QUANDO A IDENTIDADE ÉTNICA TORNA-SE CONSERVADORA E REACIONÁRIA
Por
Zé de Lara*
Imag.: Reprodução
Eis uma tarefa difícil e perigosa:
sinergia entre identidade étnica, liberdade individual e distribuição de renda.
Parece simples, à primeira vista. Mas são muitos, e grandes, os “curto-circuito”
de alta periculosidade que aparecem quando você tenta misturar esses três
campos ideológicos e culturais. Quando você tenta costurar “retalhos” que
seriam, a priori, supostamente incompatíveis. (vão emergir raios e trovões imensuráveis,
mais uma vez, inevitavelmente, enquanto o ego artístico, em geral, continuar
emergindo as suas estripulias “vaidosas”.)
A trajetória a humana está repleta de
casos que exemplificam os riscos desses “curtos-circuitos” culturais e
ideológicos. No tempo do Dostoievski, a guerrinha ocorria entre niilistas,
anarquistas, marxistas, eslavófilos, ocidentalistas, cristãos ortodoxos, etc. e
então...
Quando os marxistas “bolcheviques”
tornaram-se hegemônicos, passaram a perseguir ou eliminar todos aqueles que
pensavam diferente da bula leninista. Aqui em Pernambuco, a guerrinha
existencial começa entre Gonzagão e os hippies, ou melhor: entre o patriarcado
sertanejo quase-medieval e a cultura “alternativa-contracultural”, emergente a
partir dos primórdios da década de 60. (ATUALMENTE o referido patriarcado, ultraconservador,
tem emergido, na maioria dos casos, como fundamentalismo bíblico
“recauchutado”, ou em alguma variante de “normose” coletiva, castradora e
egótica).
Foram muitos os conflitos pesados. Alguns,
inclusive, tornaram-se tabus, e a consciência coletiva nordestina sempre
preferiu evitá-los: aquela velha história de jogar pra debaixo do tapete ou
empurrar com a barriga, “clandestinamente”. E assim tivemos guerrinhas
horríveis entre armoriais e tropicalistas, por exemplo. Sem falar no bate-boca
entre Fred 04 e Ariano Suassuna, na década de 90, ou a extinção do grupo Ave
Sangria, na década de 70, por motivos mais “existenciais” que ideológicos; como
é do conhecimento da maioria dos pernambucanos. Outro aspecto interessante
dessa questão, no geral, é que ela, em alguns contextos, parece ter sido
“superada”. Mas sempre volta em outros formatos. Vai e vem, em diferentes
variantes ao longo do tempo.
É claro que nenhum nordestino, em sã
consciência, vai propor a dissolução de sua identidade étnica, em nome de um
“estrangeirismo” qualquer, por mais “avançadinho” que seja. Mas existem
simbioses que podem resgatar essa identidade, combinando-a com outras heranças
artísticas, como foi o caso do Manguebeat, que resgatou a sonoridade dos
maracatus e afoxés, misturando-a com a herança psicodélica. Por falar nisso, eu
lembro que, em meados dos anos 80, o maracatu corria um sério risco de
“extinção” ou de estado vegetativo, e aconteceu então que a alquimia musical dos
mangueboys conseguiu resgatar a herança da sonoridade afrodescendente, dentro
de uma síntese melódica que não dissolveu a identidade étnica pernambucana.
Mas, pelo contrário, a resgatou de um “limbo” onde, em alguns aspectos
específicos, ela corria um sério risco de esquecimento ou extrema
secundarização.
Hoje temos uma sincera esperança de
que, pelo menos, as guerras existenciais e estéticas sejam atenuadas, e jamais
cheguem ao nível físico, mantendo a discussão no campo especificamente
cultural, dentro de um clima minimamente democrático e verdadeiramente aberto
para debater as diferenças, e acomodá-las até onde possível seja. Evitando
também o risco de cair numa “xenofobia reversa”, que às vezes torna-se disposta
a censurar ou perseguir tudo o que não se encaixa nos pressupostos
“ideológicos” de uma identidade cultural que se transforma num clichê engessado
e estreito.
POIS É. ENTÃO TÁ.
*Zé
de Lara é
poeta e escritor pernambucano
QUANDO A IDENTIDADE ÉTNICA TORNA-SE CONSERVADORA E REACIONÁRIA
Reviewed by Natanael Lima Jr
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05:03
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