POETA DO DOMINGO

A poesia de Vernaide Wanderley


Vernaide Wanderley
Foto: Divulgação





MALDITA INCOMPETÊNCIA

Tenho todo o tempo do mundo
e a literatura fugiu de mim
foram-se as mãos e os símbolos
sobre o branco destas páginas
Maldita incompetência
reafinada pela  solidão
pelo disfarce das hora
dessa alma extraída de mim;
Vento uivante sobre a ausência de alma,
experiência mórbida e antecipada
que consagrou pedaços de carne
com os quais sobrevivo e danço
Poderia partir mais depressa
pelos espelhos ou grades da varanda
desfazendo as milenares faces
de juventude e seus repiques de sol
desfigurando a realeza festiva
dos que sabem quase nada
e enfrentam as tempestades
as correntezas e até o desamor
Partiria muito mais depressa,
porque sou poeta troquei
e empenhei a alma pelas rimas.


PARA OS QUE CHEGAM

A compreensão
desta mulher enrodilhada,
deste sol em desalinho
que conta passos, batentes,
e o rosa-pálido do tempo,  
pode perdoar a falta de lucidez
que se expõe astuta e a faz refém.
Naquele corpo,
teimosos fragmentos de fascínio
expõem a verdade que ela é
depois dos tantos cotidianos
que exigem, determinam e aliciam,
um corpo que se quer santuário para outros.
Naquela fêmea
deslavada e nos seus tremores de aço,
guardam-se suores que gozam
com jeitos maroto e parceiro,
aqueles que ela quis sem medo,
mas quase os arrancaram ontem.


FÚRIA DAS FÚRIAS

estou no lugar marcado,
poucos lampiões resistem
à noite em desgoverno:
romaria de barcaças
vão sendo quebradas
uma a uma
pela fúria do vento
e ameaças de borrascas
meu corpo sinaliza cansaço...
as luzes piscam intermitentes
como se antecipassem
endechas
e o relógio da lua corre
por trás das nuvens prenhas
de chuva
e o amor demora tanto
tanto e mais quantos tantos
até apagar o prazo
de validade dos amantes



*Vernaide Wanderley é escritora, poeta, nasceu em Patos, PB. Veio estudar no Recife, ainda adolescente e aqui permanece até hoje como uma paraibana-pernambucana. Por todo seu tempo de trabalho, foi pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco – Recife, PE, e tem Doutorado em Geografia Humanística (UNESP, SP). Sempre publicou seus poemas na imprensa local e nacional e tem participação em diversas antologias nacionais e estrangeiras. Pertence à Geração 65 e participou do movimento editorial das Edições Pirata. Publicou Tatuagem (Poesia, Edições Bagaço, 1981), Litorgia (Poesia, Editora União, 1987), Duas histórias de guia (Literatura infantil, Fundarpe, 1990 1ª Ed.; Bagaço 2ª Ed.), Rota dos inocentes (Conto-poema, Fundarpe/Cepe, 1992), Viagem ao sertão brasileiro – Uma visão geo-antropológica de Ariano Suassuna (Co-autoria – Cepe/Fundarpe, 1998), As raízes que invadiram a casa (Romance, Editora Patuá, SP, 2012).
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