Carta Aberta a Gabriel
Marcus Accioly*
marcusaccioly@terra.com.br
Meu caro
Gabriel García Márquez, a intimidade que tenho com seus livros criou-me a falsa
intimidade que sinto com você. Para mim é tão impossível dizer que não o
conheço, quanto é impossível para você dizer que me conhece. Eu costumo
chamá-lo de Gabo, pois a minha enganosa intimidade já reduziu seu nome ao
apelido. Certos estavam os gregos que só tinham um nome e evitavam esse tipo de
forçada intimidade. Quem já ouviu alguém chamar Homero de outro jeito? A única
abreviação do seu nome foi a queda do H (no grego moderno). Daí o Omeros de
Derek Walkott.
Em setembro
de 2000, o jornal publicou sua falsa despedida. Tratava-se de algo que me
remeteu, de imediato, a um texto anterior, atribuído a Borges – Momentos -, cuja autoria por ele foi
negada. Não obstante, na antemanhã seguinte, escrevi uma carta ao seu nome – Pseudocarta a Gabriel García Márquez –
que não cheguei a publicar, pois, como esperava, tal “despedida” foi
considerada apócrifa por você. Evidente que – ao contrário das traças e das
mulheres – tendo o hábito de guardar papel, guardei a carta. Doze anos depois,
chega-me outra notícia e, desta vez, através de uma crônica de Joca Souza Leão,
com o título de “Vida é a que se recorda” – (publicada neste JC em 7 de julho
de 2012) que assim começa: “Plínio Mendonza da Colômbia para o velho amigo e
compadre que mora em Cuba para parabenizá-lo pelos seus 85 anos, no último dia
6 de março. Não falou com ele, mas com a mulher, Mercedes, ‘Gracias compadre,
pero Gabito no recuerda de más nadie; se olvido del mundo”.
Ora-ora –
digo feito o pois-pois dos portugueses – pergunto a você: como é possível uma
coisa dessa? Será que Mercedes e Plínio e Joca não estão equivocados? Que pior
coisa pode acontecer a um escritor, principalmente a um escritor genial, do que
perder a memória – cegar essa visão interna dos sentidos e sentimentos dentro?
O Mal de Alzheimer não foi feito para escritores (menos ainda para os poetas,
pois a musa é filha da memória, Mnemósina, e – à Sören Kierkegaard – “o poeta é
o gênio da lembrança”). Eu próprio costumo dizer – “lembrar é fácil, difícil é
esquecer” – mas a minha perplexidade, diante da notícia inesperada, abre um
postigo que fica entre o lembrar e o imaginar , ou entre o caranguejo e entre o
pássaro. Lembrar é para trás e para a frente. Recordar é somente para trás.
Imaginar é sempre para frente. Mas, se só se imagina com a cabeça, só se
recorda pelo coração. Aliás, recordar é passar de novo pelo coração. Mas que
espécie de rio, Gabo, você tem feito passar novamente pelo coração: o Letes da
completa desmemoria? Sem dúvida que você, nos seus livros, muito mais imaginou
do que lembrou. Não conheço nenhum outro escritor com imaginação – real – e mágica
– tão prodigiosa. Será que, de tanto imaginar, você se deslembrou de recordar,
ou que de tanto recordar o futuro deixou de imaginar o seu passado? Não, Gabo,
você também lembrou e recordou, também contou e recontou a vida: a vida que
viveu para contá-la.
Ao receber
o Nobel de Literatura, em 1982, olhando as fotografias dos que passaram por
ali, você proferiu a seguinte frase: “Daqui a 50 anos ninguém se lembrará de
mim”. Enganou-se, Gabo. Você deixa de lembrar para ser lembrado. Se “se olvidó del
mundo”, o mundo não se olvidará do seu nome, tampouco da sua memória. Talvez
você fique como o seu Coronel, sem receber nenhuma carta, em compensação também
não esperará. A sua solidão será eterna, pois não será mais sua, será minha e
de Joca e de Plínio e de Mercedes, também do seu irmão chamado Jaime, além dos
seus leitores e seus pósteros. A sua solidão será o tempo – será do tempo a sua
solidão. Como no seu conto O afagado mais
bonito do mundo, você já está, Gabo, “onde o sol é tão intenso que os
girassóis não sabem para onde girar”.
Só uma
coisa, a última talvez – uma lembrança ao seu esquecimento – principalmente para
um escritor: esquecer-se do mundo é bem melhor do que lembrar que nele é
esquecido.
Marcus Accioly é poeta
(este artigo foi
publicado no JC em 26/07/2012 e autorizado pelo autor a sua postagem neste
blog)
FESTEJANDO A POESIA
“Grande
Natanael, parabéns pelo aniversário de 1 ano do seu blog! Espero que o “Domingo
com Poesia” continue nos edificando todos os dias e (principalmente) aos
domingos. Que ele continue nos mostrando o melhor da poesia e da prosa
brasileira, estrangeira e em especial, a pernambucana.”
José Terra é poeta
“Natanael, ser poeta para mim é
função/tarefa estratégica traduzir sentimentos, dores, amores, alegrias,
ausências... como se falasse por nós é algo mágico. Parabéns Poeta pela
iniciativa do Blog, pelos poemas pela sua bela militância!”
Ana Selma, cientista social, mestra em
educação e atual secretária de promoção da cidadania da prefeitura do Jaboatão dos
Guararapes.
POEMAS DE NATANAEL LIMA JR, FREDERICO SPENCER E LULA
CÔRTES
Quem vai
conter a vida*
Natanael
Lima Jrse é sutilíssimo
o seu poema
em cada amanhecer?
Aqui
ninguém é dor
ninguém
passa a limpo o tempoe o excesso é a conta da vida.
Em
nós há primaveras
e
manhãs insuladas.Ninguém há de conter
a
vida transitória.
*do livro “À
espera do último girassol & outros poemas”
Carta aos
amigos*
Frederico
Spencerna pele das palavras, teci-me
tecido de sonhos e imagens
do mundo, lancei
minha rede sem haver mar
nem terra
nas páginas dos dias, amealhar
no fiel o imponderável pesar.
Nasci poeta
a palavra exata:
vivo.
*do livro “Abril sitiado”
Segundo poema
para os “cabelos de fogo”*
Lula
Côrtes
A
lua brilha sobre o mar tão calmo
Minha
ansiedade é sem tamanhoCom minhas mãos de sal
Seu coração de sonho?
Carta Aberta a Gabriel
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
16:01
Rating:
Que bonito espaço! Um brinde a poesia!
ResponderExcluirParabéns.
Rê
Obrigado amigo Rê. Saudações poéticas!
ResponderExcluirNatan
Obrigado amigo Rê. Saudações poéticas!
ResponderExcluirNatan