NICANOR PARRA E A ANTIPOESIA
Por José Luiz Melo
Nicanor Parra
Foto:
Divulgação
Para mim, poesia é a condição de
despertar em si e em outros, a emoção, seja ela primitiva que vem das raízes do
ser, seja ela refinada, uma paisagem, um perfume, uma obra de arte.
Assim, Nicanor Parra, apesar de se
proclamar antipoeta, para mim, foi um poeta em sua quintessência e, durante 80
anos de produção literária, influenciou diversas gerações de escritores e
movimentos de vanguarda. Entre seus admiradores estavam o romancista e
compatriota Roberto Bolaño (1953-2003), além do poeta beat Allen Ginsberg
(1926-1997).
Nascido no Chile no povoado de San
Fabian de Alico, em 5 de setembro de 1914, faleceu em 23 de janeiro passado na
cidade de Las Cruces, no litoral chileno, aos 103 anos; mesmo mês quando no
Brasil perdemos um dos expoentes de nossas letras, o escritor Carlos Heitor
Cony, longevo como ele, quase completos os 92 anos de idade.
Nicanor Parras foi irmão da celebrada
cantora chilena Violeta Parra, e juntos investigaram a música folclórica,
sobretudo a cueca, gênero dos rincões mais pobres do país.
A exemplo de outros autores que
repudiam suas obras iniciais, Parra publicou em 1937 o seu primeiro livro,
“Cancionero sem nome”, mas, apenas 17 anos depois lançou o que veio a ser
considerada sua mais importante obra, “Poemas e antipoemas”.
“Pode-se dizer que o
"antipoema" é subversivo, mas não militante, pois não toma partido
ideológico, sendo, pelo contrário, um instrumento para fazer acusações contra
as deformações das ideologias. O sistema antipoético inclui entre seus elementos:
uma personagem anti-heroica que observa no interior das casas ou se desloca por
locais públicos de espaços urbanos; o humor, a ironia, o sarcasmo, que permitem
perceber o que está oculto. Sua entonação e sintaxe não obedecem a um modelo
literário, prefere a linguagem prosaica, falada todos os dias e em todos os
cantos. Tem uma construção fragmentada e apresenta uma dissonância que evoca
montagem ou colagem.”
É de Parra a frase que marcou para
sempre o perfil daqueles que se não prendem a ideologias: “A esquerda e a
direita jamais serão vencidas. “
Por oportuno, cabe citar o grande
cineasta José Padilha, que recentemente falando sobre seu último filme “7 dias
em Entebbe”, no JC, disse: “Não diria que meus filmes são malvistos ou mal
compreendidos. Mas reconheço que sofro de um mal que gera incompreensão: não
tenho ideologia. Não sou marxista e não sou liberal. Por isto não pauto o
conteúdo ou a estética de meu trabalho de um jeito ou de outro. Em “Ônibus
174”, o personagem principal era um excluído. A esquerda adorou, a direita
odiou. No Tropa de Elite, era inimigo do excluído. A esquerda odiou, a direita
adorou”.
A exemplo do imortal poeta recifense, Joaquim Cardozo, que foi
engenheiro e calculista, Nicanor Parra também teve uma irresistível vocação pelas
ciências exatas, tendo se formado em física e matemática pela Universidade do
Chile, onde posteriormente foi professor.
Incluso um único poema de mesmo nome,
seu livro “Manifesto”, de 1963, deixa claro qual sua intenção com a poesia:
“Nós repudiamos/ a poesia de capa e espada/ a poesia de chapéu enorme/
Propiciamos em troca/ a poesia de olho nu/ a poesia a peito descoberto/a poesia
a cabeça desnuda.
Parra ainda não teve seus poemas
publicados no Brasil. Para reparar esta lacuna a editora 34 planeja lançar uma
antologia inédita, composta por 60 poemas do autor escritos entre 1954 e 1972.
DOIS POEMAS DE
NICANOR PARRA
O HOMEM
IMAGINÁRIO*
O
Homem imaginário
vive
numa mansão imaginária
rodeada
de árvores imaginárias
à
margem de um rio imaginário
Dos
muros que são imaginários
pendem
antigos quadros imaginários
irreparáveis
rachaduras imaginárias
que
representam feitos imaginários
ocorridos
em mundos imaginários
em
lugares e tempos imaginários.
Todas
as tardes imaginárias
sobe
as escadas imaginárias
e
se debruça na varanda imaginável
olhando
a paisagem imaginável
que
consiste num vale imaginário
circundado
de colinas imaginárias.
Sombras
imaginárias
vêm
pelo caminho imaginário
entoando
canções imaginárias
à
morte do sol imaginário.
E
nas noites de lua imaginária
sonha
com a mulher imaginária
que
o brindou com amor imaginário
volta
a sentir essa mesma dor
esse
mesmo prazer imaginário
e
volta a palpitar
o
coração do homem imaginário.
A MONTANHA
RUSSA
Durante
meio século
A
poesia foi
O
paraíso do bobo solene
Até
que cheguei eu
E
me instalei
Com
minha
montanha
russa
Subam,
se quiserem
Claro
que eu não me responsabilizo
se
descerem
Botando
sangue pela boca e pelo
nariz.
*Traduções
de Carlos Machado
NICANOR PARRA E A ANTIPOESIA
Reviewed by Natanael Lima Jr
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05:02
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