Poemas da Semana
Seis Poemas
Políticos de Carlos Drummond de Andrade, Alberto da Cunha Melo, Arnaldo Tobias,
Ferreira Gullar, Marcelo Mário Melo e Juareiz Correya
Foto: Arquivo
www.istoe.com.br
Mãos dadas*
Carlos Drummond de Andrade
Não
serei o poeta de um mundo caduco.
Também
não cantarei o mundo futuro.
Estou
preso à vida e olho meus companheiros.
Estão
taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre
ele, considero a enorme realidade.
O
presente é tão grande, não nos afastemos.
Não
nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não
serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não
direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não
distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não
fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O
tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a
vida presente.
*Disponível em:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/a/antologia_poetica_drummond
Mais Resíduos da Schutzstaffel (SS)*
Alberto da Cunha Melo
"Em
todas as paróquias se escolherão um ou dois padres e dois ou três leigos,
pessoas de bem, a quem se fará prestar juramento, e que farão buscas frequentes
e escrupulosas em todas as casas, nos quartos, celeiros, subterrâneos, etc.,
com o fim de se certificarem se porventura não há hereges escondidos".
(Concílio de Tolosa)
Quando
a pátria
não
é mais tangível
como
a mudança
das
folhas nas árvores
e
das ânsias nos homens,
em
nome dela
as
árvores e os homens
começam
a tombar:
Ó
SS, S.O.S.
nessas
noites
imerecidamente
tropicais,
quando
velhos tios
e
parceiros de dominó
(morando
a alguns quarteirões)
são
menos esperados
do
que os lúgubres alunos
de
Nicolau Américo;
são
menos esperados
do
que todos
os
súditos dos sádicos,
os
sátrapas dos seikos,
os
servos da segurança,
tudo
conforme
a
fúria dos fatos
ou
o concílio de sempre,
o
de Tolosa;
são
menos esperados
do
que Fleury, o carniceiro branco,
com
seu incandescente
ferro
de soldar
estalando
nos pentelhos
da
guerrilheira Marta;
são
menos esperados
do
que as caixas de algemas
no
porto do Recife ou de Santos, onde
todo
pobre é suspeito
e
todo suspeito é culpado
no
mínimo de ser pobre;
são
menos esperados
do
que os carros de choque
e
o tilintar das medalhas
nos
coletes à prova de povo,
do
que o assalto dos tiras
nos
bairros sem luz,
onde
jazem as doutrinas
da
segurança interna,
do
que o rosnar dos ricos
e
seus "pastores alemães",
numa
terra invadida
pelos
seus guardiães.
*Do Livro Noticiário, 1979
Arnaldo Tobias
(Fragmento – do Livro Nu-Relato,
Edições Pirata, 1983)
Quando
a lâmpada do quarto acendia
a
sua túnica com a cabeleira
negra
de carvão mantinha mineral
toda
a estrutura do guerrilheiro
seu
assassínio ainda hoje atinge-me
da
mais quente bala traidora
quis
fabricar toneladas de munição
ir
para Cuba aprender guerrilhas
Luísa
aconselhava-me cautela
que
as coisas iam muito bem
pelo
outro lado das brancas nuvens
já
bastava eu ter sido redator
do
tabloide que a gente editava
às
madrugadas mais temerosas:
o
mimeógrafo a álcool zoando muito
era
preciso muito cuidado então
pelo
que viesse a gente assumia
jogávamos
molotov e bolas de gude
contra
a cavalaria do império
roubávamos
armas de guerra
subornávamos
a doente milícia
com
falsos cheques gordos e visados
faríamos
tudo por tudo e mais
além
do nosso puro sacrifício
Subversiva*
Ferreira Gullar
A
poesia
Quando
chega
Não
respeita nada.
Nem
pai nem mãe.
Quando
ela chega
De
qualquer de seus abismos
Desconhece
o Estado e a Sociedade Civil
Infringe
o Código de Águas
Relincha
Como
puta
Nova
Em
frente ao Palácio da Alvorada.
E
só depois
Reconsidera:
beija
Nos
olhos os que ganham mal
Embala
no colo
Os
que têm sede de felicidade
E
de justiça.
E
promete incendiar o país.
Pessoas como árvores*
Marcelo Mário de Melo
[A quem se mantêm de esquerda e socialista
depois dos 60 anos]
As
árvores quando jovens
se
arriscam
sob
o tempo e o vento
podendo
se quebrar
e
interromper suas vidas.
No
desafio de viver e crescer
elas
fincam as garras
na
terra-mãe
retesam
as fibras
resistem
a impactos.
Com
o passar do tempo
as
árvores
criam
raízes fundas
e
troncos grossos
que
sustentam a copa.
Decantando
as décadas
o
seu ofício é garantir
novas
sementes
alimento
e sombra
aos
viajantes
alargando
os esforços juvenis.
*Disponível em: https://www.facebook.com/marcelo.demelo.12?fref=ts
Arte do poder
Juareiz Correya
Os
romanos inventaram
com
leões e cristãos
o
circo com pão.
Os
brasileiros bolaram
com
samba e com sol
o
circo sem pão
do futebol.
Hoje
o Brasil
descoberto
de novo,
inventado
de novo,
decretou
o Estado de Circo
-
sem picadeiro, sem palco e sem pão –
com
panos colloridos tampando o céu
um
mágico desgovernado no planalto
e
uma plateia de 140 milhões
de
bestas e palhaços.
Poemas da Semana
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
08:58
Rating:
Espetacular! Cada uma contando do seu jeito, a mesma história sangrenta das nossas vidas. Parabéns!
ResponderExcluirLígia Beltrão
Arnaldo Tobias grande expressão da poesia pernambucana. Muito pouco lembrado.
ResponderExcluir"A poesia quando chega não respeita nada..." Excelente o Subversiva de Ferreira Gullar.
ResponderExcluirExcelente a Arte do poder. Valeu Juareiz!
ResponderExcluirQuanta poesia cheia de lucidez. Parabéns, Juareiz .
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