A CULPA É DO WORD
por
Alexandre Leite*
A
imagem subjugando a palavra, escravizando o autor. Redações do Enem com notas
que envergonham. Num mundo construído por selfies, erguido pela ostentação
visual, para que escrever? A literatura está se tornando a arte do
desqualificado, ela nada mais exige além de um editor de texto com corretor
ortográfico e revisão gramatical.
Img:
reprodução
Verão
no Rio de Janeiro, sensação térmica que algumas vezes beira os 50 graus, é
difícil pensar, difícil ser condescendente. Diante desses fatos, perdoem
qualquer rabugice que transpareça nesta breve crônica sobre os descaminhos da
literatura.
Antes
da revolução da informática, antes do Windows, antes do Word, a literatura
refletia um ofício artesanal. As palavras costuravam histórias nas velhas
máquinas de escrever, havia um orgulho, um sentimento de estimação pelas
falecidas Olivetti, Remington, etc. Hoje, tais lembranças são sucatas.
Contraditoriamente, a era digital e os moderníssimos editores de texto estão
sucateando a própria literatura.
O
que no passado foi um sacerdócio, atualmente é um processo industrial.
Escritores
produzem freneticamente e consideram que somente os calhamaços se assemelham ao
que entendem como livro. Sim, o livro precisa ser robusto, pesado e com uma
capa óbvia e colorida. Talvez, nem a leitura seja tão importante, o que importa
é a estante e como o volume impresso irá decorá-la. Depois é tirar uma selfie
exibindo a lombada ao fundo e passar a ideia de um dedicado leitor e
intelectual no Facebook. Como a ostentação virtual se transformou na maior
aliada da mentira, não se espante caso descubra que a foto na Rede Virtual
espelha uma farsa brega.
Consta
na última pesquisa do IBOPE que o Brasil possui a esquálida quantidade de 88
milhões de leitores, que corresponde a 50% dos 178 milhões de brasileiros.
Acrescente-se a isso um detalhe crucial: os brasileiros cada vez mais preferem
a TV, escolhem a imagem. Provavelmente, seja por isso que muitos escritores
escrevam motivados pela duvidosa ambição de aparecerem na TV.
Nesses
tempos de selfie, pau de selfie e instagram, a imagem traça seus passos para a
supremacia. Ou, como dizia Renato Russo: nos deram espelhos e vimos um mundo
doente.
Editores
e autores gritam indignados que o Brasil padece da falta de leitores, mas
impressiona o censo que revela que existem 88 milhões de leitores que compram
livros por aí. Consola saber que temos um forte mercado de jovens leitores.
Infelizmente, eles são direcionados para consumir uma literatura batizada como
entretenimento. Julgam e subjugam os leitores neófitos à burrice, a uma
literatura plastificada, ditada por grupos estrangeiros e pelos oportunistas de
plantão.
Os
jornais estampam perplexidade e pânico com os resultados precários das redações
do ENEM 2014.
Por
que o susto? Escrevemos em computador, apoiados pelos corretores ortográficos e
gramaticais, não é preciso cultivar a criatividade, basta ler Game of Thrones,
Senhor dos Anéis, 50 tons de cinza e romances policiais americanizados.
Na
verdade, escrever para quê? Ler para quê?
O
gostoso é assistir Walking Dead, Breaking Bad, X-Men e Os vingadores.
Quer
saber, eu mesmo estou me aborrecendo, sentado aqui, digitando besteiras, quando
poderia estar assistindo ao último lançamento do Tele Cine.
Gramática?
Ortografia? Que nada. Os novos e abastados escritores contratam algum coaching
literário ou fazem oficina de redação para ficarem ligados nas mais novas
técnicas estrangeiras para elaboração de romance. Nascem clones dos clones, uma
nova espécie de autores.
A
literatura tornou-se a única forma de arte que dispensa qualificações.
Sem
pessimismo, temos a certeza que no século 21 conseguimos produzir, ao menos, um
novo clássico: Chico Buarque.
Será?
Os
críticos morreram, brotaram os resenhistas. A moda é trilogia. O que não é
banal, é hermético. Sem revisão não existem livros, mas hieróglifos. Não seja
original, aprenda a imitar qualquer estilo best-seller. Fuja da realidade,
busque a fantasia delirante ou as viagens existenciais. Não se preocupe em
fazer literatura, foque em vender o que escreve. Pratique oratória, pois falar
será mais importante do que criar. O sucesso é se destacar no picadeiro do
circo.
A
culpa é do Word.
A CULPA É DO WORD
Reviewed by Natanael Lima Jr
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07:03
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