ARMAS DO SABER POÉTICO, DE VERNAIDE WANDERLEY

(Para Ester Aguiar)

Os dedos mal conseguem tocar as teclas, foram-se mãos e símbolos sobre páginas em branco. Estranha incompetência, dissonante música tocando sua alma usurpada por ventos impiedosos. Experiência mórbida e antecipada a consagrar o corpo feminino que desliza e ousa passos de dança.

Dança para não partir. Relembra a força do mundo inquisidor que permanece vivo e tenta desfazer sobras de juventude e sol. Mundo com vestes hostis e crueza que expôs suas adolescentes descobertas, quando não sabia enfrentar o fogo nem pancadas de chuva, muito menos o desamor. Nunca havia dançado.

Continua temendo partidas antecipadas, sim!

Mas na memória restaram escrituras legalizadas nos cartórios do tempo. Com elas tece estrofes e cantigas de velhas moradas. Guardou algumas armas do saber poético.

Há um silêncio de prece e ateísmo no cômodo, também uma brisa morna sobre o corpo daquela mulher sem véus – trêmulo por medo de esquecer cenas, métricas e rimas do próximo livro. Foi tão custoso fazer tudo, mas o prazer foi bem maior.

O ritmo acelerado de múltiplos acontecimentos do cotidiano atinge sua sensibilidade aguçada, guarda possibilidades de enovelar lembranças.

Ela recua e reticentes suas mãos tocam teclas. Um som cadenciado é invasor, toda bagagem vivida por seu corpo e alma saltam no papel.

(Não acendo a luz do espaço

a memória guarda labaredas,

solidões e súplicas:

que venhas

antes que a seda

das dunas se esgarce

foi lá que escondi o último sorriso

e alguém tem que pegá-lo.)

*Extraído do livro “Geometria das Pedras, 2019.