratos e
que, indiscriminadamente, mata ricos e pobres, maus e bons, culpados e
inocentes. Como fosse impossível controlar a disseminação da doença, a cidade
acabaria por ser fechada, sem que nela se pudesse entrar ou dela se pudesse
sair.
O
médico que comanda as ações sanitárias, o Dr. Rieux, teve chance de a deixar
antes de se decretar o seu fechamento. Mas preferiu ficar e continuar a luta,
porque "poderia haver vergonha em ser feliz sozinho". Ficou para
combater o mal, ajudando a curar uns poucos e assistindo à morte de muitos. É
ele o homem solidário (e também solitário) que combate o absurdo.
A
peste acabaria por ceder numa aparente vitória do homem, mas, enquanto a cidade
festeja, Rieux reflete sobre a transitoriedade dessa alegria: o médico sabe que
"o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca [...] e que viria talvez
o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria os seus
ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz."
***
O paralelo entre
"A peste", de Camus, e a pandemia que está assolando o planeta com a
disseminação do novo coronavírus, é inevitável: com outro nome, de forma ainda
mais insidiosa e invisível aos olhos, é a peste que está dizimando a
humanidade.
Estamos
assistindo ao inexorável avanço do absurdo. O mundo inteiro está fechado e
parado, tal como a argelina cidade de Orã, cenário do romance de Camus. Graças
aos meios de comunicação, estamos assistindo ao desenrolar de boas e de más
ações que partem de homens com qualidades e sem elas. O mundo precisa da
solidariedade de um Dr. Rieux. Mais: precisa de um grande contingente de homens
como ele. Só assim se poderá vencer o mal que se abateu sobre as cidades
felizes.
*José Rodrigues de Paiva é
escritor, ensaísta, poeta. Nasceu em Coimbra, Portugal, em 1945. Aos cinco anos
veio com a família para o Recife, onde vive até hoje. Bacharel em Direito, pela
Universidade Católica, fez mestrado e doutorado em Literatura Portuguesa e,
nessa disciplina, foi professor da UFPE. Fundou a revista Encontro do GPL. É
presidente do Instituto Jordão Emerenciano, onde coordena a revista Estudos
Portugueses.
CAMUS E A PANDEMIA
Reviewed by Natanael Lima Jr
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A comparação entre o que vivemos atualmente e a 'peste negra' é muito oportuna. A visão interligada da obra de A. Cammus fica muito clara com as considerações feitas pelo autor José Rodrigues de Paiva.
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