AS VIAGENS GERAIS DE CELINA DE HOLANDA
5 de agosto de 2018 by Maria de Lourdes Hortas*
Celina de Holanda/Foto: Divulgação
Desde O Espelho e a Rosa (estreia,1970),
até Afago e Faca ( inédito por vários anos e agora publicado na coletânea
Viagens Gerais), a obra de Celina de Holanda vem se construindo sobre as
premissas que lhe deram origem: a luz e a sombra, o jardim e o interior, o
consciente e o inconsciente, a intuição e o conhecimento. Por outras palavras:
sobre o universo mágico do Engenho Pantorra, onde viveu a infância, entre as
histórias dos pretos velhos e os livros da biblioteca sempre atualizada da
casa:
Chego às janelas da noite
Meus olhos buscam o que era (...)
O poema que serve de pórtico ao livro
não poderia ter sido melhor escolhido, espécie de mapa que, à partida,, desvela
ao leitor as gerais intenções das viagens:
Viajo pelos livros que faço
Mas sempre torno
Para escrevê-los
Onde a vida é uma menina
Chorando
Entre moitas.
A afirmativa da autora leva-nos a
concluir que, para ela, o ato de escrever , mais do que um mecanismo lÃrico de
regresso ás origens e ao antigo cenário bucólico, é a própria forma de
subverter os limites cronológicos, recriação do antigo cenário bucólico (…) onde
havia as águas caindo/ na rampa da cachoeira /parecendo lençol branco/ por
entre espumas fugindo (...) passando rente na mata/ onde gritava o pavão (...)
pág.95.
Nesse alumbramento das águas
despencando em vertigem, abismo de espuma fugitiva, a poesia a tocou,
escolhendo-a para a sina de dizer os sentimentos. Na verdade, a poesia chegou Ã
vida de Celina com a naturalidade com que, pela manhã, chegavam os pássaros à s
varandas da casa da infância. Varandas que, de resto, também se abriam para o
poço fundo das suas inquietações:
Um espelho e seus dois lados
Réptil e pássaro
O que somos. (...)
Para onde essas rotas de voo
Se abrem e se apagam?
Dessa vivencia e convivência telúrica
com a zona da mata pernambucana, chão de barro plasmável onde moldou seus
versos, ficou-lhe o gosto pelo simples e essencial:
Que tudo em si lembrava
Madressilvas
Malvas cheirosas
Verdes moitas
Manhãs
Frescor e orvalho.
Luminosa, com o despojamento e a
grandeza das pequenas coisas, a poesia de Celina de Holanda brota com a
naturalidade das fontes - espontaneidade que não é fácil alcançar. Um poeta
espontâneo português, Manuel da Fonseca, confessa: ”Ser espontâneo dá-me muito
trabalho”. Isso porque, a simplicidade do texto poético não se confunde com
pobreza ou acaso. Na leitura desta recolha da obra de Celina, percebe-se que
ela conseguiu harmonizar a sensibilidade e a percepção com um sexto sentido
estético, equipamentos que, mesmo fazendo parte da bagagem genética do poeta,
só se aprimoram com leitura e exercÃcio da escrita, somados aos sábios filtros
da vivencia e do tempo.
Quanto à temática da sua poesia, o
tÃtulo de um dos seus últimos livros já referido – Afago e Faca – é metáfora e
sÃntese. Sem dúvida, a trajetória da poetisa tem se firmado sobre essas duas
bem definidas vertentes. Solidários,
o tema social ( faca) e o tema afetivo
(afago) se entrecruzam continuamente. Sem conseguir compactuar com a injustiça
social, ou com o desconforto emocional diante de contextos que agridem os seus
princÃpios cristãos, Celina toma a palavra, com energia e veemência:
Ouço o povo numeroso de Deus.
(...) Ouço as portas.
É o clamor do povo de Deus,
abrindo-as. (pág.190)
Todavia, a meu ver, a grande força da
sua poesia acontece nos poemas de tom elegÃaco, onde cresce, se dilata e
universaliza:
Tudo já aconteceu. Coloca a insÃgnia
(primado do sinal) sobre o meu peito
E um penso de amor sobre esta chaga.
Escuta o pássaro
Rolando
Como um jornal velho, rasgado,
A asa da ascensão cortada. Sua beleza
Guardarei sobre o meu corpo
Como um fruto
A que se tira a casca.
Mas
Dá-me um pouco da tarde onde ficamos.
Resenha
sobre Viagens Gerais, Celina de Holanda/ poesia/Fundarpe/Cepe, Recife, 1995,
publicada no jornal literário O PÃO, Fortaleza/Ceará, junho,1996)
AS VIAGENS GERAIS DE CELINA DE HOLANDA
Reviewed by Natanael Lima Jr
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