Onde a Porca Torce o Rabo II
por Frederico Spencer*
Foto: Reprodução
O Pensador de Auguste Rodin
“O
poeta transfigura a realidade tornando-a suportável à sensibilidade dos
homens.”
Fátima
Quintas.
Nada melhor que começar o ano falando
em poesia. Para tanto retornarei ao meu último texto postado, que tinha como
tema o fazer poético, resultado de um seminário em que participei e no qual foi
levantada a discussão sobre a poesia como instrumento para a educação de
jovens.
Naquele momento ficou evidente que o
grande problema para a implantação deste projeto era: de que maneira os jovens
iriam entender o conteúdo do texto, isto é, o que o poeta quis dizer quando
escreveu o poema? A poesia parece de difícil entendimento, posto que ao ler um
poema, cada um entende de maneira própria e também ao reler descobrimos muitas
vezes outro conteúdo.
O nosso imediatismo, resultado de um
ensino cartesiano, portanto da formação de um pensamento linear, no qual estão
assentadas as bases da ideologia do neoliberalismo onde se busca a perpetuação
de um homem tecnocrático, onde a racionalidade se sobrepõe de maneira rigorosa
às questões da existência humana. Deste modo, impõe questões como estas quando
nos deparamos frente ao imaginário, frente à cultura imaterial que faz parte da
ontologia genética do homem.
Retornando ao tema, Fátima Quintas,
atual presidente da Academia Pernambucana de Letras, referindo-se à poesia nos
diz: “Nela encontramos as metáforas da vida e toda a simbologia do que se vê e
do que não se vê”. É a partir deste ponto onde a porca torce o rabo. A
simbologia do que se vê e daquilo que não se vê nos coloca em choque com nossas
crenças. Como acreditar naquilo que só conhecemos no nível do sensorial? Como
podemos processar o conteúdo daquilo que é fluídico ao nosso olhar concreto?
O fazer poético, segundo o crítico
literário e poeta César Leal, é a consagração das imagens que o poeta traz em
seu espírito e que transporta para o papel através das palavras. Palavras estas
resignificadas em seu sentido usual e que extraídas do cotidiano adquirem novo
sentido, como se desabrochassem da dureza do asfalto para erguer-se para o alto em busca de luz e
plenitude.
Segundo a teoria piagetiana, o contato
com o novo coloca nossas defesas em alerta, propondo-nos o afastamento do
objeto de desequilíbrio. Neste processo de desequilibração há uma tendência
biológica de retorno ao equilíbrio quando ocorre a assimilação. Com este
movimento, o novo transforma-se em conhecimento, apaziguando-nos.
Neste contexto dá-se também o
conhecimento poético. É preciso, no entanto que se leia mais poesia para
absorvê-la e para entendê-la. Só através da aproximação do objeto desconhecido
formando a construção do outro é que poderemos afastar a indiferença e o
preconceito.
*Frederico Spencer é poeta, sociólogo e psicopedagogo
DEPOIMENTOS DO MULTIARTISTA LUIZ ALBERTO MACHADO SOBRE
OS LIVROS DOS POETAS PERNAMBUCANOS NATANAEL LIMA JR E FREDERICO SPENCER
por Luiz Alberto
Machado*
NATANAEL LIMA JR E “À
ESPERA DO ÚLTIMO GIRASSOL & OUTROS POEMAS”
Ao ler o Último Girassol do Natanael Lima Júnior detectei muitas
afinidades: eu me via em cada verso dos seus poemas, como no meu texto O sol nasce para todos.
Tudo me chamou a atenção no livro. Primeiro pela carga simbólica do
girassol com seu heliotropismo, notadamente a partir das expressões ameríndias
como da deidade inca, também da imortalidade chinesa e das mais variadas
invocações místicas e poéticas.
Além de pernambucano, também iniciou como eu em 1982, publicando seu
primeiro livro. É que pelas mãos do Juareiz Correya na coordenação da Nordestal
Editora, publiquei em 1982 o meu primeiro livro e, em 1983, publiquei meu
segundo livro nas Edições Pirata, pelas mãos do Jaci Bezerra. Quer dizer:
circulamos pelas mesmas amizades no Recife, sem que nos conhecêssemos
pessoalmente.
As afinidades se tornaram mais agudas com seus versos de esperança,
persistência, perseverança, solidão, companheirismo, como se tivéssemos a mesma
preocupação: a do compromisso com o nosso tempo e a nossa terra, como eu
dissera num texto inaugural da primeira publicação das Edições Bagaço. E eu me
vi envolvido emotiva e solidariamente com suas perspectivas e cometimentos
poéticos. Parabéns, Natanael.
Conheci mesmo o autor pela internet quando ele passou a editar o
espetacular blog Domingo com Poesia, acompanhando desde 2011 a publicação de excelentes textos e divulgando
eventos e realizações.
Só pude conhecê-lo pessoalmente durante as festividades da III Flimar,
em Marechal Deodoro, Alagoas, quando vi de perto a grandiosa pessoa e ótimo
livro que se encontra muito bem expressado nas palavras da apresentação do
escritor e professor da UFPE, Douglas Menezes, no prefácio do escritor e
critico literário Luiz Carlos Monteiro e nos depoimentos do poeta e médico José
Luiz Melo, do poeta e editor Juareiz Correya e da doutoranda de Évora, Doralice
Santana. Melhor que eu apenas falar do livro é destacar alguns dos seus poemas
que merecem a atenção e o aplauso de todos.
Ainda batem nossos
corações
Sim, poeta, é chegado o
tempo de recomeçar
É chegado o tempo de nos
unir
Voz a voz
Sonho a sonho
Poema a poema.
Sim, poeta, é chegado o
momento de navegar
(“navegar é preciso”)
E embalar nossos sonhos
Numa canção fraternal
Aberta ao sol e as
manhãs.
Sim, poeta, é chegado à
hora
(“viver não é preciso”)
Nada mais nos acrescenta
Tudo mais nos limita.
E para não nos
esquecermos,
Ainda
batem nossos corações.
Metáfora
O poeta excita
O orgasmo da manhã
E transa com a terra
E o manguezal.
O poeta traça a sua sina
E provoca alterações
No curso provinciano das
águas.
O poeta é que põe
O
sonho em transe.
Premonição
A cidade aflita deixa
existir:
O caos, o medo, o pânico
Em mim.
O medo prometeu
Embora (ainda)
acorrentado
Transgredir o fim.
Quem
vai conter a vida
Quem vai conter a vida
Se é sutilíssimo
O seu poema
Em cada amanhecer?
Aqui ninguém é dor
Ninguém passa a limpo o
tempo
E o excesso é a conta da
vida.
Em nós há primaveras
E manhãs insuladas.
Ninguém há de conter
A vida
transitória.
FREDERICO SPENCER E
“ABRIL SITIADO”
O RECIFE DE ABRIL NA POESIA DE
FREDERICO SPENCER
– Era eu menino aprendendo com a bicicleta nas areias de Boa Viagem: cabeça no
vento pra todas as estripulias que traziam a satisfação da infância, queimando
nos olhos a vontade de viver. Na adolescência fabriquei sonhos de nada e os
incendiei no final de cada bebedeira trocando as pernas na Avenida Pinheiros,
na Imbiribeira. E era no Largo da Paz que eu vivia a Espera dando murro em ponta de facas
enquanto sorria o prazer com o banho tomado do hormônio feminino de Olinda a me
carregar até o Janga onde acendia a ideia de sobreviver singrando a Rio Branco,
o Cais do Apolo, a Pracinha do Diário, a Livro 7, os bares da revolução
festeira, a cachaça das criações esquecidas, os pileques de Fernandinho e Gulu,
as doidices cordelísticas do Giba Melo, a Bagaço, os cicios poéticos de Jaci
Bezerra que me fez Pirata, a solidária mão do Juareiz Correya, os independentes
do Espinhara, o Tobias Pro-Texto, os sermões filosofetílicos do Ângelo
Monteiro, os birinaites do Baixa-Renda do Paulo Caldas e demais amigos e
parceiros que compuseram minha Primeira Reunião e que vivem guardados nas
minhas lembranças mais aguçadas. Era vivendo o Recife de janeiro a janeiro pra
ter a vida além da conta e mérito.
Todas essas lembranças emergiram do
nada com a leitura de Abril Sitiado, do poeta, sociólogo e
psicopedagogo FredericoSpencer.
Lembranças das boas recheadas de fracassos e venturas, aconchegos e deserções,
visagens e dissensões, entusiasmos e veleidades. Recife que um dia foi minha
realização de vida.
Sobre o
livro Abril Sitiado, o escritor e jornalista Maurício MeloJúnior falou: “[...] Frederico, embora impregnado da
temática Marginal – confrontos políticos e desesperos de amor – vai além ao se
impor outra estética. Seus versos já não privilegiam a linguagem
intencionalmente descuidada e cotidiana, ao contrário há uma atenção com a
carpintaria com a confecção frasal [...] E dando os tramites por findos,
preciso se faz dizer que Frederico Spencer é um poeta da contemporaneidade.
Pensa e expressa seu tempo com uma lira doída em suas sangrias naturais, mas
carrega a esperança na ponta dos dedos”. Por isso, confira o livro, eu recomendo.
Carta
aos amigos
Nasci poeta
Na pele das palavras,
teci-me
Tecido de sonhos e
imagens
Do mundo, lancei
Minha rede sem haver mar
Nem terra
Nas paginas dos dias,
amealhar
No fiel o imponderável
pesar.
Nasci poeta
A palavra exata:
Vivo.
Cantiga
ao amor
Não sabia do amor
A agonia, como se amar
Fácil fosse, à noite só:
Imaginar-te chegar:
Se despindo na janela
Essa imensidão de mar
E de silêncio, fia a
solidão
O teu canto dentro da
noite
Vago sem ter nas mãos
Como se amar
Fácil,
fosses.
Abril num dia de sol
Quero falar do meu tempo
Não importa se trago no
peito, desatada
Essa dor informe, canto
avesso:
Falo ao vento ácido
E calo por amor:
A solidão mais que o
medo, é áspera
Essa manhã doendo na
pele
É flâmula abrasada.
Lavro os rubros signos
que inventei
Sob os cílios do sol:
A cidade dos homens
Me cobre com suas asas
de cera.
Sina
Ao emergia de suas águas
Abril era apenas sina
Quando disparou a
ampulheta:
Do seu tempo
Desvendou seu viço em
minhas retinas.
Abril era crivo em minha
sina
Quando seu tempo chegou
Venceu a mim
Seus
medos e cismas.
*Luiz
Alberto Machado é escritor, poeta, compositor e radialista
pernambucano, editor do Guia de Poesia do Projeto SobreSites. Membro da
Cooperativa dos Músicos de Alagoas – Comusa e Cônsul em Alagoas do Poetas del
Mundo. Escreve regularmente para jornais, revistas e alternativos além de
blogs, sites e portais da internet. Já publicou 6 livros de poesias, 8
infantis, 2 de crônicas além de ter vários textos publicados em veículos
impressos e virtuais do Brasil e do exterior. Parte do seu trabalho está
reunido na sua home www.luizalbertomachado.com.br
Onde a Porca Torce o Rabo II
Reviewed by Natanael Lima Jr
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Meu amigo Frederico, ótimo texto, gostaria de saber se nesse seu seminário foi discutido quais seriam os poetas e poesias que deveriam ser utilizados nesse projeto? Veja bem, encaro isso como ponto fundamental pois considero que a juventude de hoje, dos games, da net, da tv a cabo, inserida na tensão das metrópoles, não iria se interessar muito por poemas descontextualizados. Apesar de que um amigo meu fez um trabalho com jovens na escola onde ele é professor que vislumbrava unicamente o arcadismo e os jovens fizeram poemas arcades e tal e a coisa toda foi um sucesso, mas vc não acha que jovens não se identificariam mais com poetas e poesias atuais?
ResponderExcluirParabéns, Natanael... faço-lhe uma visita em meu nome e de Luiz Alberto. Abração e até sempre.
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