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Manuel: Essa Bandeira Pernambucana

Douglas Menezes*

   

Relendo outro dia a obra de Manuel Bandeira, voltei a impressionar-me com o conteúdo humano do trabalho artístico do poeta pernambucano. Não que pairasse sobre mim alguma dúvida em relação à qualidade poética desse recifense maior. Digo mesmo que todo brasileiro sensível deveria ler a poesia de Bandeira. O que afirmo, no entanto, cheio de encantamento é que o seu legado, repleto de humanidade, traz, sobretudo, uma atualidade que não sente a passagem do tempo. Isto porque há, hoje no mundo, um novo sopro de humanismo fazendo frente ao desregrado materialismo tecnológico.

Em Bandeira, a fusão simplicidade, conteúdo profundo e ternura humana são uma constante. Mesmo nos poemas intimistas onde o poeta deixa transparecer sua solidão, sua tristeza por não ter sido um homem comum, não se encontra gestos de revolta, mas de resignada melancolia: “Vi uma estrela tão alta! / Vi uma estrela tão fria! / Vi uma estrela luzindo / Na minha vida vazia”.

Tuberculoso desde jovem, solitário, mas muito respeitado, sempre esperando morrer no próximo mês, Bandeira possuía um senso de amor às pessoas muito raro. Um humanismo que só os grandes espíritos atingem na passagem aqui pela  terra. E esse carinho foi expresso, principalmente, em relação a seres humildes, a pessoas anônimas, que não são notícias: “Irene preta / Irene boa / Irene sempre de bom humor. / Imagino Irene entrando no céu: / - Licença, meu branco! / E São Pedro bonachão;/ -Entra, Irene. Você não precisa pedir licença”.

Manuel foi um solitário, solidário aos outros. Cantou o amor que não teve. Cantou a mulher que não possuiu. Mas inventou palavras para ela: “Beijo pouco falo menos ainda. / Mas invento palavras/ Que traduzem a ternura mais funda / E mais cotidiana. / Inventei, por exemplo, o verbo teadorar. / Intransitivo: / Teadoro , Teodora”.

A solidariedade social também está presente em sua obra, como forma de denunciar a miséria , a injustiça e a grande dívida social deste país para com os pobres: “ Vi ontem um bicho/  Na  imundície do pátio / Catando comida entre os detritos. / Quando achava alguma coisa, / Não examinava nem cheirava: /Engolia com voracidade. / O bicho não era um cão, / Não era um  gato,/ Não era um rato. / O bicho, meu Deus, era um homem”.

No seu grande texto confessional, a visão da vida que queria ter, e não pôde. Mesmo ali, nada de revolta e sim, uma fantasia,  a criação de um mundo hipotético, como se não quisesse incomodar o próximo com sua dor real:”Vou-me embora pra Pasárgada/ Aqui eu não sou feliz/ Lá a existência é uma aventura/ De tal modo inconseqüente/ Que Joana  a Louca de Espanha / Rainha a falsa demente / Vem a ser  contra-parente / Da nora que nunca tive”.

Enfim, não cabe aqui, em poucas linhas, dizer do valor que possui, por ser portentosa, grandiosa, a Literatura de Bandeira. Isto é apenas um tributo humilde.

A poesia de Bandeira, na verdade, é diamante. É um sol que não se apaga. É lua cheia sobre o mar. Um acalanto que nos faz dormir. Um céu cheio de azul. Os olhos verdes da moça, confundindo-se com o canavial. É a fruta doce deste lugar. Pois ele, Manuel, afinal, é a Bandeira maior de Pernambuco.
 
*Douglas Menezes é professor, escritor e da Academia Cabense de Letras.






POEMAS DE CARLOS PENA FILHO, ALBERTO DA CUNHA MELO, JACI BEZERRA, JUAREIZ CORREYA, NATANAEL LIMA JR, DORALICE SANTANA E NILDO BARBOSA



Carlos Pena Filho 
(1929 -1960)


 Soneto das Definições

Não falarei de coisas, mas de inventos
e de pacientes buscas no esquisito.
Em breve, chegarei à cor do grito,
à música das cores e do vento.

 Multiplicar-me-ei em mil cinzentos
(desta maneira, lúcido, me evito)
e a estes pés cansados de granito
saberei transformar em cataventos.

Daí, o meu desprezo a jogos claros
e nunca comparados ou medidos
como estes meus, ilógicos, mas raros.

Daí também, a enorme divergência
entre os dias e os jogos, divertidos
e feitos de beleza e improcedência.

Poema extraído do livro A Vertigem Lúcida




Alberto da Cunha Melo
(1942-2007)


Relógio de Ponto

Tudo que levamos a sério
torna-se amargo. Assim os jogos,
a poesia, todos os pássaros,
mais do que tudo: todo o amor.

De quando em quando faltaremos
a algum compromisso na Terra,
e atravessaremos os córregos
cheios de areia, após as chuvas.

Se alguma súbita alegria
retardar o nosso regresso,
um inesperado companheiro
marcará o nosso cartão.

Tudo que levamos a sério
torna-se amargo. Assim as faixas
da vitória, a própria vitória,
mais do que tudo: o próprio Céu.

De quando em quando faltaremos
a algum compromisso na Terra,
e lavaremos as pupilas
cegas com o verniz das estrelas. 
De Publicação do Corpo (1974)
 



Jaci Bezerra



Veneza Incendiada

(fragmento)

No princípio louvar o mangue e o rio,
daí, após louva-los, percorrê-los,
desfiados nas mãos, fio por fio,
e quando o galo os vir, oferece-los.
O mangue despertar com a noite rala
que esse galo planeja e outro levanta,
antes tendo-a no bico para aguá-la
e, na manhã, sacudi-la da garganta,
ouvir o galo solto em teu vestido,
com outro elaborando o canto : gente,
animais, peixes, bichos encardidos.
E como João Cabral, tentar, no estio,
trazer o mangue inteiro, gravemente,
atrás de mim como ele traz o rio.

Tecer o mangue, jovem ou maduro,
guarda-lo em ti e nele, mangue, amar
a dura faina do seu povo escuro,
bichos e povo fora do lugar.
Oferecendo a ti amor tão puro
como o amor que sinto pelo mar :
amor sério, apesar de prematuro,
raríssimo de ver e de encontrar.
Situar-me depois no mangue verde
e esquecido nas sombras do teu rosto
extinguir minha fome e minha sede.
Só depois, novamente surpreendido,
salvar os retirantes que andam soltos
no mangue que circunda o teu vestido.
...............................................
(do LIVRO DAS INCANDESCÊNCIAS)




Juareiz Correya


 Identificado Recife


hoje amanheci domingo
estou cedo pelo Recife deserto
as possibilidades são raras
nesta cidade que eu sou :
o sol do atlântico pode me devorar
ou a chuva do capibaribe me apodrecer.
ninguém transita ou veicula sorrisos
não chega ou se despede ninguém cotidiano
tudo sou eu que parei e descanso mortomente.
a cidade que sou entardecerá cinemas
crepusculabrirá bares
travestidas boates sexuais passeios
passagens noite a dentro.
amanhãserei primeiro
segunda feira
dia que te uso e mascateias

(da antologia ÁLBUM DO RECIFE)
 



Natanael Lima Jr


 Rumor de Estrelas

Que céu permanece
infinito em nós?
Quem o enxerga
além da limitada vista?

Companheiros,
não se dispersem
na caminhada incerta,
permitam ascender mundos,
arrolar sonhos;
permitam ascender estrelas,
arrefecer trevas.

Companheiros,
cada instante é único
na caminhada de trôpegos e vacilantes passos.

Sutilíssima
é a existência humana,
tudo transcende
e tudo germina.

(do livro “À espera do último girassol”, poema classificado no XXXIII Concurso Internacional de Literatura, promovido pelas Edições AG-SP - 2011)




Doralice Santana


Corpos e Almas

Esses corpos que deitam-se juntos
Esperando carinho e emoção
Esquecendo-se que são
mais do que corpos
que há alma e há luz
ao seu redor
são os mesmos que outrora
sós vagavam
procurando um sentido
de querer.
Essas almas, cúmplices da farsa
Disfarçando o que sentem
Fingindo ser gente
Vigiando os sinais
Ganham alma no mesmo desejo
Perdem corpo no mesmo entorpecer
Acreditam-se livres
Sanas
Lúcidas
Plenas...
E nessa ilusão
Perdem de vista
O milagre humano
De ser um só.

(do livro “Do Amar e outros versos”)




Nildo Barbosa*


O TODO QUE SE QUER SER

SOBRE O SABER, NUNCA SE SABE TUDO.
SOBRE O TUDO, NUNCA SE VER O TODO.
O TODO QUE SE QUER VER.
O TODO QUE SE QUER SER.
SERÁ QUE TUDO SE SABE DO SER?

(*Nildo Barbosa é professor, poeta e Gerente de Cultura da Sec. Executiva de Cultura e Eventos de Jaboatão dos Guararapes)



Manuel: Essa Bandeira Pernambucana Manuel: Essa Bandeira Pernambucana Reviewed by Natanael Lima Jr on 19:24 Rating: 5

Um comentário

  1. Ola, poeta.
    Chamo-me Severino Leandro. Também sou escritor, autor do Livro Minhas Emoçoes- em versos - Ed Universitaria 2009. O seu blog tem bela diagramaçao e os seus versos moram em suntuosos castelos e reis e rainhas se embelezam quando os ler. Um grande abraço. Leandro.

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