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Linguagem e Sociedade

Frederico Spencer*















Quando o homo sapiens começa a cultuar seus mortos, descobre a finitude da vida. O homem moderno que ali nascia começa a se preocupar com as questões relativas à vida. Esta descoberta traz modificações radicais no modo de viver daquele ser que se formava. A ideia de morte impõe a este homem a certeza que a vida é temporária.

A certeza de sua finitude arrasta-o para um processo de formação de seu caráter filosófico e psicológico. Como forma de vencer uma natureza externa e atroz, passa a construir uma entidade impessoal e atemporal como meio de vencer o tempo e resistir às hostilidades que o cercava; a criação da sociedade lhe traz a ideia de plenitude como forma de preservação da espécie. Deste modo o homem se sobrepõe à natureza, vencendo-a através da união com seus semelhantes.

Para a sociedade funcionar foi preciso a criação de um código signico para dar representação à realidade objetiva que ali se iniciava.  Com a criação da linguagem o homem se joga para o infinito através da perpetuação de sua cultura e de sua arte.

A linguagem tem a função de agregar os indivíduos nas sociedades. Conforme Moser: “para viver em sociedade, foi preciso aprender a entrar em acordo; foi a força da necessidade de comunicação, imposta pela vida em sociedade, que fez nascer a linguagem articulada; para entrarem em acordo”. Neste contexto a linguagem assume uma importância política para criar e manter os vínculos afetivo-cognitivos entre os membros dos grupos sociais e entre esses, desta forma foi-se construindo as sociedades.

A sociedade existe porque ela é capaz de formar uma cultura, a cultura de um povo é “o todo complexo que inclui conhecimento, arte, moral, lei, costumes e quaisquer aptidões adquiridas pelo homem como membro de uma sociedade”, segundo Tylor. A cultura só existe devido à linguagem.

A linguagem humana dá forma ao pensamento, transformando a imaginação em matéria viva, trazendo à realidade o produto do pensamento. Os códigos de comunicação dão forma à fala e à escrita como meio de fixar na natureza as vontades humanas. Desta maneira o homem forja seu universo cultural, esculpido por um mundo subjetivo, codificado por sons e imagens.

Somos formados por conceitos e através deles, formamos um ideal de mundo o qual repassamos aos demais de nosso convívio, numa cadeia constante de troca para a transformação ou a perpetuação do mundo-objeto. Essa conceitualização das coisas forma o nosso mundo ideologizado, portanto social. A linguagem cria a identidade da raça humana e a expande pela comunicação.

A linguagem é tão importante para a preservação da raça humana quanto os bens que em sociedade criamos como meio de sobrevivência no mundo físico, a mesma tem o poder de qualificar o homem para criar um ambiente estético onde a vida pulsa e o projeta à humanização, rompendo a mecânica da vida social.

O filósofo alemão Nietzsche diz a seguinte frase "a arte existe para que a realidade não nos destrua"; Nietzsche acreditava que a arte poderia oferecer aos homens força e capacidade para enfrentar as dores da vida, fazendo-os "dizer sim" a ela. A própria vida, argumenta, justifica-se enquanto fenômeno estético - o mundo é um acontecimento estético.

* Frederico Spencer é poeta, sociólogo e psicopedagogo



POEMAS DE NATANAEL LIMA JR, IVAN MARINHO, DORALICE SANTANA, PAULO CAMINHA E CELINA DE HOLANDA



Amigos, onde eu os vi?*
Natanael Lima Jr
                                  

“Na primeira noite eles aproximam-se
e colhem uma flor do nosso jardim
e não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores, matam o nosso cão,
e não dizemos nada...”
(Maiacovski)
                                  

Amigos,
onde eu os vi?
poderia até dizer
que os vi chegar
e mais,
que os vi colhendo flores
e, trôpegos,
pisam com os pés macerados
o jardim do meu coração.

Amigos,
onde eu os vi?
poderia até dizer
que os vi passar
e mais,
que os vi apagando estrelas
descolorindo sonhos
e manhãs.

Amigos, onde eu os vi?

*do livro “À espera do último girassol & outros poemas”. Edições Bagaço, 2011.



A nau dos loucos*
Ivan Marinho

No futuro, tudo seria cinza
Ou o mofo do frio no azul
Que um dia acordou toda manhã,
Toda flor e
Toda borboleta.

No futuro, as palavras seriam letras
Espalhadas num branco infernal
Se buscando como procura o cais
A nau dos loucos
Com os ventos soltos do caos.

*do livro “Anti-Horário”. Edição do autor, 2000.



Sonhos
Doralice Santana

De que são feitos os sonhos, afinal?
Do abstrato querer mais profundo,
Ou do psicanalismo freudiano que tudo explica?
Da matéria do pó das estrelas,
Ou do vento que sopra onde quer?
Quando sonho me transporto,
Me desdobro, sinto, cheiro, degusto,
Vivo
Numa dimensão além,
onde tudo que quero, posso
onde encontro quem quero
e beijo quem amo
e tudo que não conheço, sei.
Quando sonho estou acordada.
O sonho é meu reino.
Lá sou a dona absoluta do meu querer.



Quisera*
Paulo Caminha

Quisera ser o vento acolhedor
das manhãs preguiçosas
e, o sol risonho que te aquece
quando sentes frio.

Quisera ser a água límpida
que esfregas o rosto e banhas teu corpo,
e, o espelho, retrato momentâneo
de tua beleza despida.

Quisera não sentir-me frustrado
pelo vento em outras paragens,
como o sol distante da água suja,
no retrato à parede.

*do livrete “Canto Primeiro”. Edição do autor.



A escultura*
Celina de Holanda


Era um tronco no chão
uma força derrubada
como eu.
Talvez alguém me faça
cortando firme e forte
um rosto como este:
com seus vincos de morte e na boca
o talho firme para a voz guerreira.

 
*do livro “Roda d’água”. Edições Pirata, 1981.

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