O MISTÉRIO DO CANCIONEIRO EM PEPINO DE ALUMÍNIO (TOPBOOKS, 2018) DE KANG BYOUNG YOONG
Por Diego
Mendes Sousa*
I
Feliz é o país que investe em seus
escritores, pois nada sobrevive sem o pensamento. A literatura moderna da
Coreia do Sul vem marcando presença em território brasileiro, graças ao empenho
dos homens que fazem cultura na Ásia Oriental, como preceituado pelo Literature
Translation Institute of Korea (LTI Korea) com difusão mundial.
A força intelectual e humana dessa
região geográfica é milenar, sendo a civilização do conhecimento e da sabedoria
ancestral.
Por outro lado, insto destacar a
efetiva contribuição do Brasil em expandir o lastro literário sul coreano,
através da Associação Nacional de Escritores (ANE), com sede na Capital Federal
e presidida pelo notável intelectual Fabio de Sousa Coutinho; da editora
TOPBOOKS, dirigida por José Mario Pereira e que investe no segmento; e de uma
competente tradutora, que atende pelo nome de Woo Young-Sun, mulher do
diplomata e extraordinário poeta Felipe Fortuna.
Nesse bojo conceitual, tive o
privilégio de conhecer pessoalmente o extrovertido e sagacíssimo escritor Kang
Byoung Yoong e travei contato com o livro “Pepino de alumínio”, cuja metáfora
aguçou os meus sentidos e antevi uma obra repleta de linguagem e de significados.
Ouvi, por quarenta minutos, Kang
Byoung Yoong, em entrevista a jornalista Ana Maria Lopes, relatar as suas
peripécias como artista da palavra, sempre bem-humorado. Percebi a fluência e a
destreza irônica do autor, o que me causou empatia e maior interesse em
aprofundar o olhar sobre o seu texto.
II
Antes da leitura do romance “Pepino de
alumínio”, li uma crônica de enredo vasto e humano de Kang Byoung Yoong
intitulada “Assim como o milagre da Chapecoense (Associação Chapecoense de
Futebol)”, com tradução de Yong Joo Yeo, onde fui impactado com uma declaração
fina de Yoong: “se alguém me perguntar sobre a ‘minha literatura’, responderei
ainda que desejo que ela seja como o futebol da Chapecoense. Quem me perguntou
irá me fitar por longo tempo, sem entender o que eu disse, mas não importa.”.
Essa declaração encontra substrato na
vocação. Kang Byoung Yoong é jovem, nasceu em Seul, em 1975, porém bastante
experimentado na escrita e com mestrado e doutorado em Criação Literária, além
de amplo conhecimento em Literatura Russa. Yoong não é aprendiz, antes versado
criador de romances e de ensaios. “Pepino de alumínio” somente confirma o seu
brilhantismo enquanto escritor e pesquisador.
(Escritor Kang
Byoung Yoong)
III
O enredo de “Pepino de alumínio”
poderia ser apenas uma comovente biografia, não-ficcional, do astro Viktor Tsoi
(1962-1991), com a sua bela poesia gotejando no imaginário: “Eu planto um
pepino de alumínio / No solo impermeável da pastagem.”. No entanto, o romance
“Pepino de alumínio” incorpora um ingrediente a mais: a epifania.
Essa aparição é visível na construção
da personagem Choi Vitório, que vem à luz na ficção de Yoong, como alterego do
famoso roqueiro Viktor Tsoi, aquele com vida própria, mas com elo e sina
travados neste, que fez enorme sucesso na Rússia, como líder da banda Kino.
Kang Byoung Yoong traça um paralelo
entre a realidade e a imaginação. A personagem Choi Vitório nasceu em 15 de
agosto de 1990, no mesmo dia da morte de Viktor Tsoi, que foi vítima de um
acidente automobilístico.
“Viktor decolou do seu próprio corpo.
Saiu do corpo como se tivesse terminado uma metamorfose desnecessária. E subiu
para voar. Voou naturalmente como se tivesse asas. Tal como os pássaros. E foi
voando para algum lugar. Ele precisou voar para algum lugar.” (p.31).
“A bolsa estourou e a expressão da
minha mulher foi terrivelmente ruim, além da imaginação. Tanto o rosto quanto o
corpo dela pareciam explodir.” (p.31)
Essa passagem é endossada
acertadamente pela opinião do produtor de telenovelas da Korea Broadcasting
System (KBS), Kwon Gue-Hong, que assim resumiu o livro de Yoong: “Choi Vitório
nasce no dia em que Viktor Tsoi morre. As vidas dessas duas pessoas que lutaram
pela liberdade se entrelaçam, compondo um enredo muito interessante.”.
IV
A obra é dividida em lado A, lado B e
em Faixas Ocultas (que intercalam o desenvolvimento da trama). O lado A, possui
12 (doze) capítulos, antecedidos por uma introdução que Kang Byoung Yoong chama
de Intro. Aqui encontro o motivo de todo o livro, onde me deparo com uma joia
interrogativa de valor imensurável: “Será que realmente um pepino de alumínio
não dá frutos? Realmente não seria possível, ainda que se faça muito esforço?
Realmente todo o esforço seria inútil? Fiquei curioso. Por isso, decidi plantar
um pepino de alumínio. Foi só por isso.” (p. 13).
E esses efeitos poéticos se
multiplicam pelo romance, quando, por exemplo, para finalizar o lado B da
estória, Kang Byoung Yoong arremata o seu leitor com grandeza e emoção ao
transcrever uma mensagem tão fecunda como a exposta no trecho Outro: “Na vida,
não há nada inútil. Pelo menos ficarei sabendo que os esforços feitos por nós
estavam errados. Na maioria dos casos, desde o começo já sabemos a resposta.
Não seria diferente em relação ao pepino de alumínio. Ainda assim, eu plantei
um pepino de alumínio. Talvez tenha sido por isso que eu plantei um pepino de
alumínio. É. Foi por isso.” (p.193).
V
A ideia da reconquista ou do recomeço
é outro motivo forte na obra de Kang Byoung Yoong. A abordagem sobre a
liberdade e a felicidade se alonga na narrativa. Percebi que o público leitor
de Yoong está no universo dos adolescentes e por razões diversas. A mais
intrigante é o abraço sobre o universo dos nerds e nesse jogo de linguagem
provocativa, Kang Byoung Yoong toca sutilmente em feridas sociais modernas como
o “bullying”.
A personagem Choi Vitório representa a
psicologia da juventude. É o jovem que se isola e tenta encontrar o seu mundo
em um espaço desumano. A música é a salvação e a transcendência na passagem das
cenas, daí o enlace e a ressureição anímica entre a presença fictícia do poeta
Viktor Tsoi - uma lenda - e as excentricidades interpretadas por Choi Vitório,
espírito de uma época.
“Era uma época em que eu carregava a
minha vida longe do significado do meu nome.” (p.46).
O isolamente aos afetos toma frente ao
romance, mas enxergo ascese quando Choi Vitório cria vínculo com Jeon (amigo
por identificação, por semelhanças e elaborador do signo das cegonhas de
papel), Salvadora (espécie de conforto) e Olga (o par perfeito de Choi Vitório
e fã do mito Viktor Tsoi).
“Assim, Vitório acabou virando uma
criança esquisita no jardim de infância. Ele não respeitava os professores e
repetia as mesmas palavras e os mesmos gestos inúmeras vezes.” (p.48)
“(Olga) Ela escutava continuamente a
música de Viktor naquele túmulo. Vivia escutando a música dele. Ela escutava a
música de Viktor Tsoi com um enorme aparelho cinza de fita cassete.” (p.51).
Kang Byoung Yoong tece o seu romance
com recortes, como se fosse feito de flash (acendendo e apagando), induzindo o
leitor em um vai e volta, mesclando as personagens, como um carrossel. O
mistério do cancioneiro está em “Pepino de alumínio” como sina. O carretel das
vidas sobrepostas, que renascem em verdade e em comoção.
“Quando cantava canção russa, a voz de
Vitório era muito atraente”. (p.113).
E belos são os poemas de Viktor Tsoi:
“Quem
de vocês se lembra daqueles que se perderam?
Quem
de vocês se lembra daqueles que riram e cantaram?
Quem
de vocês se lembra como é fria a coronha de uma arma?
A
música das ondas, a música dos ventos.” (p. 242)
Mas
tudo isso já é uma faixa extra, ecoando pelos alumínios da imaginação. Canção
de um lírico, imagens a acontecer.
*Diego
Mendes Sousa
é poeta piauiense e leitor das narrativas de Kang Byoung Yoong.
O
romance “Pepino de alumíno” está disponível à venda em: https://topbooks.websiteseguro.com/sinopses1.asp?chave=418&topico=Pepino%20de%20alum%EDnio
O MISTÉRIO DO CANCIONEIRO EM PEPINO DE ALUMÍNIO (TOPBOOKS, 2018) DE KANG BYOUNG YOONG
Reviewed by Natanael Lima Jr
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