OS PIRATAS – TOMO V
Os piratas: José Luiz de
Almeida Melo, Janice Japiassu,
Montez Magno, Odile Cantinho e
Paulo Gustavo
HISTÓRIA SUI-GÊNERIS*
Jose
Luiz de Almeida Melo
Um
dia, eu ia bêbado e ensimesmado
pelas
ruas de uma cidade estreita,
eu
ia estreito e de coração estreito
a
mal formular uma ventura,
quando,
um cadáver viajante,
esquálido
e parecendo um fantasma
de
um dos contos de Edgar Poe,
vendeu-me
um botão, um botão,
um
incasual botão,
redondo,
parecendo uma lua cheia,
quatro
olhos, quatro bocas, quatro orelhas,
a
mangar de todo o mundo que passava.
Como
o meu paletó, ocasionalmente,
nenhum
botão tinha, casas vazias,
eu
enchi uma casa de botão
e,
hoje quando olho,
anêmico,
pálido em meu peito,
vejo
igualzinho meu retrato:
pernas
presas, braços amarrados
e
o pescoço enforcado a vida inteira.
*do
livro Proibições e impedimentos, Edições
Pirata, 1981.
A VERDADE E SUA SOMBRA
Janice
Japiassu
A
verdade é como uma flor
Ou
como um fruto maduro
Povoado
de sementes
É
simples e natural
Clara,
fecunda, viçosa
Alimenta
a vida
E
é muito cheirosa
E,
para seus amantes,
Prazerosa
A
mentira é obscura
Gritante,
repetitiva
E
é também multimídia
Cheia
de artefatos
De
intrigas
Palavrosa
Redundante
Sem
clareza
Só
se constrói nos vazios
E
se alimenta de medos
Jamais
perceberá a beleza
De
um arabesco
Ou
de um algarismo
Igual
a si mesmo
Ou
do riso
Quando
é preciso
Ou
do sexo
Sem
ser explícito
OS GIRASSÓIS DE VAN GOGH
Montez
Magno
O
peso do sentir, a glória de viver,
a
dupla mão percorrida
pelos
campos contemplados
presos
em molduras de madeira
os
girassóis de Van Gogh
à
venda em qualquer mercado.
À
espera do vento em breve hora
dobrar
os lírios brancos tardios,
anúncio
e perda da forma
desgaste
do musgo nas hastes
no
entardecer longo e vazio.
Que
ramo escolhe a flor no dia-a-dia?
Por
onde anda o cheiro do seu pólen,
se
vai além da sua medida,
ou
se percorre a dimensão da sombra,
apenas
um círculo que acende
o
amarelo tingido em cada flor.
AXIOMA
Odile
Cantinho
Sou
a semente que se biparte
E
se estufa
E
cresce púbere para o devir
Sou
a água que alimenta o grão
E
se transforma em veículo do
Dar-se
Sou
o sol que luta para chegar
E
sopra o morno calor do aconchego
Sou
o sinal de todos os tempos
Sou
o sonho
Sou
o reflexo
O
grito
A
fúria
O
abandono
Sou
o redemoinho que tudo recomeça
E
tenta a luta e sabe que é
Nada.
MÃE
Paulo
Gustavo
Mãe
– dicionário de afeto
E
de serviços,
Jardim
do Éden
E
oceano íntimo.
Quando
a noite sobrevém, surgem de ti
[velhos caminhos.
Mãe
– o primeiro vinho.
OS PIRATAS – TOMO V
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
07:01
Rating:

Nenhum comentário