POEMAS VENCEDORES DO IV PRÊMIO SOLANO TRINDADE DE POESIA AFRO-BRASILEIRA
Foto:
arquivo DCP
Vencedores
do IV Prêmio Solano Trindade de Poesia
Da
esquerda para a direita: Lucas José (3º lugar),
Jailson
Leonardo (1º lugar) e Mariane Bigio (2º lugar)
1º
LUGAR
O
SALANUS DE FAUSTINA
Jailson
Leonardo (Recife)
Faustina
acorda cedo todo dia
E
embora cheia de reclamações
Não
esmorece.
Tece
a dor de ter que dar conta
Dos
filhos e netos
Com
os quais divide o mesmo teto,
Antes,
de capim coberto.
Também
divide o pão,
O
café com farinha, a sopa
E
sabe lá quais esperanças perdidas ou encontradas
A
cada dia
Entrega
um corpo, aparentemente livre,
às
“casas de família”.
Lá,
não há máquinas.
É
no suor e no braço que tem de lavar todas as tralhas.
Os
tecidos, as roupas e todas sãs capas,
Dessa
sociedade escravocrata.
Não
sei se o que falara tinha algo
Do
que dizem ser consciência de classe, de povo, de operária.
Como
bem gostam de dizer que têm todas essas academias
Tão
cheias de hipocrisia, e arbitrárias...
Não
sei se havia essa azia.
Sei
que Faustina era orgânica
E
havia muita ciência no que dizia.
Quando
se despedia falava:
“estudem
meus filhos, estudem!”
E
ia.
E
a gente agradecia e comemorava aos domingos
Cada
semana de sobrevivência,
Comendo
galinha guisada,
Por
que ao menos naquela época era a carne mais barata
E
mais fácil de ser partilhada.
Agora,
depois de formada me pergunto
Quem
foram mesmo os mestres?
Então
SOLANO me dizia
Do
saber mais sagrado ou profano:
A
água, o sabão, os cortes, eram mesmo os açoites?
O
chefe, o imediato, era na verdade um capitão do mato?
O
dono das casas de tão ferrenho era na verdade um senhor de engenho?
E
as “CASAS DE FAMÍLIA” de tão excludentes e exuberantes eram na
verdade
senzalas? Ou eram na verdade casas grande?
Não
sei. Não sei. Não sei.
Sei
que de alguma forma e em algum lugar
Ela
deve estar a me olhar...
Eu
já formado e agora quase doutor...
Mas
com o sangue nas veias misturados a sua luta,
Sua
água, sua dor e seu suor.
Que
tão misticamente soube transformar,
Nesse
mundo tão ingrato
Inclusive
em novo cheiro.
Meu
povo não se iluda.
Faustina
eu sou teu legado.
Eu
sou o teu neto negro.
2º
LUGAR
CORDEL
DA INSPIRAÇÃO CIGANA
Mariane
Bigio (Recife)
Eu
estava num deserto
Só
que era feito de mar
Água
por todos os lados:
Eu
não sabia nadar.
Perdida
sem nenhum norte
Talvez
pelo medo da morte
Comecei
a delirar
Avistei
longe na praia
Uma
miragem, de certo
Algo
que jamais se viu
Caminhando
ali por perto
Um
tilintar de colares
Alfazema
pelos ares
No
calor do sol aberto
Tomou
forma de mulher
De
olhos bem amendoados
E
as ondas que beijavam
Os
seus pés, então molhados
Regressavam
com vergonha
Pelos
dedos “ingilhados”
As
curvas do corpo esguio
Sob
véus se insinuava
E
o vestido esvoaçante
Rente
ao corpo se encostava
Graças
à leve brisa
Que
de maneira precisa
Com
os tecidos desenhava
Cortando
as águas salgadas
A
beldade me alcançou
Pensei
em pedir-lhe ajuda
Mas
algo me enfeitiçou
Encurvou-se,
mendicante
E
o seu braço estirou
Era
como uma cigana
Mas
mostrou-me a sua mão
E
quem julga aqui, se engana
E
recorre à ilusão
As
linhas de minha palma
Os
segredos de minha alma
A
ela pouco serviam
Com
sua mão estendida
Com
a face enternecida
Eis
o que meus olhos liam:
Num
piscar de ligeireza
A
moça se transformou
Não
mais véus e sim farrapos
O
seu corpo definhou
Cabelo
descolorido
O
semblante deprimido
E
a voz rouca murmurou
“Os
destinos que vislumbro
Tudo
aquilo que já li
Cada
mão que já toquei
Tudo
isso eu perdi
Não
existem mais mistérios
Há
no mundo um revertério
A
descrença mora aqui!
Há
quem tape seus ouvidos
Há
que não estenda à mão
Com
braços entrecruzados
As
pessoas dizem “não”
Como
vou sobreviver?
O
que mais posso fazer
Para
manter-me na missão?”
E
de súbito senti
Uma
enorme compaixão
Como
se aquela velha
Tocasse
o meu coração
Seu
penar em mim doía
Minha
alma revolvia
Procurando
solução
Foi
quando noutro piscar
Eu
gritei: eu acredito
E
logo o seu cabelo
Foi
ficando mais bonito
E
de novo, outra vez
Eu
lhes disse: acredito!
Eu
não vi explicação
Nas
palavras que eu dizia
Como
se entoasse um mantra
Eu
apenas repetia
A
mulher que definhara
Logo
rejuvenecia
Acredito,
acredito!
E
uma lágrima caiu
Se
foi minha, se foi dela
Não
se sabe, não se viu
Como
era também salgada
Pela
maré foi tragada
E
a mulher também sumiu
Eu
acordei do meu sonho
E
ainda estava no mar
Só
que não mais a deriva
Recomecei
a remar
Não
conheço a fundo o rumo
Mas
de quando em quando aprumo
Para
nunca naufragar
Ainda
que contra a corrente
Eu
precise navegar
Continuarei
andarilha
Com
histórias pra contar
Feito
uma moça cigana
Que
nunca se desengana
Se
houver quem acreditar!
3º
LUGAR
MULHER-VENTO
Lucas
José (Recife)
Sou
filha do vento
E
ele quando em mim toca
Movimento...
Deito
no alento da tua ventania e encorajo meu corpo até te alcançar
Oiá
da minha vida
Vida
vendaval de mundos...
Nos
encontraremos em redemoinhos de folhas caídas
E
entre sorrisos veremos uma à outra
O
olhar-vida de cada uma
Nossos
corpos como deusas
Eu
te dando as mãos e tu me seguindo.
ÉÉÉ,
Pa-RRe-Oiá
POEMAS VENCEDORES DO IV PRÊMIO SOLANO TRINDADE DE POESIA AFRO-BRASILEIRA
Reviewed by Natanael Lima Jr
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