CONTO DA SEMANA
Um mundo, de
Anderson Paes Barreto*
O mundo está
carente. O mundo pediu ao Papa que o abençoasse e colocasse sua santa mão sobre
a sua cabeça. O mundo é como um dragão de sete cabeças. Todas carentes. O mundo
foi à praia tomar sol para sentir o ardor da pele queimada e confirmar que tem
o corpo vivo. O mundo tirou a camisa e foi andar no calçadão para ter a certeza
de que era visto. O mundo quer ser visto. O mundo mudou desde que acessou pela
primeira vez a internet. O mundo comprou bilhões de aparelhos “inteligentes”
para sentir-se mais in, por mais que out. O mundo está por fora. O mundo tirou
uma foto de si mesmo e publicou em sua página oficial de ilustre desconhecido.
Precisa afirmar-se. O mundo mudou de nome porque quis ser original. O mundo
ficou ridículo com o cabelo pintado e a roupa da tendência. O mundo quis
conhecer o outro lado do mundo. Quando encontrou um espelho, o mundo quis
gritar e ficou mudo. O mundo quase também ficou cego e surdo. Procurou canções novas
para ouvir, mas não tinha bom gosto, acostumado a escutar músicas de ônibus. O
mundo comprou um carro e parcelou em 365 meses e 12 dias. O mundo quis
apaixonar-se, mas não sabia dar-se de corpo e alma. O mundo é desalmado. O
mundo achou bem feito o assassino ser assassinado pela polícia. O mundo é
descarado. Meteu a cara onde não foi chamado e levou um fora da paquera. O
mundo já era. A era de ouro do mundo ou já passou ou nunca existiu. O mundo não
existe. O mundo foi ao cinema para ter a certeza de que a sua vida não era
ficção. O mundo não tinha carteira de estudante e nunca gostou de estudar
porque tem preguiça de ler. O mundo é medíocre. O mundo passou a vida inteira
em subempregos que apenas pagavam o aluguel. O mundo não tem nada além de si
mesmo. O mundo quis mudar de vida, mas não soube como e pensou em jogar-se do
prédio mais alto. O mundo é inútil. O mundo desistiu de desistir e recomeçou a
vida vendendo flores na feira. O mundo teve esperança em si mesmo ao ver os
ramos crescerem. O mundo é confuso. Casou-se com uma jardineira e teve oito
filhos cujos nomes começam todos com a letra M.
*Anderson
Paes Barreto
é contista, jornalista e membro da Academia de Letras de Jaboatão dos
Guararapes
CONTO DA SEMANA
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
09:02
Rating:
Muito Massa!
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