A VULGARIZAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
Publicado em obvious por Alexandre Coslei*
No mundo atual, onde a nova ordem é o consumo, os
editores se comportam como gerentes de contas e forçam a literatura a deixar de
ser arte para se transformar numa grande feira. Os livros não são vendidos a
preço de banana, mas passam a ser expostos como produtos vulgares, com capas
atraentes aos olhos, mas de conteúdo duvidoso. Nem autores clássicos, como
Machado de Assis, escapam à sanha do lucro e recebem "traduções"
suspeitas na intenção de se tornarem populares. Ou seja, o mercado editorial
subestima seus leitores e nivela a cultura por baixo.
Machado de Assis/Foto:Reprodução
Recentemente
discutiu-se tanto a popularização dos textos de Machado de Assis que quase
alcançamos um tom clichê. A ideia de reimprimir a obra de Machado objetivando a
imposição de um vocabulário simplório, que esteja ao alcance do público menos
letrado, é somente um reflexo de uma literatura contemporânea açoitada pelas
mãos de editoras que escolheram transformar a arte em cifras lucrativas.
Recentemente, a escritora Nélida Piñon afirmou que hoje publicam o que vende, e
não mais a literatura que fica. Está corretíssima. E qual a literatura que
demonstra capacidade de mercadoria no Brasil? São os livros sobre vampiros
brasileiros, ficções medievais encarnadas por anjos e demônios, violência
sádica e caricata e romances sobre nada que correm centenas de páginas
descrevendo litorais e personagens sem sal.
O
que surpreende é a complacência cúmplice de muitos críticos com a subliteratura
e uma raiva revanchista contra quem imagina poder atualizar um clássico
literário. O Word, a Internet e o analfabetismo funcional do Brasil abriram
espaço para pretensos escritores que produzem em ritmo industrial, mas pouco se
importam com estética, pois estão voltados para os quinze minutos de fama e
buscam o eldorado que os tornem best-sellers. Às vezes, contam com competentes
empresários que abrem as portas da mídia e transformam o que é oco em
celebridade, pois no mercado atual é a celebridade que vende. Tal realidade nos
remete ao arquétipo explicitado no filme "Muito além do jardim ",
onde até um suspiro do acéfalo personagem Chance (Peter Sellers) era
interpretado como genial.
Por
que hostilizar a tradução populista de Machado e ignorar os nichos literários
criados compostos de livros caricatos, lançados para conquistar jovens e
limitados leitores? Essa é uma discussão que poderia ganhar amplitude
inteligente e está se resumindo a um debate provinciano.
Toda
literatura é válida, mas as que devem ganhar visibilidade são aquelas que os
editores compreendem como comerciais. É assim que se configura o presente
mercado editorial brasileiro. O autor a ser valorizado é o que se comporta como
um bom gerente de contas e cumpre boas metas de venda com o seu produto. É esse
o autor que as editoras inserem na mídia, para eles negociam a condescendência
de uma parte da crítica e a partir deles criam a farsa do merchandising.
Numa
nação de leitores toscos, Machado de Assis precisa ser reescrito para vender e
os autores de sucesso desfilam a face mais pueril de uma literatura vulgar em
programas de entrevistas e nos cadernos culturais dos nossos periódicos.
Talvez, tenha sido por isso que o nosso Machado elaborou aquela sentença
magnífica de Brás Cubas, um ato profético:
“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura
o legado da nossa miséria”.
Assim,
nossos clássicos vão ficando sem herdeiros e, pelo visto, se transformando em
hieróglifos a serem decifrados.
*Alexandre
Coslei é jornalista carioca, agregando formação em Letras pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro e colunista da obvious
A VULGARIZAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
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