A BELEZA SEM FIM NA DRAMATURGIA DE BENJAMIM SANTOS



Por Diego Mendes Sousa*








A arte dramática escrita por Benjamim Santos é música e poesia. Sua dramaturgia é inteligente e lúdica, com intensa venustidade de linguagem.

O tomo Teatro infantil (Funarte, 2018) de Benjamim Santos é o coroamento de uma longa trajetória dedicada às artes. Com orelha de Bia Bedran e com a quarta capa assinada pelo ator Stepan Nercessian, o volume com mais de quinhentas páginas traz onze belas peças visionárias, sendo apenas uma parte do que Benjamim produziu como teatrólogo notável. Destacam-se: Senhor Rei, Senhora Rainha (1970); Os Três Mosquiteiros (1971); Viagem Sideral {uma brincadeira de ficção científica} (1972); O Castelo das Sete Torres (1974); A Loja das Maravilhas Naturais (1975); A Donzela Vai à Guerra (1976); A Princesa do Mar-Sem-Fim (1976); O Pavão Misterioso (1977); O Princês do Piauí (1978); O Rei Desejado (1979) e Sêo Joãozim de Olinda (1980).

De 1970 a 1980, Benjamim Santos (1939-) escreveu comédias extraordinárias e fundamentais para a história do teatro brasileiro, sendo personagem de proa em uma década incomum, marcante e revolucionária para as artes cênicas, voltadas para o público infantil. Tempos também das iluminações valiosas de Ilo Krugli (1930-2019), de João das Neves (1934-2018) e de Sylvia Orthof (1932-1997), os mais emblemáticos da sua geração, antecedida pelo brilhantismo de Stella Leonardos (1923-2019) e de Maria Clara Machado (1921-2001).

Benjamim Santos nasceu na Parnaíba, no coração costeiro do Piauí. Antes de desembarcar no Rio de Janeiro, onde produziria os seus mais admiráveis trabalhos, passou pelo Recife e por Olinda, sendo pupilo de Ariano Suassuna e assistente de Hermilo Borba Filho, alicerces do seu olhar sobre a estética e a criação universais.

As premissas de Benjamim Santos estão nas trovas e nas redondilhas. Seus diálogos são em versos rítmicos e métricos, por ser Benjamim, um grande poeta. Seu teatro é simplesmente poesia! É telúrico e lírico, endossado por sua genialidade sensitiva, que opera milagrosamente as palavras.

As peças do livro Teatro Infantil que mais me fascinam são A Princesa do Mar-Sem-Fim e O Pavão Misterioso, por identificar a verdade sublime do seu autor. Tive o privilégio de conhecer a inventividade de Benjamim Santos na minha infância. Lamentavelmente, não vi nenhuma dessas narrativas encenadas, mas sempre ouvia a minha avó Maria José Ferreira Sousa, uma entusiasta da literatura, ler os textos de Benjamim, com muito encantamento. São imagens que ficam no âmago do tempo e que preservam autenticidade, a despertar valores.

Esclarece a lúcida e consagrada escritora Ana Maria Machado, da Academia Brasileira de Letras (ABL), que “Poucos espetáculos para crianças têm a carga de brasilidade que apresenta ‘A Princesa do Mar-Sem-Fim’. O texto se inspira na poesia popular dos folhetos de cordel nordestinos e tem a marca de boa qualidade que caracteriza toda a obra escrita de Benjamim Santos, assinalada pela poesia e pelo indiscutível domínio das ferramentas verbais. (...) Com inventiva e respeito à criação popular. Com ingenuidade e engenho. Sobretudo com talento e respeito pela criança e pela cultura brasileira.”

A fantasia e a magia percorrem os seus textos. A imaginação é uma tônica nos luzeiros poéticos de Benjamim Santos. Inegavelmente, Benjamim é taumaturgo para o melhor espetáculo: sua escrita preenchida de dicções desde Shakespeare a Mozart, com originalidade e com ricas construções, é feita para o deslumbramento da sua plateia.

P.S.

Benjamim Santos não é somente um dramaturgo. É autor de livros densos como Sedução de Paris e Hemingway e Paris – Um Caso de Amor. Como crítico de teatro, escreveu Conversa de Camarim: o teatro do Recife na década de 1960. É, com justiça, um dos maiores hagiólogos do Brasil. E como memorialista da cultura popular, Benjamim é autor de Veredas da Meia Lua – O Boi de São João da Parnaíba, publicado em 2019.

Um das grandes alegrias da minha vida foi ter dialogado, ainda mancebo, com Benjamim Santos, em trocas de ideias e de afinidades, que culminaram na criação do jornal O Bembém, um legítimo patrimônio cultural e sociológico da Parnaíba.





*Diego Mendes Sousa é poeta piauiense e discípulo de Benjamim Santos, o seu mais profundo mentor intelectual e amigo, sendo carinhosamente apelidado por ele, de grumete, hoje, o grande Lobo do Mar.







PREMIAÇÕES NACIONAIS
DO TEATRO INFANTIL DE BENJAMIM SANTOS



Primeiro lugar no II Concurso de Peças Infantis do Serviço Nacional de Teatro, Rio de Janeiro, 1971, com a peça Senhor Rei, Senhora Rainha.

Terceiro lugar no IV Concurso de Peças Infantis do Serviço Nacional de Teatro, Rio de Janeiro, 1972, com a peça Os Três Mosquiteiros.

Segundo lugar no Concurso de Peças Infantis do Serviço Nacional de Teatro, Rio de Janeiro, 1972, com a peça Viagem Sideral.

Segundo lugar no Concurso Nacional de Textos para Teatro Infantil da Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Paraná, em parceria com a Fundação Teatro Guaíra, Curitiba, 1974, com a peça O Castelo das Sete Torres.

Quarto lugar no Concurso Nacional de Textos para Teatro Infantil da Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Paraná em parceria com a Fundação Teatro Guaíra, 1975, com a peça A Loja das Maravilhas Naturais.

Terceiro lugar no Concurso de Dramaturgia Infantil do Serviço Nacional de Teatro, Rio de Janeiro, 1975, com a peça A Donzela Vai à Guerra.

Prêmio MEC – Troféu Mambembe: melhor autor de teatro infantil, Rio de Janeiro, 1977, com a peça A Princesa do Mar-Sem-Fim.

Prêmio MEC – Troféu Mambembe: melhor autor de teatro infantil, Rio de Janeiro, 1979, com a peça O Pavão Misterioso.



Benjamim Santos I Foto: Reprodução



FRAGMENTOS DO TEATRO POÉTICO
DE BENJAMIM SANTOS
ESCOLHIDOS POR DIEGO MENDES SOUSA




Cantiga de Abertura

Ui, ui, ui, ui, ui!
Ai!
Labino é uma terra,
Reino do Mar-Sem-Fim
Ai!
Labino é um Reinado,
Reinado assim-assim.

Ei!
Elisa é uma donzela
de um Reino assim-assim
Ei!
Elisa é moça bela
do Reino do Mar-Sem-Fim.

Oi!
um Gênio apareceu
no Reino do Mar-Sem-Fim
Oi!
carregou pelo céu
a donzela assim-assim.

Ui!
Adriano é um donzel
de beleza assim-assim
Ui!
Adriano conheceu
Elisa do Mar-Sem-Fim.

Pois os dois se apaixonaram.
Quebrou-se o encanto dela.
Ui, ui!
Ui, ui!
Os dois se enamoraram:
ela e ele; ele e ela.
Oi, oi!
Oi, oi!

Muita coisa aconteceu
no mistério desse amor.
Ei, ei!
Ei, ei!
A tristeza apareceu,
mas depois o sol brilhou.

Ai, ai!
Ai, ai!
Ai, ai, ai, ai, ai, ai!
Ei, ei!
Ei, ei, ei, ei, ei, ei!
Oi, oi!
Oi, oi!
Oi, oi, oi, oi, oi!
Ui, ui!
Ui, ui!


Numa Estrada do Labino

Cantiga da Rendeira


Pego o bilro
largo o bilro
jogo o bilro para lá.
Taco o bilro
solto o bilro
Trago o bilro para cá.

Oi bilro
Oi bilro
Oi bilro que renda faz
Oi tarde
Oi tarde
Oi tarde de tanta paz.

Oi renda
Oi renda
Oi renda que o bilro faz
Oi vento
Oi vento
Oi vento
que brisa traz.

Tiro o bilro
Boto o bilro
Quero o bilro mais pra cá.
Viro o bilro
Troco o bilro
Deixo o bilro mais pra lá.

Oi linha
Oi linha
Oi linha que renda faz.
Oi calma
Oi calma
Oi calma de tanta paz.

Oi renda
Oi renda
Oi renda que a linha faz.
Oi vento
Oi vento
Oi vento que coisa traz?

Adriano - Senhora, minha senhora.
                  Minha senhora rendeira.

Rendeira - Faço renda toda hora.
                  Olha só. Vê que beleza.

Adriano - Vim de viagem agora.
                  Tudo em mim é só canseira,
                  mas não pretendo ir embora
                  sem dar fim a tudo. Queira
                  me dizer, sem mais demora,
                  se é aqui, por estas terras,
                  que uma Linda Princesa mora.

Rendeira - Vôte, Vento! Que poeira!
                   Uma Princesa cantora?
                   Uma triste cantadeira?

Adriano - Vivia encantada outrora.

Rendeira - Hoje vive em choradeira.
                    Chora manhã. Tarde chora.
                    Também chora a noite inteira.
                    E a causa de tanto choro
                    é que fez uma besteira.
                    Deixou sozinho na praia
                    o moço que ama. Queira
                    ou não queira, tem agora
                    de casar com um Capitão,
                    um homem que não adora.

Adriano - Oh, tristeza! Oh, maldição!
                  Quando casa? É agora?

Rendeira - Amanhã, naquela igreja.

Adriano - Sou eu, minha senhora,
                  o namorado de Elisa.
                  Diga mais, boa senhora.
                  Esta Princesa, onde mora?

Rendeira - Seguindo aquela vereda,
                    caminhando estrada afora,
                    encontrará uma bela
                    roça, florida de abóbora.
                    Lá chegando quebre à esquerda.
                    Tem um pé de castanhola.
                     Vire então para a direita
                    que vai dar numa lagoa
                    que é toda feita de lágrimas
do choro que Elisa chora.
Não olhe pra trás. Não perca
tempo. Amonte numa tora
de pau e com ligeireza
atravesse o lago à toda.
Do outro lado é a janela
dadonde a Princesa chora.

Adriano -  Me atirarei aos pés dela
e cantarei minha mágoa.
Por certo a linda Princesa
ao ouvir a minha história
abrirá sua janela
vai dizer que me adora
e será feita uma festa
celebrando vida nova.

Rendeira- Vôte, Vento! Que poeira!

Adriano - Obrigado, ó, senhora.
                  Minha formosa Rendeira,
                  digo adeus vou-me embora.

Rendeira- Vôte, Vento! Que poeira!




Abertura

Pescador - Muito pra lá do sertão,
   passa um rio cristalino
   e é na beira dessas águas
   adonde fica o Labino.

Bordadeira - O Labino é uma terra
de cajueiros em flor.
Pois entre esses cajueiros
floresceu um grande amor.

Pescador - Vamos contar o romance
                desse amor fantasioso.
  A história encantadora
  de um Pavão Misterioso.

Bordadeira - Era um ser que avoava
                       calado e silencioso
       pelo céu e pelos ares:
       o Pavão Misterioso.

Pescador - Por cima dos cajueiros
e sob a luz do luar,
transportava um rapazinho
que queria namorar.

Bordadeira - É a vitória de um amor
nascido à primeira vista:
o triste e feliz namoro
de Creusa e Evangelista.

Pescador - Tudo aqui é só teatro
e nós somos os artistas
apresentando o romance
de Creusa e Evangelista.

Bordadeira - Pois cada um que me ouve
abra os olhos e assista
ao sofrimento de Creusa
e à paixão de Evangelista.

Pescador - Em nossa história não tem
                 Bruxa, nem Fada Madrinha.

Bordadeira - Não tem Rei e não tem Príncipe,
                    nem Princesa e nem Rainha.

Pescador - Tem um Conde, uma Condessa...

Bordadeira- E uma linda Condessinha.

Pescador - Tem a Estrada do Mundo
                    por onde a Vida caminha.

Bordadeira - Tem a conquista e o desejo
                    de um rapaz e uma mocinha:
    Ele, astuto e audacioso,
    e ela, na camarinha.

Pescador - É a Vitória da Paixão
                e do Amor amoroso
  de um Rapaz e uma Mocinha...

Os dois - e um Pavão Misterioso.

                            (Saem todos.)


Cantiga da gente que passa

Oxente
que gente danada
seguindo na estrada
pra lá e pra cá.
Oxente
que gente faceira
e trabalhadeira.
dá gosto de olhar

Evangelista - Já sei o que vou fazer
                     para mudar meu Destino:
                     Viro a estrada pra cá
e vou por outro caminho
Agora o céu é mais claro.
Pouca pedra. Pouco espinho.
Já vejo se aproximando
um Vaqueiro que vem vindo.

                                       (Entra o Vaqueiro.)


Vaqueiro - Dê-me licença, seu moço.
Não tenho tempo a perder.
Evangelista- Ô, Vaqueiro, me responda:
por que precisa correr?

Vaqueiro- Deixei no pasto, pastando,
seis éguas de montaria,
cinco vacas estreladas,
quatro bezerros de cria.
Quero chegar ao Labino
no pino do meio-dia.

Evangelista - Labino é um povoado,
                        é vila ou capitania?

Vaqueiro - O Labino é um Condado
onde brilha a luz-do-dia.
Tem uma luz mais brilhante
que o brilho das pedrarias.
É lá que mora a donzela
mais bela das cercanias.
É uma moça mui formosa,
prisioneira noite e dia
Té às vistas, companheiro.
Passe bem sua senhoria.

(Sai o Vaqueiro. Entra a Noiva.)


Cantiga do tempo passando

Passa, Tempo,
passa, passa.
Passa, passa sem parar.
O Tempo já vai passando.

Ôi, não para de passar.
É manhã
é tarde
é noite
é madrugada.
Duas horas
três horas
às quatro
é passarada.
É segunda
é terça
é quarta
vem quinta-feira
vem a sexta
sábado
domingo
semana inteira.

Passa, Tempo,
passa, passa.
Passa, passa sem parar.
O Tempo já vai passando.
Ôi, não para de passar.

Bate o sino
blém-blão
blém-blão
é crique-craque.
No relógio
é taque
é tique
é tique-taque.

Mês de julho
setembro
tempo de espera
mês de outubro
novembro
dezembro
é primavera.

Tique-tique
taque-taque
taque-tique
tique-taque
taque-taque
tique-tique
taque-tique
tique-taque.


Cantiga do Pavão Avoando

Ah, voa, Pavão,
ah, voa,
ah, voa de madrugada,
me leve pra minha flor
que me espera sossegada.

Ah, voa, Pavão,
ah, voa,
ah, voa, bicho atrevido.
Vai bater na janelinha
do meu benzinho querido.

Ah, voa, Pavão
ah, voa
ah, voa que eu sei pra donde.
Vou roubar linda morena,
bela flor, filha do Conde.


Pastores -  Ele vem no nevoeiro quando vier.
Ele vem no nevoeiro quando vier.
Ele vem no nevoeiro...
Ele vem no nevoeiro...
Ele vem no nevoeiro quando vier.
Ele vem de manhãzinha quando vier.
Ele vem de manhãzinha quando vier.
Ele vem de manhãzinha...
Ele vem de manhãzinha...
Ele vem de manhãzinha quando vier.

Ele vem ser Rei do Povo quando vier.
Ele vem ser Rei do Povo quando vier.
Ele vem ser Rei do Povo...
Ele vem ser Rei do Povo...
Ele vem ser Rei do Povo quando vier.

(Saem. Entram as Atrizes,
agora como Pastorinhas do Pastoril brasileiro.)


Pastorinhas - Nós, Pastorinhas brasileiras,
cantando no tempo certo
(tempo certo),
esperamos por El-Rei
Encantado e Encoberto.
Encoberto.

Nós, Pastorinhas brasileiras,
cantando em campo aberto
(campo aberto),
esperamos por El-Rei
que virá no tempo certo.
Tempo certo.

                (Retornam os Pastores.)

Todos - Nós, Pastoras e Pastores
              seguindo neste deserto
(neste deserto),
vamos indo descobrir
nosso Rei, o Encoberto.
Encoberto.

Quem souber que nos avise
onde está o Encoberto.
Encoberto.
Precisamos descobrir
e deixá-lo descoberto.
Descoberto.

Adeus, adeus.
Adeus, digo de novo.
Vamos todos procurar
nosso Rei no meio do povo.


                                                      Saem todos e termina o espetáculo.


A BELEZA SEM FIM NA DRAMATURGIA DE BENJAMIM SANTOS A BELEZA SEM FIM NA DRAMATURGIA DE BENJAMIM SANTOS Reviewed by Natanael Lima Jr on 00:28 Rating: 5

4 comentários

  1. Amazing! Maravilhoso, narrativa, poesia, diálogos... Literatura é ISSO!

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    Respostas
    1. Abç José Fausto, nos visite sempre. Aqui sempre temos bom conteúdo semanalmente.

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  2. Lamento igualmente não haver experimentado a dramaturgia de Benjamin Santos expressa no palco!! O combinado ente sua escrita e a musicalidade de Bia Bedran sempre fez pulular minha imaginação e aguçou minha curiosidade.

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