Poemas da Semana
O
DCP traz nesta edição mulheres que marcaram o século com suas poesias: Cecília
Meireles, Henriqueta Lisboa, Adélia Prado, Hilda Hilst e Celina de Holanda
Retrato*
Cecília Meireles
Eu não tinha este
rosto de hoje,
assim calmo, assim
triste, assim magro,
nem estes olhos tão
vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas
mãos sem força,
tão paradas e frias e
mortas;
eu não tinha este
coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta
mudança,
tão simples, tão
certa, tão fácil:
- Em que espelho
ficou perdida
a minha face?
*Transcrito
de Flor de poemas
Os lírios*
Henriqueta Lisboa
Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.
Quero saber como crescem
simples e belos — perfeitos! –
ao abandono dos campos.
Antes que o sol apareça,
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.
Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.
Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.
Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre lírios
adormecerei tranquila.
*Transcrito
de Lírica
Casamento*
Adélia Prado
Há
mulheres que dizem:
Meu
marido, se quiser pescar, pesque,
mas
que limpe os peixes.
Eu
não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo
a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É
tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de
vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele
fala coisas como ‘este foi difícil’
‘prateou
no ar dando rabanadas’
e
faz o gesto com a mão.
O
silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa
a cozinha como um rio profundo.
Por
fim, os peixes na travessa,
vamos
dormir.
Coisas
prateadas espocam:
somos
noivo e noiva.
*Transcrito de Poesia reunida
Do amor*
Hilda Hilst
XLIX
Costuro
o infinito sobre o peito.
E
no entanto sou água fugidia e amarga.
E
sou crível e antiga como aquilo que vês:
Pedras,
frontões no Todo inamovível.
Terrena,
me adivinho montanha algumas vezes.
Recente,
inumana, inexprimível
Costuro
o infinito sobre o peito
Como
aqueles que amam.
*Transcrito de Do amor
Retorno*
Celina de
Holanda
Este
chão é pausa.
Dêem-me
a infância
para
que eu retorne
reencontre
meu chão,
seu
verde, seus marcos,
seu
barro plasmável.
Quero
saber de novo
de
terreiros limpos
com
vassouras verdes
do
tempo correndo
branco
como um rio,
carregando
as roupas
qual
nuvens mais alvas.
Massapê
das margens,
sapatos
de lama,
toalhas
de vento
e
o regresso limpo,
lento
como a tarde.
*Transcrito de Viagens Gerais. Recife: Fundarpe/Cepe,
1994.
Poemas da Semana
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
08:02
Rating:
Justa homenagem as essas divas de nossa poesia.
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