ENTREVISTA COM MARIA DE LOURDES HORTAS
“Os blogs literários são um fenômeno relativamente novo, mas
de suma importância, não só na divulgação da literatura, mas como
forma de democratizá-la, tornando-a mais acessível ao
grande público”.
Maria
de Lourdes Hortas
Foto:
Reprodução
Maria
de Lourdes Hortas concede entrevista exclusiva ao DCP e fala sobre sua infância
em Portugal, sua relação com a poesia, sobre o movimento literário do Recife,
as Edições Pirata, sobre a produção literária atual no estado, entre outros
assuntos.
A
poetisa luso-brasileira Maria de Lourdes Hortas nasceu em São Vicente da Beira, Beira Baixa,
Portugal. Com 10 anos, acompanhada da sua família, veio para o Recife, onde
reside até hoje. É poeta, escritora, ensaísta e artista plástica.
Conquistou
vários prêmios literários, entre eles: Prêmio Fernando Chinaglia, da UBE-RJ, com
o romance Diário das Chuvas (1981); Prêmio Mauro Mota, da FUNDARPE/Governo de
Pernambuco, com o livro de poesia Outro Corpo (1988); Prêmio Jorge de Lima, da
Academia Mineira de Letras, com o livro de poesia Fonte de Pássaros (2001);
Prêmio José Cabaça, da UBE-RJ, com o romance Caixa de Retratos (2004); entre
outros.
Publicou
10 livros de poesia, entre eles Fio de Lã, Outro Corpo, Dança das Heras, Fonte
de Pássaros e Rumor de Vento. Como ficcionista publicou: Adeus Aldeia (1990);
Diário das Chuvas (1995); Caixa de Retratos (2003). Organizou as antologias
Palavra de Mulher (1979) e Poetas Portugueses Contemporâneos (1985). Foi
coordenadora das Galerias de Arte BeloBelo, em Recife e em Braga (Portugal). Há
cerca de 11 anos enveredou pelas artes plásticas.
Integrou
o Conselho Editorial do jornal literário "Cultura & Tempo"
(1981/1983) e da revista "Pirata Edições" (1983/1984), com
participação também na coordenação do Movimento das Edições Pirata (1980/1986),
do Recife; participou de várias gestões como diretora cultural do Gabinete
Português de Leitura de Pernambuco, onde, atualmente, mais uma vez, exerce o
cargo e dirige a revista "Encontro". Na web edita o blog literário
Poesia de Maria de Lourdes Horta .
DCP – Outubro de
1950 marcou uma cisão em sua vida, saiu de uma pequena aldeia de Portugal,
atravessou o Atlântico e desembarcou numa cidade que se abria para o
desenvolvimento. Até onde resiste em sua poesia esse tempo português?
MLH - Esse corte na
minha vida foi sem dúvida o que me direcionou
para escrever. Logo nos primeiros
tempos do colégio no Recife, nas redações
das aulas de português, eu dava
um jeito de escrever sobre as minhas lembranças, reconstruindo o universo
perdido da infância. Por volta dos doze anos comecei a me trancar no quarto
para escrever. Eram fragmentos de versos, cançõezinhas que eu inventava, em
papéis soltos. Depois rasgava tudo e jogava os fragmentos pela janela que dava para um terreno baldio.
Ficava assistindo o borboletear das minhas palavras, levadas pelo vento, e me
sentia feliz. Mais tarde li um poema de Pessoa, onde ele dizia: Da janela do
meu quarto digo adeus aos meus versos que partem para o mundo…
DCP – Posto que a
poesia se rebela contra a razão, para a transfiguração de uma realidade que
foge do simbólico! – A poesia em sua essência é puramente feminina?
MLH - Investigar se
a poesia em sua essência é puramente feminina parece-me tão desnecessário
quanto procurar saber qual o sexo dos anjos. A grande literatura de todos os
tempos e geografias, aquela que
sobrevive a modismos e maneirismos, é aquela que transporta em si a
essência do ser humano, seja homem, ou
mulher. No meu entender, não existe literatura feminina, ou masculina.
Existem textos e poemas bem ou mal
escritos quer por homens, quer por mulheres. Ocorre, no entanto, que a mulher
pode falar melhor do que lhe é pertinente, da sua condição feminina como um
todo. Mas essa já é outra questão...
DCP – O verde
aldeão, a paz do campo e o tempo que passa se arrastando. Quanto ainda esta
referência te alimenta para escrever?
MLH - Essas
referências estão sempre presentes em mim e por vezes necessito delas, na
poesia e na vida. Entretanto, quando a poesia
me chama, abstraio-me do tempo e do
espaço. Então o que importa é a urgência
da escrita. E, se “o verde aldeão” aparecer, eu o deixo entrar.
DCP – Literatura é
inspiração ou transpiração?
MLH - Esses dois
ingredientes são quase sempre necessários para que aconteça a química da
poesia. Não creio em poesia por encomenda, ou como jogo de palavras. No meu
processo de escrita há sempre algo que detona o poema: um sentimento, um som,
uma palavra, uma lembrança… Isso seria a inspiração. Depois vem o segundo
momento, a tão decantada transpiração.
Enfim: poesia é Arte e, como tal, tem os seus bastidores, a sua oficina.
Raramente o poema vem pronto. Mas pode acontecer. Por exemplo, uma vez sonhei
com um poema: acordei, anotei-o e ficou exatamente como o li no meu sonho.
DCP – O que
representou para você o movimento das Edições Pirata?
MLH - No
Recife dos anos oitenta, a Pirata surgiu com grande força, movimento
alternativo de literatura, que se comunicou com os demais movimentos de igual
teor, que então aconteciam por toda a parte em nosso país. O movimento das
Edições Pirata teve importância, peso e significado no contexto sociopolítico da sua época. Esse período, para quem dele
participou, é inesquecível. Havia
sonho, seiva e esperança. Quanto a mim, posso dizer que a
Pirata me abriu caminhos e alargou horizontes.
DCP – As Edições
Pirata foi carregada de poetisas, várias delas participaram de modo efetivo
para a realização das edições dos livros. Como você vê hoje a poesia feminina
no Recife?
MLH - O Recife é um
celeiro de boa poesia, escrita por homens e mulheres. Muitos nomes se destacam
e extrapolam os limites geográficos. O número de poetisas é grande. Poderia citar algumas de
minha preferência e afinidade, mas já que estamos falando das Edições Pirata, lembro, com admiração e saudade,
aquela que foi a grande musa do movimento:
Celina de Holanda.
DCP – Como você vê
hoje a literatura no estado?
MLH - Lamento a
ausência dos antigos suplementos literários nos Jornais do Recife, que
semanalmente nos mantinham informados da vida cultural da cidade. Também
lamento a extinção de lugares onde
poetas e escritores se encontravam como acontecia, por exemplo, nos anos 80 e
90, na Livro Sete. Lembro com saudade os bate-papos sobre literatura, convívio
de escritores em suas casas ou em bares, como o Savoy, por exemplo, e tantos
outros. Não estou filiada a nenhuma das várias
Academias Literárias de Pernambuco, onde certamente muitos eventos
ocorrem, por isso fica difícil fazer uma avaliação. Mas parece-me que
hoje, quer no Recife, quer no resto do
país, quer aquém, quer além-mar, não há
grande efervescência na Literatura.
Aliás, nas visitas que faço ás
livrarias, posso constatar isso: há muito espaço para livros de autoajuda, e
pouco ou nenhum espaço para a Poesia.
DCP – Qual a
importância dos blogs literários para a literatura hoje?
MLH - Os blogs
literários são um fenômeno relativamente novo, mas de suma importância, não só
na divulgação da literatura, mas como
forma de democratizá-la, tornando-a mais
acessível ao grande público. Por outro lado, são um excelente suporte para os autores. Neles,
qualquer candidato a poeta ou escritor, pode publicar seus textos e poemas sem
precisar de editor, ou do favor de que alguém lhe arrume um cantinho numa
página de um obscuro jornal… Através dos blogs e sites de poesia, entre a avalanches de textos, encontramos
poetas que, por vezes, nos surpreendem pela qualidade do que
escrevem. Fico feliz quando isso ocorre,
sobretudo quando se trata de jovens
poetas: isso me dá a certeza de que, sob a
aparência morna das cinzas, a chama da poesia permanece acesa.
*Conheça
mais de Maria de Lourdes Hortas acessando o seu blog:http://mariadelourdeshortas.blogspot.com.br/
ENTREVISTA COM MARIA DE LOURDES HORTAS
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
10:19
Rating:
Parabéns, Natanael Lima Jr. e Frederico Spencer. Muito boa e oportuna a entrevista desta sempre presente poetisa luso-brasileira. Maria de Lourdes Hortas é um exemplo de mulher dedicada à Literatura, renovando, na convivência com os amigos e amigas, a juventude do seu poético coração.
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