ENTREVISTA COM A ESCRITORA TACIANA VALENÇA*
*Entrevista
concedida a Frederico Spencer, editor do DCP
“Acho que os
blogs têm uma grande importância no cenário literário. Claro que, como tudo na
internet, existem aqueles irresponsáveis, que não tem os cuidados com as
informações e, além disso, detonam a nossa língua, sem maiores preocupações,
desrespeitando o público leitor”.
Taciana Valença
Foto: reprodução
Taciana Valença concede entrevista ao
DCP e fala sobre sua produção, a produção literária feminina, as políticas
públicas de literatura, no âmbito do estado, a sua atuação como editora, entre
outros assuntos.
Taciana Valença é poeta, editora da
Revista Perto de Casa e também edita o blog Ensaiando Poesias.
DCP
–
Esposa, mãe, blogueira, produtora cultural, editora de uma revista e atleta de
natação, onde a poesia entra na sua vida?
TV
-
A poesia para mim sempre foi um
refúgio, um esconderijo, uma válvula de escape. Comecei a escrever poesias aos
11 anos. Não fui uma criança falastrona, nem exagerada. Era tímida e discreta
(aliás, detesto exageros e pessoas que gostam de chamar a atenção). Na época,
afogava todos os sentimentos na natação e nas poesias, escritas em cadernos
diversos (coisas que faço até hoje).
DCP – Segundo Gilberto Freyre, Recife é uma cidade masculina, como você vê a
produção literária feminina na cidade?
TV - Sim,
sempre “O Recife” dos arrecifes, dos poetas do Savoy, cujas reuniões viajaria
no tempo apenas para poder presenciar. Já escrevi uma crônica sobre isso e vez
por outra afirmo, sou um poeta reencarnado em mulher, uma das cujas quem tanto
proferi. Devo ter sido um daqueles boêmios que ficava em mesas de bar,
rabiscando poesias e procurando respostas no fundo dos copos. Mas existem as
ilhas, lindas e femininas que se banham nas águas mornas e se gabam da imensidão
do mar e rios a lamberem seus pés. São elas, as três partes femininas do macho
Recife, que para mim não tem sexo, excluindo-se a regra do artigo pela formação
da palavra, como a boa literatura também não o tem. A produção literária
feminina avança, conforme avançam todas as conquistas da mulher. Pela primeira
vez uma mulher está no comando da Academia Pernambucana de Letras, a escritora
e antropóloga Fátima Quintas. São avanços significativos para uma sociedade,
ainda, predominantemente machista. Tenho feito trabalhos incríveis com
escritoras e poetisas da cidade. Jogamo-nos de corpo e alma. Esse sentir nos
invade de forma diferente e não são todas que se deixam levar. Mas sei, as que
se jogam, carregam outras e outras, saltando dessas ilhas cheias de segredos,
sentimentos e magias. A literatura é contagiante.
DCP – Onde sua poética se misturam a paixão pelo mar e a praia de Piedade?
TV - Passei
minha infância e adolescência convivendo com o mar. Primeiro em Boa Viagem,
depois em Piedade, onde só saí quando casei. A praia de Piedade era
praticamente minha casa, portanto, minha comunhão com o mar é algo que nem
mesmo consigo explicar, daí também a paixão pela natação. Aliás, sinto-me
à vontade com a água, que para mim é sinônimo de vida. E o mar é tudo isso
junto, vida, imensidão e mistério. Minhas primeiras poesias foram feitas em
Piedade e todos os sentimentos são assim, jogados a ele, como oferendas. Tudo
cabe nele: amor, desilusão, angústias, alegrias e tristezas. Lembro que numa
época da minha vida me vi muito triste e corri para chorar na beira do mar,
como se naquele momento apenas ele me entendesse. É estranho, é um pouco
“viajante”, mas é assim que sinto. Poesia, mar e Piedade, o princípio de tudo.
DCP – Nos versos: “Quem sabe encontraria a ampulheta/E deste feito saberia
então/Quantos grãos de areia restam/Para que te conheça nesse nosso tempo”. Há
uma desventura no ato de amar?
TV - De
certa forma sim. Amar é uma felicidade que dói. Dói quando não sabemos por onde
ir, exatamente, para tocar a quem amamos, nem o que fazer para ajudá-lo. E
ajudando, ajudarmos a nós mesmos. Não é assim? E o tempo para mim é essa
agonia, esse vão onde estamos e onde devemos resolver tudo o que nos cabe,
antes que termine, pois nosso tempo aqui é muito curto. Indubitavelmente
teremos que levar tarefas não cumpridas para outras dimensões, mas, nesse caso,
prefiro não contar muito como o desconhecido. Talvez isso me deixe um pouco
ansiosa. A ampulheta representa essa angústia.
DCP – Qual a sua opinião sobre as políticas públicas na área de literatura no
Estado de Pernambuco?
TV - Ainda
estamos muito longe de uma política pública adequada no que diz respeito à
literatura. A sensação é de que as coisas andam um pouco soltas. O acesso é
para os privilegiados, que podem comprar os livros que desejam e desfrutar de
ambientes agradáveis para tal. As bibliotecas públicas tem muitas carências e a
impressão que dá é que tudo fica pelo caminho. Para execução de projetos ao
público, contamos com o Funcultura, uma opção onde o Estado dispõe de verbas
para execução de sites, livros e revistas, porém, que, ao longo dos anos, tem
tido falhas diversas, como os atrasos na divulgação dos resultados. Alguns
escritores que conheço já desistiram de colocar seus projetos por dizerem que
nunca são aprovados. Bem, mas neste
ponto devo considerar os critérios de corte, que são vários e sobre os quais
não tenho maiores conhecimentos. É sim, um bom incentivo do Estado, mas ele
está pagando para esses eventos culturais (todos eles, em áreas diversas).
Acho que o Estado deveria tomar para si algumas grandes responsabilidades, como
as bibliotecas públicas e investimentos na cultura de um modo geral.
DCP – Como fazer uma revista trimestral, resistência ou estratégia?
TV - Ambos.
Começar uma revista com um esboço e esperar pacientemente, visita após visita,
edição após edição, que as pessoas acreditem e confiem em seu trabalho é algo
que exige muita paciência e determinação. Em maio a Perto de Casa completa sete
anos de circulação e posso afirmar que, mesmo sendo administradora por
formação, a paixão vence a estratégia. Não é fácil manter a revista. O custo é
alto e o trabalho é de formiguinha. Mas hoje, creio que carrega nossa cultura,
desbravando artes, artistas, literatura, turismo local e tantos outros assuntos
voltados para o público que conquistou ao longo dos anos. Tendo como parceira a
própria Prefeitura do Recife, de certa forma, mostra que andei caminhando
certinho, dentro do meu propósito.
DCP – Qual a sua opinião sobre o papel dos blogs no atual cenário literário?
TV - Acho
que os blogs tem uma grande importância no cenário literário. Claro que, como
tudo na internet, existem aqueles irresponsáveis, que não tem os cuidados com
as informações e, além disso, detonam a nossa língua, sem maiores preocupações,
desrespeitando o público leitor. Mas
isso, creio que os internautas já estão aprendendo a reconhecer. O leitor
sério, claro, que deseja uma ferramenta segura de informações. Portanto, blogs
como o Domingo com Poesia, que sabemos por quem são feitos e o nível de
responsabilidade, só tem a acrescentar aos admiradores literatura.
DCP – Como você vê o crescimento da produção dos e-books no mundo, uma ameaça
aos livros impressos ou mais uma forma de incentivo à leitura?
TV - Sem sombra de dúvida, apenas mais uma
ferramenta de leitura. Não acho que seja ameaça aos livros. Eu sou uma daquelas
que gosta de pegar no livro, deixar o marcador, sentir o cheiro, ir, voltar,
riscar, enfim, acho que nada substitui esse contato. Porém, evoluímos e poder
contar com e-books quando estamos viajando, parados num aeroporto, entre outras
situações é magnífico. Quando surgiu o rádio, o jornal estava ameaçado, depois
a TV ameaçaria o rádio e por aí vai. Estão todos aí e usufruímos de todos eles
de acordo com nossas necessidades e situações do dia a dia. Já me disseram que
o futuro da minha revista é ser virtual. Ela já é, também, virtual, está no
site. Porém, sei que tenho leitores que, como eu, gostam de pegar, de guardar,
de ter certas informações à mão. Os e-books vieram para ficar, mas não os vejo
como ameaça.
ENTREVISTA COM A ESCRITORA TACIANA VALENÇA*
Reviewed by Natanael Lima Jr
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