O Cavaleiro de Versos
Frederico Spencer*
César Leal/Foto: Reprodução
(1924 – 2013)
Poeta, crítico literário e jornalista,
César Leal aportou na Cidade do Recife, vindo do Estado do Ceará para defender,
com a caneta nas mãos e sua poética como bandeira, a poesia pernambucana,
transformando-se num de seus maiores divulgadores. Como trincheira assinou o
caderno Panorama Literário do Diario de Pernambuco, para dar voz e espaço para
aqueles que se propuseram a entrar na guerra.
A geração 65, um dos principais
movimentos literários do país, oriundo dos becos e vielas da Cidade de Jaboatão
dos Guararapes, encontrou seu canal de voz, quando os poetas Jaci Bezerra e
Alberto da Cunha Melo, colocaram nas mãos de César uma coroa de sonetos e
outros poemas políticos. Foi o bastante para incendiar as páginas do jornal e
os guetos das cidades do Recife, Jaboatão e Olinda, de onde uma tropa de elite
da poesia pernambucana levantou-se e mostrou seus poemas/armas, em plena década
de 60.
César, qual seu xará de Roma, invadiu
universidades e imprimiu seu tempo. Tornou-se professor de literatura emérito
da UFPE, fundou a Revista Estudos Universitários, da qual foi seu editor
durante quarenta anos. Foi o primeiro poeta de língua portuguesa a ter seus
poemas gravados para o acervo fonográfico da biblioteca de Harvard (EUA). Publicou
mais de trinta títulos entre poesia e crítica literária.
Recebeu várias comendas, dentre elas
se destaca o título de Cidadão Pernambucano e o título de Cavaliere da Ordem do
Mérito da República Italiana, outorgado nos anos 80. Foi também membro-titular
do Conselho Federal de Cultura (MinC), do Conselho de Liberdade de Expressão do
Ministério da Justiça e do Conselho Diretor da Fundação Joaquim Nabuco.
Pelo conjunto da obra foi agraciado em
2006 com o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras. Em 2007
foi eleito para a cadeira de número 23 da Academia Pernambucana de Letras.
Da cena sai o homem, mas sua obra
permanece. César encantou-se neste junho de chuvas na Cidade do Recife, lavada
pelos versos de tantos poetas que pelas suas mãos floresceram, banharam-se no
Capibaribe e se tornaram realidade, qual as casas de massapé que habitam suas
margens enfrentando agora as diversidades desse tempo.
*Frederico Spencer é poeta,
sociólogo e psicopedagogo
Dois poemas de César Leal
Análise da Sombra
Analisa-se da sombra
seu caráter permanente:
pela manhã retraindo
a imagem, à tarde crescente.
E aquele instante em que a sombra
adelgaça o corpo fino
como se no chão entrasse
quando o sol se encontra a pino.
Quem a esse instante mira
em oposição ao lado
onde o sol era luz antes
logo vê o passo vago
da sombra que agora cresce
o corpo de onde se filtra
até fundir-se no limbo
que em torno dela gravita.
Forma esse limbo a coroa
que as sombras traz federadas:
soma de todas as sombras
num só nó à noite atadas.
seu caráter permanente:
pela manhã retraindo
a imagem, à tarde crescente.
E aquele instante em que a sombra
adelgaça o corpo fino
como se no chão entrasse
quando o sol se encontra a pino.
Quem a esse instante mira
em oposição ao lado
onde o sol era luz antes
logo vê o passo vago
da sombra que agora cresce
o corpo de onde se filtra
até fundir-se no limbo
que em torno dela gravita.
Forma esse limbo a coroa
que as sombras traz federadas:
soma de todas as sombras
num só nó à noite atadas.
Sutilíssimo Eterno
Sutilíssimo eterno que
habita
minhas saletas interiores
onde trago o tempo guardado
noturno e resignado
sutilíssimo eterno interior
que como um tálamo é
em minha alma limpa e sofrida
como água dormida em pedra
que eterna seiva alimenta
este tempo em mim retido
plumagem livre de flor
forma exata imperecível
sinto-te assim como um trunfo
branda coroa do eterno
além das nuvens, das águas
ouço o teu metal desperto
se existes no ser completo
na cinza móvel das sombras
por que retiras de mim
tudo o que em mim não é pântano?
minhas saletas interiores
onde trago o tempo guardado
noturno e resignado
sutilíssimo eterno interior
que como um tálamo é
em minha alma limpa e sofrida
como água dormida em pedra
que eterna seiva alimenta
este tempo em mim retido
plumagem livre de flor
forma exata imperecível
sinto-te assim como um trunfo
branda coroa do eterno
além das nuvens, das águas
ouço o teu metal desperto
se existes no ser completo
na cinza móvel das sombras
por que retiras de mim
tudo o que em mim não é pântano?
Ave,
Samuca Santos
Samuca faleceu na noite de quinta-feira.
Foto: Reprodução
Faleceu às 23h30 da noite da quinta-feira (06) o poeta Samuel
Ferreira dos Santos, conhecido como Samuca Santos.
Samuca nasceu em Recife em 1960, escreveu os livros Nos
arredores da festa (1981), Estopim (1981), Amarginal
(1990), +Alguns (2008) e 7
Contos & uns Trocados (2011), além de ter
participado de coletâneas como Marginal Recife 2 (2003). Também
teve poemas publicados em diversos fanzines e jornais. Ele participava
ativamente de publicações editoriais independentes e também era radialista de
programas de emissoras de rádio FM, como a Cidade.
Dois Poemas de Samuca Santos
Poema frito na língua
da janela
maré enchendo
no mangue do quintal
saúnas festejam não-sei-o-que
aratus sobem nas cercas
os barcos, sábios
não dizem nada, balançam
e a manhã tem dois caminhos:
a espiral dos erros
as esquinas do caos
e um terceiro, inominável
e surdo, hermeticamente calado
não suporto esses dias
que começam com poemas assim
Ars poética
A ideia está no ar
Pegue-a
Usando a suave firmeza
Com que se aperta
A mão do amigo: quente
Nem morno nem brasa
A mão que acalma o filho
Molda-se na argila
E faz versos pra amada
Pegue
Areia pra fazer cristal
Farinha pra bolo de feijão
Matéria espiritual
Carinho zelo tesão
Agora solte o poema
Poemas de Natanael Lima Jr, Juareiz Correya, José Terra e Alberto
Lins Caldas
Poema para uma
quarta-feira em cinzas*
Natanael
Lima Jr
Imagem: Reprodução |
nada
além de uma noite vazia
sem
gozo
sem
brilho
des
c
o
l
o
r
i
d
a
nossos
corpos envolvidos
numa
cinza paixão
de
uma quarta-feira
sem
vida
*do
Livro “À espera do último girassol & outros poemas”, 2011, p. 77
Inferno do Recife
Juareiz
Correya
Imagem: Reprodução |
Fechou-se
o tempo.
Abriu-se o mar do céu.
O Recife é um arquipélago submerso.
Continente perdido, terra de ninguém.
Chove na cidade inteira :
Mais fodida do que a sua gente.
A chuva não é um prazer, um gozo cósmico.
E não fecundará nada.
Mergulhamos no Inferno do Inverno !
Abriu-se o mar do céu.
O Recife é um arquipélago submerso.
Continente perdido, terra de ninguém.
Chove na cidade inteira :
Mais fodida do que a sua gente.
A chuva não é um prazer, um gozo cósmico.
E não fecundará nada.
Mergulhamos no Inferno do Inverno !
(Recife, 5 de junho/2013)
Minha namorada*
José Terra
Imagem: Reprodução |
Meus Deus
será minha namorada emprestando luz à solidão ?
É minha namorada nas raízes do Brasil
com a cruz de Pernambuco ?
Será minha namorada
ensinando vinho e verso no dia da paz ?
É minha namorada com a rosa dos amantes
e o perfume das alquimias ?
Será minha namorada
pregando a poesia, o poema e o amor
com carmins e jasmins ?
É minha namorada lotando de seda os peões ?
Amo a minha namorada clássica
ela pula comigo a catraca do ônibus
come lanche de moedas
vai ao cinema dos sem-terra e sem-teto
e se faz rainha na chincha
*( do livro " POESIA DO MESMO SANGUE ", 2007, EM PARCERIA
COM O POETA JUAREIZ CORREYA )
Alberto Lins
Caldas
*
●
menos pedra menos cascalho menos lixo ●
●
nesse espaço assim tão plano e velho ●
●
sempre vincado do q não se torna arável ●
●
pedra sobre pedra e cascalho nas bordas ●
●
tudo assim sem entranhas sem sangue ●
●
lavra seca so esturricada e fuligem dura ●
●
não se caminha nas palavras nem avança ●
●
a poeira nessas brechas do não dito dito ●
●
pois não ha novas plantações no sem fim ●
●
não caminhamos faz tempo e tanto vazio ●
●
q nem se sabe mais nem qual caminho ●
●
q so espreita e fere e torna tudo so igual ●
●
levantar as mãos chupar as pedras o pó ●
●
sete vezes quanto mais melhor e pior ●
●
porq a terra assim se afasta e não se diz ●
●
é so um falar pra nada em ondas e nada ●
●
o corpo cede as pernas tremem e nada ●
●
o antes não transborda e não se diz nada ●
*
“Meus Domingos com Poesia”
por Márcia Maracajá*
Troféu
Top Blog Brasil 2012
Há alguns
meses, tenho feito de meus domingos um encontro saboroso com a poesia. Não que
antes a poesia nos domingos inexistisse, fosse dar uma volta e me deixasse. O
fato é que como não frequento igrejas, templos, casas de oração, dediquei-me a
visitar os domingos poéticos como missão, compromisso firmado e encontrado nas
letras e na alma de outros poetas. Uma rotina que venho cumprindo sem
sofrimento (eu que sou aquariana com ascendente em sagitário, toda vento,
marcada pela inquietude e pela liberdade de se ser), me dou a esse prazer, de
parar e ficar pela poesia. E aos domingos é o que tenho feito.
Convidada por Natanael Jr., editor do Blog DOMINGO COM POESIA, tenho
feito parte dessa consagração a que todos nós, fieis amantes dessa arte, permitimos nos entregar,
abrindo os braços e acolhendo, recebendo e compartilhando o que é nos dado e
não podemos represar. A poesia está para quem a ela se permitir sem
intenção de com ela escravizar. E por isso mesmo acredito que o trabalho
do DOMINGO COM POESIA destaca-se no cenário pernambucano, nacional.
É tardio meu comentário, mas oportuno. Enquanto eventos vários são
executados em torno da poesia aqui em Pernambuco, trabalhos como os do
Blog DOMINGO COM POESIA - que recebeu premiação nacional do TOP BLOG
BRASIL 2012, concorrendo com 18 mil blogueiros inscritos, colocando-se no 2º
LUGAR da categoria LITERATURA, e único blog nesta edição a representar o
Nordeste - fica de fora da cena literária, das rodas, dos encontros, e
Pernambuco se perde nas mesmas rodas, no redemoinho evocativo dos egos
suplicantes, da confusão dicotômica e silenciosa a quem devem os
merecidos(?) lugares nas cadeiras, tamboretes e afins atribuídos aos
poetas/escritores (com livro ou não), se dirigidos aos intelectuais
certificados com graduação nivelada em alto nível, aos seus próximos (nem tantos
assim), ou aos poetas soltos por aí e que libertam a sua poesia.
Vejo muita gente se endividar pela publicação de livros, que sem o
impresso fica difícil de fazer e falar de poesia. Ouço muita gente dizer que
escreve poesia. Até saem na mídia (várias delas), acho interessante. Legal. Mas
onde está a poesia, além das panelas? Tem poeta que nem sequer tem
livro, nem um folhetinho distribuído, não compartilha nenhuma poesia
pra gente, sedentos leitores, apreciadores da poesia e de conhecê-los, e
estão fazendo cena. É intrigante... ai ai Pernambuco...
Mas, eu vim aqui pra falar da poesia LIVRE, hermana, despanelada,
agregante, companheira na luta pela democratização das ideias. Vim falar de
poesia não para autopromoção, vendagem de livros, nem pra ganhar uns
trocados e subir num pedestal, mesquinharia que coopta sutilmente quem luta por
um espaço pra falar do que acredita, mas se troca por um pouco que parece
muito, esquecendo os seus iguais.
Meus domingos têm sido de poesia, já falei, e por isso mesmo escrevo
esse texto, para agradecer ao editor do Blog DOMINGO COM POESIA por
inserir a poesia pernambucana no cenário nacional como ele tem conduzido tão
bem. Agradeço por divulgar meu blog e minha poesia, que deixa de ser minha a
partir do momento em que solto pro mundo, assim como a de colegas e gente
brilhante que tem feito poesia com essa alma nossa, gratuita.
Fica aqui registrado o meu apreço pelo trabalho do DOMINGO COM POESIA,
na pessoa de Natanael Jr., e desejo de vida longa e sucesso para a renovação de
outras conquistas, que certamente estão por vir.
Meu abraço fraterno e minha poesia.
*Márcia Maracajá é escritora blogueira, performer literária e consultora textual
O Cavaleiro de Versos
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
10:37
Rating:
Há tempos não via algo tão instigante e inspirador quanto este Domingo com Poesia. Parabéns, Natanael Lima Jr.
ResponderExcluirAgradecemos seu comentário e visita.
ResponderExcluirNatanael Lima Jr
Editor