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ENSAIO MEMORIALÍSTICO, de Zé de Lara – Parte 2



Por Zé de Lara*











OPINIÃO PESSOAL SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A LITERATURA MARGINAL,
A CULTURA ALTERNATIVA E O MOVIMENTO DE ESCRITORES INDEPENDENTES EM PERNAMBUCO (MEI-PE)


(ensaio memorialístico em estilo gonzo)



PARTE 2



DESDOBRAMENTOS ATUAIS


O Cânone continua forte e redivivo neste início de século 21. E muita gente dizia que esse “cu-de-boi” está superado. E que seria melhor mudar de assunto: que teve o seu tempo, mas passou, diziam (e esta foi mesmo uma ilusão “treda”); pois o monstrengo continua exibindo publicamente os seus caninos afiados e neo-gongóricos (quase neorrococó). Majoritariamente técnico e formalista nas suas inovações líricas e místicas. Saracoteando, aqui e ali, alguns rompantes de pessimismo quase-conformista e “cooptado”, outra vez. Mas aqui é preciso fazer uma ressalva importante: depois dos quarenta, eu percebi que o projeto mais frutífero é a diversidade literária; e não a supremacia de um campo literário sobre os outros campos, seja qual for o campo hegemônico, quando essa hegemonia torna-se quase-exclusivista. Eu estou falando de pluralidade epistêmica e literária, obviamente. Ou de interdisciplinaridades e transversalidades. Ou do pé-de-igualdade entre as diferentes áreas literárias, também.

O machismo sertanejo transmutou-se em fundamentalismo bíblico: neopentecostal ou neocarismático (estes dois são muito parecidos, por mais que afirmem que não são.)

E a pesada guerrinha “existencial” entre armoriais e tropicalistas parece não ter fim. E eu que me lasque no meio desse fogo cruzado horroroso. Nesse tiroteio em becos escuros onde todos estão usando roupas pretas.

Mas algumas feministas unilaterais, e cinderelas “ingênuas”, continuam afirmando que tudo é 100 % cultural; e zero por cento cromossômico. Como se o cinderelismo fosse solução; e não beco-sem-saída (ou areia movediça mortal). E aqui eu entro em outro fogo cruzado (mais um): a separação “dicotômica” entre Genética e Memética (seriam dois bicudos que não se beijam?). Uma batalha sanguinolenta entre “fisicalistas” totalitários e “holísticos” despolitizados? Um apego excessivo à “relação” entre genes e “memes”?

A partir do início do século 21, proliferaram os blogs, timelines, twiteres, zaps, sites, homes, etc. E o off-set e o mimeógrafo viraram peças de museus. É um domínio “totalitário” das gráficas rápidas digitais.

Eu tenho mil lembranças “fatais” com os mimeógrafos. Por exemplo: o mimeógrafo do Diretório Acadêmico do Curso de Veterinária da Universidade Rural de Pernambuco, no período de 1984 a 1986, mais ou menos (uns três anos). Foi nele que imprimi o meu primeiro “livro”: uma pequena miscelânea. Ou o mimeógrafo eletrônico da Biblioteca Central da UFPE, um pouco depois, onde eu imprimia textos didáticos para secretarias de cursos do Centro de Artes da UFPE (os textos eram distribuídos para os alunos na sala de aula, antes da entrada dos professores.)

O meu segundo “livreto” foi também mimeografado: era uma coletânea de textos curtos (minicrônicas). Enfim: são muitas lembranças de “guerras” ideológicas e “batalhas” culturais nas terras do Paranambuc.

Aqui, na nova Roma de bravos guerreiros, só recentemente o livro digital começou a deixar de ser tabu. Ou melhor: influiu um pouco na redução do preço dos livros, em geral. Eu mesmo tenho livros virtuais vendidos numa “terceirizada” da Amazon (incubada), e são “livros” com preços bastante módicos. Por exemplo: uma miscelânea com 210 páginas, em formato pocket, por apenas R$ 8,00 (oito reais).

É uma pechincha, vamos admitir. Mas a indústria de celulose e pasta de papel continua com a sua ridícula insistência para emitir eflúvios gasosos, e líquidos intoxicantes (pra não dizer um trambolho pior).

FUI. PROVISORIAMENTE. TEMPORARIAMENTE.

Todavia, mil e um casos “rizomáticos”, (pra não dizer “esquizóides”), já tinham acontecido antes, sem que a vigilância canônica e neopositivista pudesse evitá-los. E eu não estava mesmo muito preocupado com as “fesceninas” relações entre os diferentes campos epistemológicos e poéticos, como já disse.

Estava mais preocupado com o leite e o pão das crianças, é verdade. Mas eu não poderia me dar ao luxo de querer pregar uma hegemonia da visão “holística” ou “marxista”, pois a pregação dessa hegemonia, no meu caso pessoal, seria uma visível contradição em “derrapagem”(pra quem andou pregando entrelaçamentos quânticos e ampliações perceptivas.)

A Escola de Fankfurt foi “imprensada” num “apocalíptico” fogo cruzado entre a Ortodoxia Marxista e o Centrismo à Direita. O ancestral “pingue-pongue” entre fisicalistas e intuitivos, ou entre reformistas e revolucionários (todo mundo voltando para o século 19: (é incrível, literalmente inacreditável): sobre o qual eu estou cansado de falar e repetir. Já que as “mariposas” delirantes não conseguem ultrapassar as fronteiras do fundamentalismo religioso ou do “fisicalismo” ocidental renitente.

E esse “fogo cruzado” foi, realmente, um campinho de batalhas insuportáveis:

“suportando o insuportável”, como dizia o saudoso poetinha do qual não lembro o nome aqui agora. E também o Escriba do Estige, o Boca Suja famoso. Mas isso já é outro papo que eu não gostaria de repetir mais uma vez. Admita-se.

E ainda continua a disputa insana e egótica entre marxistas, anarquistas, centristas e cristãos. Todo mundo voltando para o século 19, como foi dito. Apesar de todas as lições que a História já nos deu sobre subdivisões intestinas “incuráveis” no campo da luta por distribuição de renda e liberdade individual, desde a Guerra Civil Espanhola e os “Camisas Pretas” mussolinistas até o patriarcado semifeudal agrestino-sertanejo. Passando pelo apoio da classe-média-baixa germânica aos primórdios do nazismo: aproveitando a separação incurável entre o espartaquismo, a centro-esquerda e o stalinismo (com os anarquistas “em cima do muro”). Sem falar novamente nas disputas “intestinas” entre canônicos e “marginais”. Mais uma vez. Agora.

As inovações no formato, no léxico e na sintaxe continuam sendo priorizadas pela herança canônica, mas dentro dos limites acadêmicos, em detrimento ou secundarização de outros fatores importantes, como o “neo-engajamento”.

Segundo os “novos” canônicos do século 21, enrustidos ou assumidos, haveria um grande risco da “literariedade”, propriamente dita, ser diluída dentro da vida ou da filosofia, o que implicaria numa postura “anti-literariedade”, direta ou indireta. No entanto, os escritores da “marginália” e da “contracultura” fizeram sempre, também, as suas experimentações formais e sintáticas, além da luta contra a concentração de renda, poder, terra, conhecimento, etc.


Zé de LARA – set/out – 2019



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Zé de Lara é um dos pseudônimos de José Luís Miranda; também conhecido como “Poeta Lara” ou apenas “LARA”. Nasceu em 01/12/60, em Bom Conselho (PE), no agreste meridional. Participou, informalmente, do Movimento de Escritores Independentes em Pernambuco (MEI-PE). É autodidata. Foi também recitador, e participou de recitais no Recife e em outras cidades do nordeste do Brasil.

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