Poemas da Semana
A solidão e sua porta*
Carlos Pena Filho
Carlos Pena Filho/Foto: Reprodução
(Recife, 17/05/1929 – Recife,
01/07/1960)
Quando
mais nada resistir que valha
a
pena de viver e a dor de amar
e
quando nada mais interessar
(nem
torpor do sono que se espalha).
Quando,
pelo desuso da navalha,
a
barba livremente caminhar
e
até Deus em silêncio se afastar
deixando-te
sozinha na batalha
a
arquitetar na sombra a despedida
do
mundo que te foi contraditório,
lembra-te
que afinal te resta a vida
com
tudo que é insolvente e provisório
e
de que ainda tens uma saída:
entrar
no acaso e amar o transitório.
*Transcrito de Pernambuco, Terra da
Poesia, 2010, p. 245
Os dois lados*
Murilo Mendes
Murilo Mendes/Foto: Reprodução
(Juiz de Fora/MG, 13/05/1901 – Lisboa,
13/08/1975)
Deste
lado tem meu corpo
tem
o sonho
tem
a minha namorada na janela
tem
as ruas gritando de luzes de movimentos
tem
meu amor tão lento
tem
o mundo batendo na minha memória
tem
o caminho pro trabalho.
Do
outro lado tem outras vidas vivendo da minha vida
tem
pensamentos sérios me esperando na sala de visitas
tem
minha noiva definitiva me esperando com flores na mão,
tem
a morte, as colunas da ordem e da desordem.
*Transcrito de Poesia completa e
prosa, p. 98
Mãe
Miró
Img: Reprodução
Agora
as fraudas no varal avisam
Tem
gente nova no mundo
O
descanso das mães da quarentena
Agora
teus peitos são tudo na vida
Na
vida de uma outra vida
Teu
leite vai largar no planeta um
ser
que tu não sabes o que vai ser
Mas
mesmo assim tu o amas
E
vai ter que dar de mamar
a
vida inteira
Até
porque mesmo já velho
para
toda mãe
todo
filho é uma criança.
Pena
que eu não posso ser mãe.
Os barracos*
Frederico Spencer
Img: Reprodução
Na
banguela das encostas
barracos
por um fio, se abismam
as
franjas de plástico
adornam
o luto, o preto
implora
o
sol de todos os dias
numa
oração:
nos
matem de sede
mas
não permitam
o
barro, que já foi vida
molhado
seja
a morada de sempre
se
assim acreditarmos.
Na
dureza do asfalto
não
cremos
que
as chuvas inundarão
nossas
ruas de pedra.
*Do inédito Código de Barras
Vivo na idade média em pleno século
XXI
Antonio de Campos
Img: Reprodução
Vivo
na Idade Média em pleno século XXI –
hoje
não há mais fogueiras
de
velhas madeiras
hoje,
os fogos das fogueiras
ardem
mais e d’outras maneiras
Vivo
a Idade Média em pleno século XXI –
das
terras mudam nomes
e
senhores
mas
os donos são os mesmos das terras
onde
a primavera
só
aos mortos no campo dá flores
Vivo
na Idade Média em pleno século XXI –
cada
noite
há
uma lua de sangue no céu,
nas
esquinas, o que, à moda antiga,
era
“Boa noite”,
hoje
é “Mãos ao alto”
e
modernamente, ordena-se: “Perdeu!”
Vivo
na Idade Média em pleno século XXI,
que
não sendo uma,
é
nenhuma, nada e liso breu!
Não
quero viver na Idade Média,
como
em outro século,
não
quero viver em nenhum –
sem
Idade Média qualquer,
eu
quero é viver no século XXI
abril 2014, Tempo de Barbárie
Poemas da Semana
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
11:09
Rating:
Belos poemas e o Mãe deMiró e extraordinário. Parabésn DCP.
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