ENTREVISTA COM O ESCRITOR LOURIVAL HOLANDA
Postado
por DCP em 31/07/2022
*Entrevista concedida a Natanael
Lima Jr.
“A
crítica é necessária à literatura como a literatura é necessária à sociedade;
um exercício permanente de questionamento dos valores que a movem naquele
momento; a crítica, quando sem pretensão a poder, mas a serviço, é um antídoto
contra valores sociais que, sem questionamento, poderiam endurecer em
doutrina”.
Lourival Holanda vem do Sertão
do Araripe; fez filosofia em Paris – Paris 8; doutor pela Universidade de São
Paulo; professor titular da Universidade de Federal de Pernambuco; Membro da
Academia Pernambucana de Letras; Membro do Instituto Arqueológico Geográfico
Histórico de Pernambuco. Publicou: Sob o signo do silêncio (SP: Edusp,
1992); Fato e Fábula (Manaus: EdUfam, 1999); Realidade inominada
(Recife: Cepe, 2019).
Natanael Lima Jr. – Quem é Lourival Holanda?
Lourival Holanda - Vindo de um Sertão do tamanho do mundo para habitar um país de fronteiras abertas: a literatura. Roubando a bela – e precisa – definição de Guimarães Rosa: “Sou de onde nasci. Sou de outros lugares”.
NLJ - Lourival,
o seu livro de estreia, sob o signo do silêncio, foi publicado em 1992. São 30 anos
de vivência literária. Como foi, ou como tem sido essa trajetória?
LH - A
pulsão literária – pulsão diz menos ou mais que vocação? – vem de bem antes
dessa publicação; rapazote ainda escrevi para uma revista local e para o
Monitor, em Garanhuns; poesia e prosa poética, já. Na verdade, sempre me vi
voltado para a coisa literária; ler, escrever – uma forma de ser, meu modo de
estar no mundo; mas sem maiores romantizações, é um ofício; sorte foi fazer
disso meu ganha-pão e com enorme ganho em alegria; em pouco me aposento – e sem
ter nunca conhecido a idade do tédio ou do desencanto; pode me ter faltado o
sucesso, certo, nunca porém, a fé no que faço.
NLJ – Na
sua vivência com a Filosofia, como se dá a dialética com a literatura e
vice-versa?
LH - Essa
relação é rica de complexidade; a 1ª filosofia trazia forma poética no
adensamento de seu modo de dizer; é só depois que a filosofia cobiçou, com o
conceitual, um espaço de poder, um discurso de pretensas certezas. Literatura
tampouco tem pretensão de impor verdades; ela é busca de alargar o espaço do
possível – sobretudo quando, como agora a realidade social nos estreita tanto;
ela aponta os possíveis. Derrida dizia ter pretendido fazer literatura
(em Paixões); Comte-Sponville diz o mesmo; Lévi-Strauss começa
escrevendo um romance, não vinga, e então dá ao público Tristes trópicos; a
filosofia é sábia o suficiente para perceber que a literatura chega antes e
mais largamente; ainda que não aprofunde aquilo que intui, o modo literário não
fecha em nenhum conceito; antes, ela deixa em aberto a imagem, a metáfora, o
figural; é aí onde o leitor atento colhe o que está no entredito, no que não
pode ser dito inteiramente.
NLJ – Na
sua opinião, a literatura tem alguma função?
LH - As
grandes civilizações tiveram como núcleo um texto literário: a Bíblia, o Corão,
o Mahabharata; a mesma coisa com as narrativas africanas e indígenas; é
literatura essa transfiguração das nossas experiências sonhadas ou vividas em
visões verbais. Essa, a invariante; e as variações de modo e tempo. Quer seja
na pedra, no papiro, no papel, no pen driver, o suporte importa menos. É pela
literatura que uma sociedade forja uma imagem de si; se não, se dilui, perde
sua força de refazer-se. Como se sustentaria um coletivo sem determinação, sem
projeto? A literatura instiga o desejo de fazer projeto - isso pede imaginação,
discernimento, senso de atualidade, de antecipação; enfim, vontade de
vida.
NLJ - O
que você acha da crítica literária e sua pertinência no Brasil?
LH - A crítica é necessária à literatura como a literatura é necessária à sociedade; um exercício permanente de questionamento dos valores que a movem naquele momento; a crítica, quando sem pretensão a poder, mas a serviço, é um antídoto contra valores sociais que, sem questionamento, poderiam endurecer em doutrina. Todo enrijecimento doutrinal atenta contra o imprevisível da invenção.
NLJ – O
que é preciso para ser um crítico literário?
LH - O crítico é um leitor que alia à paixão pelo texto o cuidado com a abordagem analítica; como todo ofício, isso pede o conhecimento de certo instrumental – recebido e transformado segundo as demandas da sensibilidade social.
NLJ – Você
publicou um livro sobre crítica literária, intitulado Realidade inominada
(Cepe, 2019), como foi essa experiência?
LH - Simples: um ato de partilha de paixão com os
leitores, sobretudo os mais jovens; aqueles textos derivam de conversas em sala
de aula.
NLJ – Como
você avalia a produção literária hoje no Brasil?
LH - Vejo
um momento de grande produção; ou antes: de uma produção grande, pelo que o
universo das redes sociais permite; alguma coisa já é escandalosamente boa,
cedo; outras, a gente conta com a depuração do tempo.
NLJ – E
a sua produção literária? Como você se situa na literatura brasileira atual?
LH - O que tento salvaguardar, por acreditar ser
de suma importância: é a continuidade da paixão pela coisa literária – essa, a
obra que mais me orgulha; vejo bons escritores e críticos literários que
estiveram inda há pouco nas nossas conversas sobre literatura. É a mesma a
função de um carteiro: transmitir; e o que busco transmitir é menos um saber e
mais um entusiasmo.
NLJ – O
Brasil respeita seus autores?
LH - Desde
cedo o Brasil não apostou em debate intelectual; parte do fracasso de nossas
veleidades libertárias – aqui em Pernambuco em 1817, ou mesmo a República,
nenhum desses movimentos, inda que generosos, foi eficiente; porque não se faz
revolução sem o consenso de um programa e sem a adesão do povo; e o povo não
tinha acesso a livros; por isso a República parece uma quartelada; e ninguém se
levanta para defender quem defendia nosso anseio de liberdade. Nada mudou
tanto, desde então; ainda temos a superstição do conhecimento livresco, do
doutor – o que ajuda o popularismo dos caudilhos, de um lado e do outro.
NLJ – Você
é Membro e atual Presidente da Academia Pernambucana de Letras. A APL mudou sua
vida em quê?
LH - Mudou o ritmo das segundas-feiras: lá, um
encontro fraterno em torno de uma paixão comum, a literatura; a APL é um lugar
de conversas e questionamentos criativos entre pares – pares muito singulares,
diga-se – sem hierarquias reais; o cargo é uma camisa: coisa de circunstância;
sem mais. Sua função é a de guardar a memória da cultura literária em
Pernambuco, e ao mesmo tempo, incentivar sua criatividade. A memória é baliza;
a invenção, a criatividade, a verdadeira aventura.
NLJ – Quais
os escritores de sua predileção? Qual a importância deles na sua formação
literária?
LH - Desde
cedo transitei entre a filosofia e a literatura; creio até que a filosofia me
preparou e aguçou o gosto, por conseguinte, de uma prosa que instiga a pensar,
a desacomodar; de Guimarães Rosa a Kafka; de Clarice a Nikos
kazantzakis; ultimamente minha maior frequentação é Montaigne, um
espírito livre, madurado, experiente, que leio como um amigo – como um vizinho,
para dizer com Nietzsche.
NLJ – Como você
observa a literatura produzida nos ciberespaços, como blogs, sites, redes
socias, etc.
LH
-
Ao longo do processo cultural é a técnica que condiciona o modo; a velocidade
atual leva à brevidade; aliás, a brevidade volta: já foi uma tônica no século
16: entre duas palavras, a mais breve.
NLJ
–
“Pra não dizer que não falei das flores”: na sua opinião, qual a função
social da poesia e do poeta?
LH - Talvez a de
responder à insuficiência do real com a exigência de outro, possível.
NLJ – Fica aqui
o espaço para as suas considerações finais e mensagem aos seguidores do site
literário Domingo com Poesia.
LH - Uma
alegria grande poder fraternizar num espaço assim acolhedor como o Domingo com Poesia.
Esse, um espaço que, ao dividir, partilhar, a gente multiplica sonhos,
descobertas, encontros; enfim, a alegria – essa coisa tônica que é redescobrir
o verdor da vida. Porque a literatura desperta possibilidades insuspeitadas;
essa outra dimensão de nossa liberdade mais funda.

Muito interessante a entrevista. O professor nos ensina, sempre!
ResponderExcluirParabéns!⭐👏👏👏
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