A Poeta Deborah Brennand
por Marcus
Accioly*
Foto: Reprodução
Deborah Brennand
Se é difícil tocar o nome de Deborah Brennand, sem fazer soar o pintor
Francisco Brennand, é impossível falar da poesia de Deborah, sem considerar a
pintura das suas palavras: Deborah escreve pintando. Logo, urge tratar da
pintura (ou – à Camões – da “poesia muda”) na poesia (ou – da pintura com voz)
de Deborah Brennand. A correspondência das duas artes, poesia e pintura, é a do
poema – Correspondências – de
Baudelaire: “Os sons, os perfumes e as cores se correspondem”. Os que pensam,
erroneamente, que Deborah Brennand seja uma poeta bissexta, devem passar os
olhos pela sua obra – Poesia Reunida –
ou contar as 707 páginas do volume, para saber que poucos poetas escreveram
tanto e tão bem. Decerto que ela ficou escondida, conforme diz: “Como a doce
maçã que rubra, / lá em cima, no alto do mais alto ramo, / os colhedores
esqueceram”. Esqueceram? ela mesma completa: “Não, não esqueceram: / não
puderam atingir”. Atingir não é o mesmo que alcançar: alcançar é perto, ou mais
perto, atingir é longe, ou mais longe. Deborah está sempre mais longe, mais
alta. Passando os olhos pelos títulos dos seus livros – O Punhal tingido, Noites de sol ou As viagens do sonho, O cadeado
negro, Pomar de sombras, Claridades, Maçãs negras, Letras verdes – observa-se
que desde O punhal tingido (onde a
cor vermelha) às Letras verdes (onde
a cor explícita) há uma profusão de cores e de sombras, ou seja, de noites
negras e de sol amarelo, de viagens em preto-de-branco ou pelo colorido dos
seus sonhos, de um cadeado negro que fecha as cores na ausência de luz, de um
pomar sombrio, de uma claridade opaca, ou de maçãs vermelhas que são negras.
Há, na poesia de Deborah Brennand, um permanente crepúsculo, um contínuo
arrebol, um lusco-fusco interminável. Daí seu claro-escuro, o seu
anoitecer-alvorecer, as suas certas horas incertas, sua mistura dia versus
noite. Negro é seu lápis – seu pincel escuro, mas sua folha ou quadro é sempre
branco. Deborah deve ter amado – e como! – as manhãs imensas e as tardes
enormes do seu engenho – Lagoa do Ramo – em Nazaré da Mata. Diferente do poeta
João Cabral de Melo Neto, que saiu de uma espécie de sonambulismo surrealista
para um brusco despertar, Deborah veio do sono das sombras ou das sombras do
sonho e, esfregando os olhos à luz e o outro à treva. Em – Um coração sem alma (cujo título já faz parte da sua alquimia) ela
enxerga: “Um sol raiava negro em seus cabelos”. Eis, leitor, sua estranha
reversão. Ao contrário de quase todos os poetas que colocaram uma luz, um
reflexo, um lampejo de pedra preciosa, como um raio de sol sobre os cabelos,
ela empresta ao sol – em um admirável paradoxo – a cor negra dos cabelos. O
sol, no caso, é a própria juventude. O poder da poesia de Deborah consegue
iluminar o negro, dar cor ao sem cor, fazer do escuro um negro sol brilhante.
Essa prática sua é tão constante que, no caso, não só alcança, atinge. O seu
prazer é o da ambiguidade, da dubiedade, da anfibologia. No poema – A viagem – aparecem os versos: “Sobre
pedras insensíveis / que os cavalos magoaram”. Ao transferir a insensibilidade
das pedras para a insensibilidade dos cascos. Deborah atinge outro resultado:
os cavalos, no insensível galopar, despertam – ou magoam – a sensibilidade das
pedras, pois tudo dói quando nascem ou quando desperta.
A poesia de Deborah Brennand mais se aproxima dos quartetos – Rubáiyát – do poeta persa Omar Kháyyám,
do que dos haicais da poesia nipônica. No poema – Agosto – ela mantém um diálogo com as fadas: “As fadas hoje
disseram-me: / ‘Aproveite o vento forte de agosto / E joga os teus sonhos
fora’. / Então, prudente e temerosa, perguntei: - ‘que farei quando chegar
novembro / E o sol brilhar sem eu sonhar / Como o viço das rosas vermelhas?’”
Eis a rosa da sua poesia, pintada a giz, a lápis, tinta ou sangue.
Renato Carneiro Campos disse que a poesia de Deborah Brennand é – “O
sopro fugindo por uma flauta de prata”. Ele tem razão, mas tudo nela foge e
permanece – o sopro que foge por sua flauta de prata – permanece música.
*Marcus Accioly é poeta e membro da Academia Pernambucana de Letras
DOMINGO COM POESIA
GANHA NOVOS COLABORADORES
O Domingo com Poesia tem a alegria de apresentar aos seus inúmeros leitores dois novos
colaboradores, dois importantes nomes da literatura pernambucana e brasileira: Fátima Quintas e Marcus Accioly.
Fátima Quintas é antropóloga, escritora e cronista, atual presidente da
Academia Pernambucana de Letras. Marcus Accioly é poeta, graduado em Direito
pela Universidade Católica de Pernambuco, e pós-graduado em Teoria Literária
pela Universidade Federal de Pernambuco. Foi integrante da Geração 65 e do
Movimento Armorial. Membro da Academia Pernambucana de Letras e atual
presidente do Conselho Estadual de Cultura de Pernambuco.
Fotos: Reprodução
Diga aí!
Defensor da educação como meio de libertação, o educador Paulo Freire disse certa ocasião: “A educação modela as almas e recria os corações. Ela é a alavanca das mudanças sociais.” Em outra ocasião, ressaltou que “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.”
Diga lá!
Fevereiro é o mês de nascimento
e encantamento de importantes poetas:
*Hilda Hilst (SP) – 04/02
(Encantamento)
*Cyl Gallindo (PE) – 04/02 (Encantamento)
*Mário Melo (PE) – 05/02
(Nascimento)
*Francisco Espinhara (PE) –
14/02 (Encantamento)
*Adelmar Tavares (PE) – 16/02
(Nascimento)
*Fagundes Varela (RJ) – 18/02
(Encantamento)
*Lêdo Ivo (AL) – 18/02
(Nascimento)
*Solano Trindade (PE) – 19/02
(Encantamento)
*Paulo Mendes Campos
(MG) – 28/02 (Nascimento)
*Mário de Andrade (SP) –
25/02 (Encantamento)
POEMAS DE NATANAEL
LIMA JR, FREDERICO SPENCER E PAULO ROCHA
Espelho dos teus olhos*
Natanael Lima Jr
Imagem: Reprodução |
Vejo
no brilho dos teus olhos
o
reflexo do universo
que
há em mim.
Vejo
no brilho dos teus olhos
a
singularidade das cores da natureza,
a
conexão do real e do abstrato.
Vejo
no brilho dos teus olhos
o
lirismo exagerado e compulsivo
das
manhas e manhãs inumeráveis.
Vejo
no brilho dos teus olhos
o
reflexo do (meu) universo
submerso.
*do livro “À espera do último girassol &
outros poemas”. 2011.
Uma resposta especial*
Frederico Spencer
Imagem: Reprodução |
No
silêncio me fiz
neste
mundo quadrado
que
inventei, colando os cacos
do
teu mundo inventado, portanto
não
me venhas com teus sons,
com
tuas velocidades mágicas.
Com
meus passos desajeitados
posso
atravessar teus telhados
de
vidro, teu chão de giz
dá-me,
tua mão
vem
comigo que te mostro
esse
tempo
que
no silêncio se faz, comigo.
*poema
escrito especialmente para um seminário sobre autismo na Faculdade
Metropolitana do Grande Recife, em janeiro/2013.
Ao nascer da madrugada
Paulo Rocha*
Imagem: Reprodução |
Ao
nascer da madrugada
Fiz
um prefácio do dia
No
som do primeiro vento
Catalisei
tua energia
Acertei
dez linhas curvas
Acordei
uma sinfonia
Aprendi
o que não sabia
Na
cartilha desse intento
Espiei
por cada porta
Tateei
cada pedaço
Revivi
tua língua morta
Tua
água fundiu meu aço
Vivi
num momento um dia
Rompi
da física o cabaço
Provei
que com amor cabiam
Dois
corpos, ao mesmo tempo,
No
mesmo espaço.
*Paulo
Rocha é contista e editor do Jornal Gazeta Nossa
A Poeta Deborah Brennand
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