CONTO DO DOMINGO
Um cochilo depois
do jantar (conto) de Gerusa Leal*
Gerusa Leal/Foto: Reprodução
Quando
parava o que estava fazendo, percebia o quanto o apartamento era grande e
silencioso àquela hora da tarde. Encaixou Autran Dourado entre Augusto dos
Anjos e Balsac, imaginou o que pensariam os autores, das improváveis companhias
a que a vizinhança na estante os obrigava. Depois ajoelhou no chão e acabou de
organizar a prateleira de baixo da última estante.
Guardou
o CD, colocou o último livro na prateleira. Queria tudo perfeito. Forrou a
toalha branca, pôs o prato, o talher, a taça, o arranjo de flores. Passou na
cozinha, conferiu o assado, foi para o chuveiro. Amanhã a poeira voltaria a se
depositar, feito todos os dias. Mas não importava. Não a incomodaria mais.
Lembrou
que não havia trocado o lençol da cama. Deixou para lá. Talvez ninguém passasse
da sala mesmo.
Degustava
o tender saboreando o contraste do salgado da carne e o agridoce do molho com
cereja. O vinho aquecia por dentro. A luz das velas era suave e oscilante.
Feito a da televisão no escuro da sala.
Chegou
mais uma vez a gaveta dos documentos, todos os importantes estavam ali. Não
queria dificultar a vida de ninguém. Sentou no sofá e começou a ver o especial,
recostada nas almofadas. Logo cedo, a faxineira ligou para a filha da patroa.
Não era notícia que ninguém gostasse de dar, principalmente numa manhã de
Natal. Mas o que é que ela podia fazer? Pelo menos a patroa já estava no seu
melhor vestido, o par de sapatos preferidos, bem penteada e maquiada. Ela de
fato nunca gostava de dar trabalho a ninguém.
Era um
bom emprego, ia sentir falta. Da patroa também, é claro.
*Transcrito
do livro “Mosaico”, Edições Interpoética, 2013
CONTO DO DOMINGO
Reviewed by Natanael Lima Jr
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08:05
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