O Conto da Semana
O agiota
(conto) Dalton Trevisan*
Foto: Reprodução
Os jornais de três dias, espalhados na varanda,
chamam a atenção dos vizinhos.
Avisada a polícia, o velho é achado morto. Um
golpe certeiro de machadinha lhe degola meio pescoço.
Os bolsos virados pelo avesso.
A carteira (sempre gorda de notas) agora vazia.
Um lenço vermelho de sangue.
E o óculo de lentes rachadas.
Mora só, desde que a mulher o abandonou faz anos.
Porta e janela fechadas, não abre para desconhecido.
Empresta dinheiro a juro. Em cada nota de dívida,
grampeia uma papeleta com instrução de cobrança. O agiota se você pede um grão
de arroz tem de pagar esse grão mais quatro ou cinco.
Entre os papéis, anúncios de “Precisa-se Empregada
Doméstica”. Num só ano, oito delas... Algumas ficam até uma semana. Outras mais
que dois ou três dias.
- Oitenta anos, já viu? E na força do homem!
Com risinho bandalho:
- Muita mulher pode confirmar.
Assim as empregadas não se demoram na casa. Não
por ser cainho, bruto e cheio de mania. Mais por estar sempre com as mãos
nelas. Esfregando-se na cozinha. Seguindo-as quando arrumam o quarto.
Têm que lutar para se livrarem. Fácil não é fugir
da sua pata cabeluda. Mais de uma fraqueja aos ataques do ancião libertino.
Exibe-se com os polegares enfiados no suspensório
de vidro. Esquece de propósito a braguilha aberta. Deliciado, fuma charuto
barato. Ainda no calor, usa meia de lã. Prepara sozinho a sua pobre comida.
O assassino, logo descoberto, aparece no rol dos
devedores. Ao visitá-lo, a polícia acha na cesta de roupa uma camisa suja de
sangue. E, sob o tanque, a machadinha com que no açougue retalha frango, pato e
peru.
(In O Maníaco
do Olho Verde, p. 81)
*Dalton
Trevisan
é escritor, famoso por seus livros de contos, especialmente O Vampiro de
Curitiba (1965), e por sua natureza reclusa.
O Conto da Semana
Reviewed by Natanael Lima Jr
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10:31
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