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ENSAIO MEMORIALÍSTICO, de Zé de Lara – Parte 1



Por Zé de Lara*






Imag.: Reprodução





OPINIÃO PESSOAL SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A LITERATURA MARGINAL,
A CULTURA ALTERNATIVA E O MOVIMENTO DE ESCRITORES INDEPENDENTES EM PERNAMBUCO (MEI-PE)

(ensaio memorialístico em estilo gonzo)



PARTE 1



A poesia marginal e a literatura “alternativa”, NO BRASIL, deram os seus primeiros passos nos primórdios da década de 70, no Sudeste, mas havia TAMBÉM pequenos focos em outros lugares, como Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul, etc.

Aqui em Pernambuco, no início da década de 70, alguns poetas já publicavam livretos e “fanzines” (ou “revistinhas”), de forma independente das grandes editoras; mas esses poetas não se autodenominavam “marginais” ou “alternativos”. Eram autores que publicavam e vendiam por conta própria, mas não havia uma denominação literária específica que os “encaixasse” numa determinada corrente poética ou prosaica.

A denominação “Independente” acontecerá oficialmente, em Pernambuco, apenas a partir de 1981, com o Primeiro Encontro Nacional de Escritores Independentes, em Olinda (na Casa das Crianças, uma instituição filantrópica municipal).

O termo “poesia marginal”, propriamente dito, no Recife e Olinda, começa a ser usado, com mais frequência, a partir de meados da década de 80, quando o termo “independente” vai, aos poucos, caindo em desuso, até certo ponto: substituído pelas denominações “marginália”, alternativos, periféricos e contra culturais.

Foi “extraoficial” a minha participação no MEI-PE: meu nome não consta nas atas. Mas, mesmo assim, participei de inúmeras atividades: varal poético (na Universidade Rural), “fanzines”, recitais, livretos, “revistas”, palestras & debates; apoio administrativo, militância “ideológica”, etc, etc.

Daí pra frente mergulhei na resistência cultural e existencial das “searas” recifenses e metropolitanas. Mas eu não estava muito ciente do tamanho das periculosidades que iria enfrentar: imbecilidade matuta, pulsões-de-morte (coletivas ou individuais), cooptações as mais variadas, egotismo pop sorrateiro, poderes semifeudais, e outros “transtornos” ideológicos raramente identificáveis “a priori”. Dribles e rasteiras ao pôr-do-sol tropicalista e “armorial”. Ou profundos sentimentos de culpa, ou rancores classistas de-cima-pra-baixo, no tutano dos brejões da Serra da Borborema, e no “Caxito” também.

Fiz então, a princípio, um ativismo pontual, em momentos aleatórios e esparsos; durante três ou quatro anos (de 1981 a 1984, mais ou menos). E só depois iniciei um engajamento partidário, no antigo PCB, que era, naquela época, vinculado à esquerda democrática; e não ao marxismo-leninismo. Embora a ortodoxia marxista, nessa época, ainda tivesse bastante influência no “Partidão”, mas era minoritária dentro desse partido. Então, dois anos depois, eu me desfiliei do PCB, e entrei no PT, onde fiquei durante sete anos e, após me desfiliar mais uma vez, entrei num período em que dediquei a maior parte do meu tempo livre às leituras e escrevinhaduras.

*Entre o final de 1987 e o início de 1988, eu já estava trabalhando como “digitador” (datilógrafo), e agente administrativo, no “Departamento de Pessoal” da UFPE, onde entrei por concurso externo. E em 1992 fui transferido para o Centro de Artes, onde trabalhei como secretário de cursos.

No campo especificamente existencial, e “espiritual”, em meados da década de 80, no Recife e Olinda, ainda havia uma forte influência de resquícios contra culturais da década de 60; mas eu nunca tive uma ligação “umbilical” com o mundo alternativo dos “neo-hippies” ou assemelhados: eu estava prioritariamente envolvido com a militância partidária e as minhas pesquisas como autodidata; pois estava quase abandonando o curso de Agronomia, enquanto sobrevivia como vendedor de livros e “free-lancer” (residindo na Casa do Estudante da Universidade Rural, e me matriculando em duas ou três disciplinas para manter o vínculo com esta Universidade, e permanecer com o direito de residir na Casa do Estudante).

A partir de 1993, eu mantive o diálogo com o campo “contra cultural” e “alternativo”, mas sem vinculação umbilical, como já disse; pois estava priorizando a militância sindical: era apenas um diálogo mediano e contextual, portanto. Mas sempre houve um diálogo; que às vezes era tenso, mas nunca deixou de existir. O que tem a ver com o “estranhamento” cultural e social entre assalariados e “lúmpens”, entre outras nuances socioeconômicas: uma velha disputa ideológica que parece eterna, vinculada também a questões cármico-genéticas.

O Mangue Bit promoveu a mistureba rítmico-melódica. E também o elogio da mestiçagem politizada à esquerda. Resgatando ritmos populares que estavam correndo o risco de esquecimento, ou da extrema secundarização. E misturando-os com a herança psicodélica e engajada.

Os canônicos (em geral) “demonizaram” essa mistura. Alguns diziam que ela dissolveria a identidade étnica regionalista; e outros afirmavam que a influência dos resquícios do movimento hippie levaria os jovens pernambucanos para os vícios, a irresponsabilidade sexual e os pendores autodestrutivos do “suicídio branco”. Além de que, por tabela, incentivaria a preguiça mental; como também uma suposta e proposital postura “grotesca” e anti-literária.

Mas estes canônicos, enrustidos ou não, estavam mesmo, sub-repticiamente, defendendo a sua “sardinha” conservadora e politicamente à direita. Usando a desculpa esfarrapada da “inadiável” necessidade de manter a defesa intransigente da técnica e da “beleza” sintáticas e linguísticas. Ou melhor: a métrica e a harmonia como mais importantes do que as relações de poder e de produção (capciosamente). Uma velha desculpa sorrateira, usada à exaustão; mas que até hoje “reverbera” estilhaços de um esquema cínico e ideologicamente “reacionário”, que desqualificava a parcela de espontaneidade intuitiva de alguns poetas “alternativos”. Fazendo excessivas exigências “burguesas” para reconhecer a legitimidade estética e a cidadania cultural dos tais escritores “periféricos” ou “marginais”; como era o caso da exigência de que esses escritores deveriam tornarem-se poliglotas, críticos culturais ou professores de literatura; antes de adquirirem o reconhecimento da “semidivina” condição da legitimidade estética. Era um descarte capcioso do autodidatismo e do campo extra acadêmico.

Os jovens poetas marginais da minha geração tinham, em sua maioria, mas não em todos os casos, uma insuficiência administrativa crônica.

Na verdade, no frigir dos “cócos”, no fundo do fundo, não eram escritores no sentido literal dessa palavra; pois escreviam muito pouco (quase nada). E dedicavam a maior parte do seu tempo à “boemia”, embora a maioria não tenha se tornado alcoólatra ou maconheiro inveterado ou cocainômano decadente. Eram biriteiros e usuários eventuais; mas não grandes viciados. Alguns deles escreveram apenas 30 ou 40 poemas curtos em três décadas; então, por essas e outras, eu não poderia chamá-los de “escrevinhadores”. Eram boêmios, portanto, e não escritores.

Muitos deles tornaram-se profissionais liberais e funcionários públicos. Porém, mesmo após começarem a trabalhar com “carteira assinada”, mantiveram o contato com o campo cultural alternativo e “marginal”, onde atuavam como “voluntários” em algum tipo de apoio administrativo, nas horas vagas.

Lembro, por exemplo, do Espaço Cultural Antropófago, na década de 90, onde muitos desses recentes profissionais liberais e servidores públicos atuavam direta ou indiretamente, nas horas livres. Eu mesmo, no início da década de 90, já tinha uns cinco anos de trabalho como “datilógrafo” e assistente administrativo na UFPE.

Enfim: nem todo mundo era hippie ou “lúmpen” na seara contra cultural pernambucana daquela época.

Ânsia de fama e glória individual eram comuns pra quase todo mundo. O velho ego artístico ancestral e eterno. É normal. Faz parte. Mas o “pobrema” está na dosagem. E não no campo cósmico em si mesmo, já que tudo é “bipolar” A PRIORI, dentro do Nada Cósmico, do Big Bang e do “Design Inteligente”: velho cu-de-boi fatal entre evolucionismo natural e biologia molecular. É pra derreter neurônio de mamute.

E houve também quem tentasse desvendar todos os mistérios da Besta Literária com apenas um método epistemológico. E ficou, durante toda sua vida, dificultando, aristotelicamente, qualquer possibilidade da existência de entrelaçamentos quânticos ou da síntese dialética de opostos (com rasteira e golpinhos). União mística em buracos de minhocas e mônadas quânticas. É pra derreter os neurônios do dragão-de-comodo. Convenhamos.

Tinha também muita gente que acreditava em disco voador. Mas atualmente aumentou a quantidade dos que acreditam. Até a NASA disse publicamente que reconhecia a “probabilidade” de que alguns “buracos de minhocas” poderiam funcionar como canais infinitesimais para a interligação entre “12” universos diferentes. Mas isso a Cabala Cananéia diz, há mais de 5 milênios.

Então é preciso fazer a urgente diferenciação entre DELÍRIO e DEVANEIO (incluindo a “imaginação ativa”) antes de fazer a acusação de “semicaóticos” a todos os membros do MEI-PE. Ou então a outra inaceitável acusação de estar “driblando” ou “sabotando” a síntese dialética entre as relações de produção e os mecanismos de dominação (mas a outra é bem mais “escrofulosa”).

Quixotismo e adolescência prolongada é outro assunto sobre o qual muita gente gostaria de nunca falar. Incluindo nesse horroroso imbróglio, também, além de Don Alonso, o Peter Pan, o Narciso... e até o Saturno. Seria uma quaternidade, portanto.

E olhem que eu não estava nem um pouco a fim de falar sobre isso. Mas às vezes esse troço transforma-se num “ponto-de-estrangulamento” contextual, cirscunstancial, descendo a ladeira embolando e desembestado. Quando, então, não nos resta outra opção a não ser dormir de cabeça pra baixo quando estamos em terras de morcegos hematófagos, neoliberais ou “fascistóides”. Mas aqui já estamos no campo mais específico da “depressão”, ou do “spleen” aprofundado, já que são muito parecidos. E eu não gostaria de falar sobre isso neste ensaio.

Obs.: Acompanhe a ‘Parte 2’ deste ensaio na próxima semana.







*Zé de Lara é um dos pseudônimos de José Luís Miranda; também conhecido como “Poeta Lara” ou apenas “LARA”. Nasceu em 01/12/60, em Bom Conselho (PE), no agreste meridional. Participou, informalmente, do Movimento de Escritores Independentes em Pernambuco (MEI-PE). É autodidata. Foi também recitador, e participou de recitais no Recife e em outras cidades do nordeste do Brasil.

ENSAIO MEMORIALÍSTICO, de Zé de Lara – Parte 1 ENSAIO MEMORIALÍSTICO, de Zé de Lara – Parte 1 Reviewed by Natanael Lima Jr on 08:01 Rating: 5

Um comentário

  1. Excelente ensaio do poeta Zé de Lara. A cada momento me surpreendo com esse cara. Escreve muito bem, agora trilha novos caminhos através da prosa. Esse seu "Ensaio memorialístico sobre a relação a literatura marginal, a cultura alternativa e o movimento de escritores independentes de Pernambuco (MEI-PE) é genial. Muito bom cara! Vai em frente! O Espaço sempre aberto!

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