A ARIDEZ AFETIVA DE NATANAEL
Por
Douglas Menezes*
A
Canção Árida de Natanael Lima Júnior carrega em si a aspereza da afetividade,
por mais paradoxal que possa parecer esta afirmação. Tempo de angústia profunda
captada de um modo duro, cruel até, mas deixando as brechas necessárias para
que a luz apareça. O poeta não fecha a porta, é evidente que há janelas para
que as asas cresçam e os pássaros possam voar em sua plenitude de liberdade.
Além da busca pela dignidade humana, pelo refazer da pessoa, pela possibilidade
de sermos gente, na acepção mais cristalina. Esse renascer humano onde a
reconstrução nasce dos escombros da existência, da mais dolorosa degradação que
o sistema impõe aos seres vulneráveis, aos desprotegidos de tudo. Geni
Empoderada, um diálogo intertextual com a música de Chico Buarque, representa
esse sol nascente, um reforço didático na luta pela dignidade do ser: ..."Da meretriz vagabunda / Da outra mulher
imunda / Dos homens mal-amada / Nasceu uma voz de dignidade / Um grito de
liberdade / Uma canção exaltada".
E a
lição de que o beco tem saída é expressa no poema POESIA, quando novamente a
ternura aflora quase romântica, se derramando na crença de que o verso pode
salvar o mundo, e que os jardins ainda permanecem prontos para que tenhamos a
explosão esperada, com o cheiro forte dos jasmins dos nossos quintais: "Só a poesia poderá salvar / esse mundo
provisório, / semear os campos / e os oceanos insípidos. / A poesia fará morada
/ no coração do homem". Noutro texto, O (Re) pasto do Poema, a solidariedade
para com os infelizes, num otimismo mais centrado na realidade concreta dos que
sofrem, pondo a poesia como um bálsamo, como algo que possa amenizar a dor de
que não tem mais nada a esperar da vida: "O poema (re)nasce do espanto, / à beira do caos floresce./ Beija a face
macerada / Dos infelizes / e ressurge / com o pão do dia / à mesa dos
miseráveis, / Entre os filhos da agonia".
Li
Ensaio sobre uma Canção Árida, de Natanael Lima Júnior num fôlego só, como
alguém a se afogar num mar de letras, trazendo-nos sentimentos vários, que não
sei decifrar, não sei nomeá-los por não encontrar ideias definitivas, o que é
próprio da boa literatura. Procurei, então, o viés de uma concepção otimista,
aquela procura do amor entre os seres. O túnel cheio de luzes a acreditar que o
homem tem jeito, que a transformação do bem é possível.
Pois
é, Natanael, a "Canção é tudo" e algo mais. E a Canção Árida, nem tão
áspera assim, é um dialogar com os gênios da poesia, num exercício intertextual
que deve ser levado às escolas como um instrumento teórico para as novas
gerações, e que os grandes falam as mesmas coisas de um modo próprio, peculiar.
Esta Canção é também uma viagem ao mundo de Drummond, Pessoa, Chico, Celina,
com o toque do poeta Natanael, que mantém a tradição de sua obra há mais de
trinta anos: erudição e popularidade, como se quisesse escrever para todos. E
aí nos brinda com uma espécie de Simbolismo moderno. Uma espiritualidade a não
esquecer o corpo, o material, salientando as dores humanas até seu último grau,
e, ao mesmo tempo, afagando os leitores com uma ternura a combater toda a
aridez que a existência sórdida e desumana carrega.
19 de
setembro de 2019.
*Douglas
Menezes é escritor e membro da Academia Cabense de Letras
A ARIDEZ AFETIVA DE NATANAEL
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