OS PIRATAS – TOMO IV
Faziam parte do grupo
inicial da Edições Pirata, além de Jaci Bezerra, Alberto da Cunha Melo e
Eugênia Menezes, ainda, Maria do Carmo de Oliveira, Nilza Lisboa, Amarindo
Martins de Oliveira, Andréa Mota, Vernaide Wanderlei, Ednaldo Gomes, Myriam
Brindeiro e Celina de Holanda. A proposta do DCP é trazer aos nossos leitores
uma grande parte dos poetas editados pela Edições Pirata, pernambucanos e de
outros estados. CONTINUA NA PRÓXIMA SEMANA.
Gilberto Freyre e Lêdo Ivo
LADEIRAS DE OLINDA
Myriam Brindeiro (letra e música)
Eu quero morrer aqui nessas ladeiras
Que eu sempre subi
Fazer o passo atrás de lenhadores
Ver maracatus e bumbas-meu- boi
Os papagaios contemplando a Sé
Circo Menino, jogo de botão
Fugir de casa para serenatas
Banhos na bica, cuscuz e passeatas
Jogar pelada junto ao Fortim
Bonde de Olinda tenha pena de mim
A ventania perto do Seminário
A rua estreita quase sem iluminação
Subterrâneos talvez imaginários
Ribeira dos escravos na solidão
Eu quero morrer aqui nessas ladeiras
Que eu sempre subi
Ver mamulengos quase improvisados
Homem da Meia-Noite andando na escuridão
Farolito, retretas, no Carmo a alegria
Toinho das Moças atendendo no balcão
A liberdade agora conquistada
O grito de Bernardo soando na imensidão
Pitombeiras e Elefantes de braços dados
E eu, no meu delírio, chorando na multidão.
PÁLPEBRA ABERTA
Vital Correa de Araújo
Com a
matéria da insônia teço
relâmpagos
de leite na lenta horta
do impreciso
cais onde olhos naufragam
aplico
ataduras, escuras pomadas
remédios
para que o tempo não passe
ímpetos para
o impasse
para que o
tempo cesse
ante os
umbrais longos da noite
sem pudor ou
hecatombe
para que os
vitrais do sono
se quebrem
com perícia ruidosa
e os
côncavos silêncios das ruas crestem
pois são
assaltos ao meu sono
que sucumbam
os silêncios da água
pois são
fugas para
minha sede
de sono
naufrágio do
abandono.
Que os
expostos cimentos do tempo
não fechem
minha pálpebra
nem adiem
meu tormento
não sepultem
meus olhos
nem infectem
os meus sonhos.
A CHUCA CAI SOBRE O RECIFE
Mauro Mota
(1911 – 1984)
A chuva cai
sobre o Recife devagar,
banha o
Recife, apaga a lua, lava a noite, molha o rio,
e a
madrugada neste bar.
A chuva cai
sobre o Recife devagar.
A chuva cai
sobre o telhado das casinhas de subúrbio,
canta
berceuses a doce chuva. É a voz das mães
que estão no
canto de onde a chuva agora veio.
A chuva cai,
desce das torres das igrejas do Recife,
corre nas
ruas, e nestas ruas, ainda há pouco tão vazias,
agora
passam, de capote, transeuntes
do tempo
longe, esses fantasmas de mãos frias.
MOÇA DO SOBRADO
Gilberto
Freyre (1900 – 1987)
Era
dentro de casa a vida
da
moça de sobrado,
entretendo-se
com a fala dos papagaios,
dizendo
Meu Bem,
Meu
amor, laia, Sinhá, Dondon,
(na
falta de uma voz grossa de homem)
entretendo-se
com as carícias de macaco
e
saguim
(na
ausência de uns agrados
de
rapaz)
as
lojas mandavam ao sobrado
chapéus
de abrir e de fechar,
botininhas
de duraque,
fitas
e pentes de marfim,
filós,
cetins.
Chamavam-se
os mascates
com
as varas de côvado
verdadeiras
matracas
batendo
pelas ruas.
Tanto
pano bonito, tanto frasco de cheiro
pulavam
dos baús de flandres cor-de-rosa
para
a esteira ou para cima do sofá
que
a moça de cabeção e saia de baixo
de
cabelo solto, e rodeada
de
negras, sentia-se feliz como uma menina
doente
entre brinquedos espalhados pela cama.
SONETO PURO
Lêdo
Ivo (1924 – 2012)
Fique
o amor onde está; seu movimento
nas
equações marítimas se inspire
para
que, feito o mar, não se retire
de
verdes áreas de seu vão lamento.
Seja
o amor como a vaga ao vago intento
de
ser colhida em mãos; nela se mire
e,
fiel ao seu fulcro, não admire
as
enganosas rotações do vento.
Como
o centro de tudo, não se afaste
da
razão de si mesmo, e se contente
em
luzir para o lume que o ensolara.
Seja
o amor como o tempo – não se gaste
e,
se gasto, renasça, noite clara
que
acolhe a treva, e é clara novamente.
OS PIRATAS – TOMO IV
Reviewed by Natanael Lima Jr
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06:01
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Sugiro fazer uma antologia dos Piratas.
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