ENTREVISTA COM A ESCRITORA CONCEIÇÃO RODRIGUES

 

Postado Por DCP I 25/11/2024


Entrevista concedida ao poeta José Terra*











Conceição Rodrigues I Foto: Reprodução









Vou escrever sobre qualquer tema e da maneira que achar adequada, tocando nos temas que me “chamam”, sejam quais forem. Já me disseram que minha literatura parecia ser “masculina”, por ser “violenta/ agressiva”. Mulher não pode escrever assim? 






Conceição Rodrigues é formada em Letras, tem especialização em Literatura brasileira e é mestre em Estudos da linguagem. É poeta, romancista, contista e cronista. Recebeu menção honrosa no “III Prêmio Pernambuco de Literatura” com o livro de contos “Corda para nós”, e no “IV Prêmio Pernambuco de Literatura” recebeu menção honrosa com o romance “323”. Organiza e participa de antologias. Dá assessoria em produção textual em diversos gêneros, faz mentoria literária e leitura crítica de literatura. Publicou em 2020 “Molhada até os ossos”, livro de poemas; Em 2021, “Os dedos das santas costumam faiscar”, poemas.  Publicou em 2023 “E deus não acudiu ninguém”, contos. Todos pela Editora Patuá. cecitha7777@gmail.com / @cecitarodrigues

 

 

 

José Terra - Como surgiu a Literatura em sua vida?


Conceição Rodrigues - Comecei roubando os livros do meu pai, Bardo Rodrigues, que era poeta. Depois, virei autora de diários, o que me ajudou bastante, pois tive uma infância e uma adolescência conturbadas, além de uma mente sempre “atormentada”. A literatura me salvou.

 

JT - Poeta ou prosador nasce ou se constrói?


CR - Acho que a sensibilidade e as propensões nascem com as pessoas. As inteligências são múltiplas, e é natural que tenhamos mais interesse por uma coisa ou outra na vida. A minha sensibilidade pulsa para a escrita, sempre foi assim. Isso é uma coisa. Outra coisa é trabalhar para desenvolver o máximo possível a habilidade com a qual cada um de nós se realiza. Trabalho muito, não paro nunca. Eu durmo e respiro literatura, e essa é a minha vida.

 

JT - Escrever é uma necessidade para você? Viveria sem escrever?


CR - Acho que essa é uma das primeiras perguntas que todo escritor deve se fazer, deve sondar, pois o caminho da literatura, entre as artes, é muito exigente.

Se me tirarem a escrita, um pedaço grande da minha alma vai junto. E a gente é alma. Não sei se viveria sem um pedaço da alma... talvez não aguentasse a vida, pois essa é minha maneira de dizer ao mundo o que penso, é terapêutico.

 

JT - Como funciona seu processo de escrita? Você se sente mais confortável escrevendo poesia ou prosa?


CR - Eu me sinto confortável fazendo o que meu coração pede no momento. Cada gênero literário tem suas especificidades- eu gosto de misturar, de experenciar, de confrontar..., mas...enfim... é mais do momento, do sentimento, da vibe da vez, é inegável que a poesia estará em tudo o que eu escrever ... a poesia está no vazio absoluto: antes da criação do mundo e quando tudo isso acabar.

 

JT - Existe uma Literatura “feminina” e outra “masculina”?


CR - Eu escrevo. Isso eu sei bem definido. Vou escrever sobre qualquer tema e da maneira que achar adequada, tocando nos temas que me “chamam”, sejam quais forem. Já me disseram que minha literatura parecia ser “masculina”, por ser “violenta/ agressiva”. Mulher não pode escrever assim? O que isso tem a ver? Acho ainda que depende da obra, da proposta. Molhada até os ossos é um livro que celebra a força do feminino, por exemplo, e que toca em assuntos de sensualidade e sexualidade que não são permitidos à mulher por serem prerrogativas do “masculino”. Também gosto de subverter o que a sociedade pode esperar de um gênero ou de outro. Tenho uma personagem em “e deus não acudiu ninguém” que é uma mãe que asfixia sua criança recém-nascida, há um outro conto em que a mãe “que tem o papel social de defender a prole” faz o oposto, joga os filhos numa banheira com eletricidade. Aprecio também o entrelugar, o que não é nenhuma coisa nem outra, ou o que mescla as expectativas e deixa o leitor sem palavras para nomear um gênero... as coisas simplesmente são sem esperar que achemos uma palavra para catalogá-las. Eu escrevo e quero escrever o melhor possível numa literatura que não caiba em rótulos.

 

JT - Fale um pouco de seus três livros: Molhada até os ossos (2020, poesia), Os dedos das santas costumam faiscar (2021, poesia), E Deus não acudiu ninguém (2023, prosa)?


CR - Molhada até os ossos é um compilado em homenagem ao feminino, com liberdade, afoiteza, misticismo, sensualidade... por essas razões é também um ato político... Os dedos das santas é a representação do mundo com suas dores, injustiças, tristezas, lutas e liberdades. Tem uma crítica ao social, ao humano, muito forte, e é desmascaramento, pois enfrenta diretamente a hipocrisia... E deus não acudiu ninguém é um convite para a reflexão de nós mesmos, naquilo que temos de mais íntimo, secreto, escancarando toda a maldade e hipocrisia que não só nos permeia, mas que está dentro de cada um de nós, de alguma maneira.









 


 

JT - Quem são seus escritores preferidos, tanto na poesia quanto na prosa?


CR - Fernando Pessoa (qualquer gênero) e Sylvia Plath (na poesia).


 

JT - Como você vê o atual panorama da Literatura em Pernambuco?


CR - Temos grandes mestras e mestres da literatura aqui em Pernambuco, que sempre foi muito ativo artisticamente, e a cena da literatura tem muita gente produtiva, competente e mobilizada.

 

JT - Você é Professora da rede estadual de ensino, como trabalha a Literatura em sala de aula? Oferece oficina de criação literária, escrita criativa?


CR - A literatura é um direito fundamental e inalienável, apregoou o mestre Antonio Candido. Sou seguidora dele. A literatura é uma ferramenta potente para o pensamento, criticidade, autonomia e liberdade. Se há algo que eu faço na escola é lutar pela formação de leitores literários. Isto muda vidas, tem uma repercussão verdadeira na trajetória das pessoas. Há alunos que se apaixonam pela literatura e, num movimento muito natural, se interessam por produzir textos literários, e então, trabalhamos as questões técnicas.

 

JT - Quais são seus próximos projetos literários? E quando e como pretende colocá-los em prática?


CR - O meu próximo livro está em fase de publicação. Ele trata, entre outros assuntos, do Holocausto, da questão Palestina, das guerras e colonizações, de nossas guerras internas e subjetivas, desse caos que o mundo, a vida, com cinismo, sarcasmo, violência, desespero e melancolia. É um livro de poemas e saíra pela Editora Patuá. Mais uma vez deixo meu coração e espírito completamente expostos, de acordo com o que a Literatura me orienta.







QUATRO POEMAS DE CONCEIÇÃO RODRIGUES








a oração do amor

 

ajoelhada, rezo a oração do amor

de quatro

 

um sanatório

um cemitério

inteiro

em mim

(molhada até os ossos)

 

 

 

Tristura

 

a tristura de não te ter comigo

cala e cega a faca da alma

prisioneiro de meu próprio castigo

cama de pregos

piso de brasas

(molhada até os ossos)

 

 

 

santa Brígida

 

-a 400 anos do fim do mundo

o demônio será deixado solto

no meio da nossa cidade:

santa brígida recobre a bola de cristal

e guarda as cartas de tarô

tudo por conta da imodéstia e da falta de fé

por isso o anjo derrocado reina

e crucifica-se

como quem faz miojo

um santo a todo minuto

no sudão em hiroshima no purgatório

na favela

a roda da tortura

gira-gira gira-gira gira-gira

a roda da tortura gira-gira

enquanto gememos

(os dedos das santas)

 

 

 

gotíssima serena

 

estou com a gotíssima serena

amolando minhas unhas de tigre

passando meu batom de fogo

enquanto folheio jornal

do século passado

 

a peste bubônica não será páreo

para o regurgito das tripas

para a faca areando o bucho

dos meus desafetos

estou com a gotíssima serena

com meus olhos de espadas

sacando coriscos

com meu revólver de prata

atirando flecha no alvo

hoje a besta cigana sou eu

 

estou com a gotíssima serena

convidando os diabos

para dançar comigo

por cima das brasas eternas

com as saias de pombagira

(os dedos das santas)


 

 

 

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*José Terra é poeta, professor e produtor cultural pernambucano


ENTREVISTA COM A ESCRITORA CONCEIÇÃO RODRIGUES ENTREVISTA COM A ESCRITORA CONCEIÇÃO RODRIGUES Reviewed by Natanael Lima Jr on 12:26 Rating: 5

2 comentários

  1. Excelente entrevista, parabéns aos dois poetas: entrevistador e entrevistada. Parabéns.

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  2. Parabéns pela entrevsta e mais ainda pelo dilaceramento da alma exposta aos olhares incrédulos do mundo!
    Escrita com palavras amoladas como peixeira de matador....como um punhal que esfola o corpo deixando-o exposto aos vermes...
    Ivanilde

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