NA DELEGACIA (CONTO DE PAULO CALDAS)
Paulo Caldas/Foto: Reprodução
Doutor na verdade, não era. Nem mesmo
bacharel, mas fazia o sucesso que faz um bom orador, mesmo sem títulos
acadêmicos. Palavra fácil, gestual ora acelerado, ora obedecendo a um ritmo
mais moderado. Um paletó preto, surrado, calças de cores indefinidas, óculos de
grau e um livro grosso sob o sovaco.
Na feira, em meio a toldos, subia num
banco e mandava o verbo. “Este governo que aí está é uma vergonha, uma
quadrilha organizada a sugar o povo inocente”. O Sol castiga sua calva com
pingos de suor a granel. Cala a boca, corno! Esse nojento em toda feira vem
dizer coisa que a gente não sabe o que é. Mais valia, sei lá que diabo é isso.
Vai arrumar uma lavagem de roupa anticristo.
Isso ele considerava pregar num Saara,
como um conde a falar com passarinhos. Em Vitória de Santo Antão foi preso. Na
pregação, esculhambou coronel Aprígio, chefe político local.
Na delegacia, ouviram-se as últimas
palavras do comissário de plantão.
- Raspa o cabelo desse frango e recolhe!
A partir daí ficou numa cela de cuecas em
companhia de dois marginais.
Um de cor escura, alto, magro, olhos
esbugalhados, faltavam-lhe uns dentes, de nome Dionísio, vulgo Bode Preto. E um
sarará, magro e baixo, Amaro Pedro, famoso batedor de carteiras conhecido por
Mãozinha.
Naquele momento eles discutiam qual era o
mais cruel com a sociedade.
- Tá na cara que é tu, Bode. Além de
arrombar as casas, ainda mata o povo que tá dentro.
- Tás conversando merda. E tu? Sois tão
bonzinho, roubando o dinheiro da feira dos pais de família.
- Pera aí, vamos perguntar aqui ao colega que
chegou agora quem é o pior.
- Perdão, camaradas, mas é uma
indagação difícil por demais. Não saberia responder assim, de chofre,
precisaria de mais reflexão, de ouvir outras pessoas.
Os dois continuaram o bate-boca até que
Mãozinha resolve mudar de assunto.
- Como é mesmo o nome do colega novato?
- Justiniano, pode me chamar de Justo,
ao seu dispor.
- E por que o doutor foi preso?
- Como sempre de forma injusta, meu
caro Bode. Minha luta é defender a igualdade de direitos entre os cidadãos, com
as mesmas oportunidades para todos.
- Só por isso?
- Só por isso, Mãozinha.
- Pois é, doutor, essa polícia não
entende a gente.
NA DELEGACIA (CONTO DE PAULO CALDAS)
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
07:01
Rating:
Nenhum comentário