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OS DOMÍNIOS INSONES NO EXÓTICO LIRISMO DE MARCO LUCCHESI



Por Diego Mendes Sousa*









A poesia é um espírito lúdico que não dorme. “Domínios da Insônia” (Patuá Editora, 2019) de Marco Lucchesi, com o subtítulo de Novos Poemas Reunidos, é um tomo poético de quase setecentas páginas que dimensionam o pulso firme, espantoso e fecundante do seu autor.

Marco Lucchesi é um poeta fluminense que se constitui de claridade verbal. Sua poesia está contaminada de luz. Em muitos dos seus poemas se multiplicam palavras que buscam cintilações intimistas.

Como perder
se
em tanta claridade?

Lucchesi recorre ao fulgor da criação, porque a sua dicção é de um erudito que domina o senso estético. O corpo da obra “Domínios da Insônia” vem fagulhado de belas imagens e o encantamento se faz pela plasticidade e pelo ritmo de desafogo douto que se espalha por todo o seu conjunto lírico, exótico, agigantado e fascinante.

Diz Marco Lucchesi que “dormir é um todo que se agrega sem fronteiras”. Para a sua poesia não há somente as margens sonoras do explosivo jogo da linguagem, mas também as balizas transcendentes de uma intensa coloração de sonhos que advém do absoluto e que provam a riqueza metafórica e simbólica dos seus versos em altiplano cosmogônico.

Assoma
no seio
da tarde

                    afogada de espanto
                    e de luz
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A insônia e seus resquícios:

                  soníferos, migalhas

                  Desabam os fenícios

                  os sonhos e muralhas

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nos meus domínios
insones

a gente
é pouca

e as alimárias
muitas


Criador de uma escrita abalizada e sem peias, Lucchesi, em “Domínios da Insônia”, agrupa os livros Meridiano celeste; Clio; Sphera; Mal de amor; Mar mussa; Hinos matemáticos; Bestiário; Al-Ma’arri: Vestígios; Leila; Alma vênus; Bizâncio e Sonetos marinistas. Além disso, Marco Lucchesi apresenta os seus dotes como tradutor e conhecedor de duas dezenas de idiomas.

Na seção Faces da Utopia: Visitações, Marco Lucchesi verte para a língua portuguesa poetas magistrais: Rumi, Joachim du Bellay, San Juan de la Cruz, Francisco Quevedo, Angelus Silesius, Hölderlin, Trakl, Rilke, dentre outras vozes universais.

A obra é ainda coroada por um fortuna crítica gloriosa sobre Lucchesi, onde encontro ensaios de Carlos Nejar, Antonio Cicero, Alfredo Bosi, Fábio Lucas e Eduardo Portella. Por todas as linhas, as visões luminosas desses críticos.

A poesia de Marco Lucchesi é feita de estilhaços repletos de sabedoria, com uma lira medieval e estranha, pautada no desnascimento alquímico do poema e na astrologia do tempo.

Seus poemas são versos fragmentados, como lascas de ouro, com viço e pureza. São também pedaços oníricos do sagrado e com misteriosos clarões. Poemas dedilhados, com maestria, para o encantamento.







*Diego Mendes Sousa é poeta e admirador da plasticidade estética e criativa de Marco Lucchesi.
















POEMAS DE MARCO LUCCHESI
ESCOLHIDOS POR DIEGO MENDES SOUSA



NÃO DORMIR


eu me dissipo nas coisas que congrego


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As páginas brancas

do livro

do mundo e o sonho

verde

do alquimista


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Tornar-se apátrida e selvagem, para alcançar o rosto físico

das coisas.


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Beijo a fronte clara da vertigem. E pago minha fome de alturas.


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Um salto irreversível no silêncio e um áspero desejo de partir.


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Teu sonho, abismo líquido, uma constelação insone, em busca de não sei que estranhas órbitas.


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Eu sou o filho pródigo da infância, aquele que partiu ferido em solidão.


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Eu canto o imponderável céu daqueles dias.


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Cessam as noites selvagens, aos tímidos rubores da manhã.


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A teus medos sem lua eu me entrego.


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DIÁRIO


Eu atravesso inerme essa espessura

Como saber

quem me dirá por mim?


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SEDE



Eu

me

sacio

nos teus seios

sutil ambrosia

fonte de libação


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Em meio às ondas, morre-se de sede


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É sábio quem evoca o fim como destino.


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O tempo é um poeta de infortúnios

Declama ponderado ou improvisa


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NUVENS



Poço

esquecido

lívido

lume

da espera

E o sonho

de Platão

céu

acima

límpido

e claro


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O poeta é uma fera cercada de palavras


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DUALISMO



Teu rosto é claro se meu sonho é escuro,

só vens me visitar quando não quero,

andas perdido quando te procuro,

se mais confio em ti mais desespero.

Se buscas o passado sou futuro,

se dizes a verdade és insincero,

se temo a tua face estou seguro,

se chegas ao encontro não te espero.

Bem sei que em nosso olhar refulge o nada,

que somos, afinal, a negação

mais funda, mais sombria e desolada.

Como lograr, meu Deus, reparação,

enquanto segues longe pela estrada,

de nossa irreparável solidão?


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BOI



Tive um boi

na minha infância

boi trazido

pelo vento

Boinuvem

seu mugido

era intangível

e os olhos

lassos

cheios de piedade

Boitempo

de uma infância

que não passa


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Metafísica

das alturas



mil anjos servem

um ser escuro

frio indevassável

E já não

consideram

privilégio

viver

junto à vertigem que os consome


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Não desejo

outra

quimera além

do mal que

me

consola

e desespera


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O JARDIM


o conjunto dos canteiros

e a floresta sombria e ilimitada

Como domar a astúcia do infinito?


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CÍRCULO DO TEMPO



Passam velas

ao vento

caravelas


Outras naus

outras gentes

singulares


hão de surgir

em fúlgido

horizonte


Novos pedros

e outros vascos

(dos quais


marítimos

ou anfíbios

descendemos)


a navegar

sozinhos

noutros mares


E seguem

a onda

fria que não passa


e buscam

novas Índias

e Alcobaças

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