POETA DO DOMINGO

A poesia de Josessandro de Andrade*


Josessandro é poeta, professor,
compositor e autor teatral




O poema e o poeta

A Wilson Freire (Bida)


O poema é o tecido vivo
de carnes e nervos
que o poeta costura
e acaricia com palavras.

O poema é o projetor
do néctar do verbo
que o poema acolhe
de imagens e símbolos.

Ambos tem o ofício
de cumprir a dura missão
de tornar a vida mais aberta
menos triste e mais real.

(1990)



Cala boca, minha vida

A Maurício Floriano e Madson Vaz


A incógnita pendurada
No trapézio do crânio dos que me conhecem.
Sou, como e quando visto
A pele da dúvida em mutação:
Eu, cafajeste sem cabeça
Pintando nas telas dos jornais
Eu, o anjo das mil caras
Crucificado em telegramas clandestinos
E condenado nos becos ocultos
Das mesas e comitês centrais
Eu, o violador de covas
De uma cidade fria
Eu, o bruxo renovado
A cooptar ovelhas brancas
E a semear vertigens
Mil e uma vezes
A mentira apropriando-se
Dos escombros da realidade.
Agora, o eu puramente
Encarnado de espíritos desconhecidos
O eu revelando a ponta da faca
Nas chagas secas,
Os meus trinta minutos
De expectativas teatrais,
O ator fracassado no palco
O silencioso combate nas ruas,
O grito de pavor
Que escorre do ventre dos precipícios.
Nas fronteiras do futuro,
A cerca imperdoável do passado,
Pondo a nu o imposto dos erros,
O cineasta esquecido
E a arquivada loucura estética,
explodindo as imagens incompreendidas
da bolha de fogo
incendiando os pés nervosos de balé vencido
pelo chão e pelas horas
e a ninguém restará
a arrogância decepada de razão
e a ninguém será doado
o choro de cebola cortada
pelos crocodilos do tempo
A vida com seus Corvos humildes
E abutres pacientes
Virá devorar a roupagem áspera
De um cartaz abandonado
Nos braços enrugados das praças
As sílabas perdidas
Nos labirintos dos bares
Faço dos meus dedos
a pena que registra a comunhão
do meu sofrer e do meu gozo
já desprovido de centelhas arrebatadoras
já castrado do amor pela mulher dos escritórios
já gerenciando as flechas e as flores
já incorporando as raízes
que irrigam a energia
de minha diferença plena e livre
como o amor enfurecido
dos cavalos do cão.

(1992)



*Josessandro de Andrade é Membro da Comissão Estadual  Setorial de Literatura de Pernambuco como representante do Sertão, Coordenador de Literatura da Comissão Representativa de Cultura da Microrregião Sertão do Moxotó e Vencedor do Prêmio Nacional Viva a Leitura 2009, do MEC e do MINC., em São Paulo, SP.
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