Poemas da Semana
Fevereiro de
Grandes Poetas
Lêdo Ivo,
Adelmar Tavares, Paulo Mendes Campos, Cyl Gallindo, Solano Trindade, Francisco
Espinhara, Hilda Hilst, Mário de Andrade
Img: Reprodução
O amanhecer das criaturas*
Lêdo Ivo
O
dia forma-se
de
quase nada:
um
seio nu
por
entre pálpebras,
o
sol que raia
e
a luz acesa
no
arranha-céu
que
a aurora lava.
A
mão incerta
deixa
na rósea
carne
dormida
o
gesto equívoco.
Tudo
é lilá
na
luminosa
e
vã partilha.
No
dia imenso
nascem
tesouros:
curvos,
redondos.
O
pão à porta,
depois
o leite,
e
o erguer dos corpos.
*Transcrito de Melhores poemas de Lêdo
Ivo, p. 96
A Cidade de Recife*
Adelmar Tavares
Pátria
do meu amor! Recife linda,
como
te guarda o meu saudoso olhar!
Velas
ao longe... Os coqueirais de Olinda,
e
uma terra a nascer da água do mar...
Um
céu de estrelas que entrevejo ainda.
Sob
as pontes, o rio a se estirar...
Noites
de lua... que saudade infinda...
brancas...
que dão vontade de chorar...
Filho
ingrato, parti... Mas nem um dia,
deixei
de te lembrar, por mundo alheio,
onde
me trouxe a glória fugidia.
Pátria,
quando eu morrer, piedosa e boa,
dá
que eu durma o meu sono no teu seio,
como
um seio de Mãe que ama e perdoa...
Litogravura*
Paulo Mendes Campos
Eu
voltava cansado como um rio.
No
Sumaré altíssimo pulsava
a
torre de tevê, tristonha, flava.
Não:
voltava humilhado como um tio
bêbado
chega à casa de um sobrinho.
Pela
ravina, lento, lentamente,
feria-se
o luar, num desalinho
de
prata sobre a Gávea de meus dias.
Os
cães quedaram quietos bruscamente.
Foi
no tempo dos bondes: vi um deles
raiar
pelo Bar Vinte, borboleta
flamante,
touro rútilo, cometa
que
se atrasa no cosmo e desespera:
negra,
na jaula em fuga, uma pantera.
Passei
a mão nos olhos: suntuosa,
negra,
na jaula em fuga, ia uma rosa.
Comícios íntimos*
Cyl Gallindo
Olho
e vejo a praça:
é
um campo aberto
onde
se plantam flores
e
nasce Liberdade.
Mas
acintosamente estão
plantados
arames farpados
e placas:
“Não
pise na relva”.
Plantam-se
ainda
olhos
e bocas
de fuzis
nas
esquinas
e
nasce o medo
e
eu passo
cautelosamente
e
vou fazer Comícios
dentro
do meu quarto.
Olho
e vejo a Casa:
é
um lar inviolável
onde
se planta o amor
e
nascem filhos.
Mas
acintosamente estão
plantados
à porta soldados
e uma voz:
-“Ordem
superior!”
Plantam-se
ainda
vigília
com
olhos e ouvidos
dos
melhores amigos
e
nasce o medo
e
eu paro e
sigilosamente
vou
fazer Comícios
dentro
de mim mesmo.
*Transcrito de 20 poemas escolhidos,
2000, p. 28
Poema autobiográfico*
Solano Trindade
Quando
eu nasci,
Meu
pai batia sola,
Minha
mana pisava milho no pilão,
Para
o angu das manhãs...
Portanto
eu venho da massa,
Eu
sou um trabalhador...
Ouvi
o ritmo das máquinas,
E
o borbulhar das caldeiras...
Obedeci
ao chamado das sirenes...
Morei
num mucambo do "Bode",
E
hoje moro num barraco na Saúde...
Não
mudei nada...
Black Sabbath*
Francisco Espinhara
Quero
as manhãs incendiadas.
O
resto do dia diabo aceso
As
cabeças das mães degoladas
O
monge da paz num poço preso.
Que
despenquem das varandas
Flores
de bálsamo perfumadas.
Venham
ungidas de lavanda
As
faces das crianças maceradas.
Que
o golpe destro do punhal
Esfrie
o sabor da língua.
As
vísceras deixemos ao chacal
Ou
morram mesmo à míngua.
Que
o ódio atropele o amor
Não
se dê à paz morada.
O
mundo seja um barril de dor
A
rolar incessantemente pela escada.
*Transcrito de Coletânea Marginal
Recife - vol. 1 - Org. Cida Pedrosa, Miró e Valmir Jordão, Secretaria de
Cultura do Recife, 2002
Para não morrer*
Hilda Hilst
Para
poder morrer
Guardo
insultos e agulhas
Entre
as sedas do luto.
Para
poder morrer
Desarmo
as armadilhas
Me
estendo entre as paredes
Derruídas
Para
poder morrer
Visto
as cambraias
E
apascento os olhos
Para
novas vidas
Para
poder morrer apetecida
Me
cubro de promessas
Da
memória.
Porque
assim é preciso
Para
que tu vivas.
*Disponível em:
http://www.ponto.altervista.org/Livros/Doc/hildahilst.htm
Descobrimento*
Mário de Andrade
Abancado
à escrivaninha em São Paulo
Na
minha casa da rua Lopes Chaves
De
supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei
trêmulo, muito comovido
Com
o livro palerma olhando pra mim.
Não
vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
muito
longe de mim
Na
escuridão ativa da noite que caiu
Um
homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois
de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz
pouco se deitou, está dormindo.
Esse
homem é brasileiro que nem eu.
*Disponível em:
http://www.escritas.org/pt/poema/4638/descobrimento
Poemas da Semana
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
10:32
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Bela seleção de poemas.
ResponderExcluirOlá Negreiros, agradecemos seu comentário, sempre bem-vindo!
ExcluirGrandes poemas. Grandes poetas. Prazer maior ainda, tê-los diante dos olhos, numa tarde de domingo, entediada pelo silêncio, que nesse instante, foi quebrado pela emoção. Obrigada!
ResponderExcluirLígia Beltrão
Olá Lígia, ficamos felizes com sua visita. Volte sempre!!!
ExcluirHoje conseguir lê todos os poemas e fiquei encantada com as poesias. Fevereiro de Grandes Poetas vai ficar na história do DCP. Parabéns!!!
ResponderExcluirQue bom Luciana que gostou, é uma prova que estamos antenados com nossos leitores, volte sempre.
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