ENTREVISTA COM WELLINGTON DE MELO
“Costumo dizer que tenho cinco clones
e que cada um desempenha papéis diferentes. Agora, quem responde esta
entrevista, por exemplo, é o Wellington 5. O Wellington 1 deve estar escrevendo
seu novo romance, À sombra do pai. Wellington 2 está cuidando do jantar. Os
outros não passaram a agenda”.
Wellington
de Melo/Foto: Divulgação
O DCP traz esta semana uma entrevista
inédita com Wellington de Melo que é poeta, romancista, professor e tradutor.
Nasceu na cidade do Recife. Publicou diversos livros de poesia e o mais recente
romance Estrangeiro no labirinto foi
semifinalista do Prêmio Portugal Telecom. Ocupa desde 2011 o cargo de
Coordenador de Literatura da Secretaria de Cultura
de Pernambuco. É editor do selo Mariposa Cartonera.
DCP
–
Poeta, romancista, editor e gestor de literatura. O que mais pesa no cotidiano
de Wellington de Melo?
WM
-
Costumo dizer que tenho cinco clones e que cada um desempenha papéis
diferentes. Agora, quem responde esta entrevista, por exemplo, é o Wellington
5. O Wellington 1 deve estar escrevendo seu novo romance, À sombra do pai.
Wellington 2 está cuidando do jantar. Os outros não passaram a agenda. No final
das contas, quando você faz o que gosta, sempre arranja tempo. É uma questão de
prioridades. Como tenho sorte de fazer tudo o que gosto, nada pesa.
DCP
–
Por que a escolha do estilo “cartonero” para suas produções, o mercado formal
não interessa?
WM
-
Publiquei um livro no formato, O caçador de mariposas, e fiz
versões customizadas de outros dois livros (O diálogo das coisas e
Desvirtual provisório), mas também já publiquei em formatos tradicionais.
Meu livro mais recente (o romance Estrangeiro no labirinto) saiu
pela Confraria do Vento. Na verdade, acredito que o autor deve ter liberdade de
escolher como fazer circular seu trabalho. Atualmente, o movimento cartonero
tem me interessado bastante pela autonomia que possibilita e pelo trabalho
colaborativo em rede que pressupõe. Nesse sentido, supera em muito a
experiência de uma publicação tradicional. Uma coisa que cada vez mais tenho
colocado em questão é o modelo tradicional de distribuição, que a meu ver está
fadado à extinção em alguns anos. Mas isso daria uma longa conversa.
DCP
–
Como você analisa as políticas do Estado em relação à produção de
literatura na atualidade?
WM
-
É um pouco complicado falar de minha posição, pois seria advogar em causa
própria, já que ocupo a pasta do setor na Secretaria de Cultura. De qualquer
forma, creio que avançamos muito nos últimos anos, isso é perceptível. Foram
criados dois eventos internacionais de literatura (Clisertão – Congresso
Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão e FIP – Festival
Internacional de Poesia do Recife), um prêmio literário estadual, um espaço
exclusivo para literatura no FIG (a Praça da Palavra) além de um aumento
significativo dos investimentos para o setor. Ampliou-se o diálogo com a
sociedade e o processo de cogestão, além do trabalho constante para a
construção de políticas públicas sólidas para a literatura. Mas ainda há muito
o que ser feito.
DCP
–
Com o romance: Estrangeiro no Labirinto, você foi
semifinalista do Prêmio Portugal Telecom no ano 2014. Com o livro de
poemas: O Caçador de Mariposas, você exerce uma poética de
rara beleza formal e estética, provando ter alcançado um amadurecimento como
poeta. O fiel da balança penderá para que lado, prosa ou poesia?
WM
-
Os gêneros servem ao autor e não o contrário. Escolho o gênero em função do que
quero dizer e não a partir de uma preferência pessoal. Talvez um dia queira
dizer algo através de um texto dramático, então escreverei uma peça ou um
roteiro para cinema, o que seja. Então isso de ficção ou poesia não me
interessa muito. Aliás, creio que a poesia é muito mais uma essência, algo que
permeia toda a produção artística, do que um gênero. Se escrevo um texto em
ficção, a poesia deve estar lá.
DCP
–
A cidade do Recife foi palco para grandes poetas e de muitos movimentos
literários, como você ver hoje o movimento poético em nossa cidade?
WM
-
Recife sempre teve uma grande efervescência cultural na literatura e uma
tendência na criação de grupos e coletivos de poetas. Isso, de alguma forma, se
preserva. Mas acho que há menos espírito coletivo de construção de um
“movimento” e mais uma profusão de grupos com seus interesses e projetos
próprios, o que não é necessariamente um problema. No final, o que interessa
para a produção literária é o trabalho solitário diante do papel mais do que a
algaravia.
DCP
–
Livro impresso ou e-books, como você vê o mercado editorial a partir da revolução digital?
WM
-
Não há por que escolher um dos dois. Os hábitos de leitura estão mudando e é
prematuro dizer quanto as novas gerações assimilarão as novas tecnologias. Mas
acho que os e-readers ainda conviverão muito tempo com o formato de papel,
principalmente para a leitura de fruição. No caso da leitura técnica, acho que
a migração será mais natural, mas creio que a leitura do texto literário, que
envolve aspectos sensoriais com mais intensidade, essa deve migrar de forma
mais lenta e gradual, na medida em que as novas gerações assimilem as novas
tecnologias, como aconteceu com o CD e depois com o iPod e similares.
DCP
–
Qual a importância dos blogs literários para a literatura na atualidade?
WM
-
Os blogs e portais literários desempenham um papel importante na legitimação da
obra literária e ocupam um espaço cada vez menos ocupado pela mídia
tradicional, a despeito dos excelentes – mas poucos – suplementos literários do
país. A tendência, a meu ver, é que aumente a quantidade de blogs, mas que
sejam cada vez mais segmentados. Há blogs especializados em best sellers
internacionais, outros voltados para literatura infanto juvenil, outros focados
para a produção local etc. Cada um deles vai conquistando seu espaço e seus
leitores paulatinamente. Mas acho que é um nicho cuja sustentabilidade é muito
difícil fora do trabalho militante ou dos editais públicos, o que é uma pena.
Espero que se possa encontrar novos modelos de negócio que viabilizem essas
iniciativas para além das verbas públicas. Esse é um desafio que pertence aos
leitores e aos escritores, igualmente.
ENTREVISTA COM WELLINGTON DE MELO
Reviewed by Natanael Lima Jr
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08:29
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