Ao pai que escolhi para meus filhos
por Salete Rêgo Barros*
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Mais de quatro mil anos e onze mil
quilômetros nos separam da origem do Dia dos Pais, quando um jovem babilônico
chamado Elmesu moldou e esculpiu em argila um cartão com os seguintes dizeres:
“Pai, tenho em você a figura de um mentor, seu exemplo moldou minha
personalidade e me transformou no homem que hoje sou. Desejo saúde e vida longa
a ti, meu Mestre, meu Senhor, meu Pai.”
No Brasil, em 1953, um publicitário
chamado Sylvio Bhering propôs que a comemoração do dia dos pais fosse feita no
mês de agosto, visto ser este um período de pouco movimento para o comércio. O
fundador das organizações Globo, Roberto Marinho, acatou a sugestão e instituiu
o segundo domingo de agosto como sendo o Dia dos Pais, diferentemente de vários
países que comemoram a data em outros meses. Coincidentemente, na época,
presidia o país, Getúlio Vargas, considerado o Pai dos Pobres, por ter criado
as leis sociais e trabalhistas entre outras coisas.
Enquanto Elmesu reconhecia a
importância do pai em sua vida, Sylvio e Roberto reconheciam a importância dos
pais na vida do empresariado brasileiro. O primeiro agiu movido pela razão e
pela emoção; os outros dois, apenas, pela razão, ao que tudo indica, já que a
intenção era incentivar o consumo e multiplicar o faturamento do jornal O
Globo. Deu certo.
A construção do pensamento ocidental é
marcada pela dicotomia, onde a razão é colocada como algo superior, enquanto
que a emoção como algo que precisa ser controlado. Emoção é experiência única.
Incomparável. Inesquecível. Energia do amor e do ódio. Mola propulsora da
criatividade. Combustível da vida. Segundo Khalil Gibran, a razão e a paixão
são o leme e as velas da alma navegante.
A obrigatoriedade de presentear os
pais pode se tornar desnecessária tanto para quem dá, quanto para quem recebe,
porque temos de reconhecer que a atitude de Sylvio e Roberto, que vem
influenciando o comportamento de milhões de brasileiros há sessenta anos, não
foi a mesma que motivou os belgas e portugueses, por exemplo, a comemorar a data
no dia 19 de março, dia de São José, pai adotivo de Jesus, ou os americanos, em
junho, mês do aniversário do pai de Sonora Luise, que resolveu homenageá-lo com
a criação da data, motivada pela admiração que sentia por ele.
Apesar de todos os apelos ditados pelo
marketing, lojas podem vender presentes, jamais a emoção de um pai quando
amado, respeitado e admirado por um filho, na eternidade de cada momento. E
este presente não precisa ser dado, porque já lhe pertence, segundo as suas
obras, reza a lei que rege o Universo.
*Salete Rêgo Barros é escritora, arquiteta,
parapsicóloga e editora da Novoestilo Edições do Autor e produtora cultural
executiva da Cultura Nordestina Letras & Artes.
Poemas
de Florbela Espanca, Carlos Drummond de Andrade, Natanael Lima Jr, Frederico
Spencer e Graça Graúna
Poema para o Dia do Pai*
Florbela Espanca
Img: Reprodução |
Ter um Pai! É ter na vida
Uma luz por entre escolhos ;
É ter dois olhos no mundo
Que vêem pelos nossos olhos!
Uma luz por entre escolhos ;
É ter dois olhos no mundo
Que vêem pelos nossos olhos!
Ter um Pai! Um coração
Que apenas amor encerra,
É ver Deus, no mundo vil,
É ter os céus cá na terra!
Que apenas amor encerra,
É ver Deus, no mundo vil,
É ter os céus cá na terra!
Ter um Pai! Nunca se perde
Aquela santa afeição,
Sempre a mesma, quer o filho
Seja um santo ou um ladrão;
Aquela santa afeição,
Sempre a mesma, quer o filho
Seja um santo ou um ladrão;
Talvez maior, sendo infame
O filho que é desprezado
Pelo mundo; pois um Pai
Perdoa ao mais desgraçado!
O filho que é desprezado
Pelo mundo; pois um Pai
Perdoa ao mais desgraçado!
Ter um Pai! Um santo orgulho
Pró coração que lhe quer
Um orgulho que não cabe
Num coração de mulher!
Pró coração que lhe quer
Um orgulho que não cabe
Num coração de mulher!
Embora ele seja imenso
Vogando pelo ideal,
O coração que me deste
Ó Pai bondoso é leal!
Vogando pelo ideal,
O coração que me deste
Ó Pai bondoso é leal!
Ter um Pai ! Doce poema
Dum sonho bendito e santo
Nestas letras pequeninas,
Astros dum céu todo encanto!
Dum sonho bendito e santo
Nestas letras pequeninas,
Astros dum céu todo encanto!
Ter um Pai! Os órfãozinhos
Não conhecem este amor!
Por mo fazer conhecer,
Bendito seja o Senhor!
Não conhecem este amor!
Por mo fazer conhecer,
Bendito seja o Senhor!
*In Poesia 1918 – 1930
Lisboa: Dom Quixote, 1992]
Encontro*
Carlos Drummond de Andrade
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Meu pai perdi no tempo e ganho em sonho.
Se a noite me atribui poder de
fuga,
sinto logo meu pai e nele
ponho
o olhar, lendo-lhe a face,
ruga a ruga.
Está morto, que importa? Inda
madruga
e seu rosto, nem triste nem
risonho,
é o rosto, antigo, o mesmo. E
não enxuga
suor algum, na calma de meu
sonho.
Oh meu pai arquiteto e
fazendeiro!
Faz casas de silêncio, e suas
roças
de cinza estão maduras,
orvalhadas
por um rio que corre o tempo
inteiro,
e corre além do tempo, enquanto
as nossas
murcham num sopro fontes
represadas.
*In Claro enigma, 1951
Desejo de meu
pai
Natanael Lima
Jr
Img: Reprodução |
Unido
ao teu desejo
eu
te vejo nas noites, sereno
a
tocar meu rosto,
acalmando
meus pesadelos.
Unido
ao teu desejo
eu
te vejo nas noites, solidário
a
sustentar meus passos
vacilantes
e trôpegos.
Unido
ao teu desejo
eu
te vejo nas noites, distante
a
passear entre os astros,
colorindo
as estrelas.
Unido
ao teu desejo
eu
te vejo nas noites, único
eterno
amigo dos sonhos.
Intervias
Frederico
Spencer
Img: Reprodução |
“Ora
(direis) ouvir estrelas!”
Por
certo! Ser de onde se aninha o poema
deita
nas noites sua semente
distante
e quente, amanhece
taciturno
em minhas mãos.
“E eu
vos direi, no entanto”
que na
pauta do dia
escondidos,
dialogamos
neste
espaço de aço e gente
no
caderno, ou da mais distante galáxia
vai
nascer, quebrando a ordem do dia.
E
quando nascer
talvez
menos estrelas terá o universo
nos
meus ouvidos
menos
uma canção.
Macunaíma
Graça Graúna*
Img: O Batizado de Macunaíma de Tarsila do Amaral – Óleo sobre tela: 132,5 x 250 cm |
Do fundo da mata virgem
ele ri mui gostosamente alto
e diz: – ai que preguiça!
Coisa de sarapantar
os sons e os sentidos
espalham-se
um
três
trezentos
amarelos
brancos
pretos retintos
pícaros/ícaros
Brasil
brazis
crias de um homem submerso
ele ri mui gostosamente alto
e diz: – ai que preguiça!
Coisa de sarapantar
os sons e os sentidos
espalham-se
um
três
trezentos
amarelos
brancos
pretos retintos
pícaros/ícaros
Brasil
brazis
crias de um homem submerso
Ao pai que escolhi para meus filhos
Reviewed by Natanael Lima Jr
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Realmente imperdível Domingo com Poesia , com esse texto de Salete Rêgo Barros
ResponderExcluirAgradecemos seu comentário e sua visita.
ResponderExcluirNatanael Lima Jr
Editor
Muito obrigado pelo comentário, para nós que fazemos o domingo com poesia é muito bom quando encontramos comentários em nossa caixa, dá rumo aos nossos trabalhos.
ResponderExcluirFrederico Spencer
Editor de Texto
Muito boa a análise dos Dias dos Pais feita por Salete Rêgo Barros, vivemos em uma sociedade capitalista, que infelizmente transforma qualquer evento em uma máquina corporativa financeira ou numa plataforma política. Os valores que damos aos nossos genitores independe de datas especiais e sim de transmissão de valores, o que aqui no Brasil, depende de uma reeducação ética.
ResponderExcluirCaro Maurício,
ResponderExcluirEste é um espaço plural e democrático. Agradecemos todos os comentários.
Natanael Lima Jr
Editor