TUDO QUE VOCÊ QUERIA SABER SOBRE POESIA
por
Frederico Spencer
Ferreira Gullar/Foto: AE
Este é
um pequeno ensaio que pretende mostrar ao público leitor e também para aqueles
que querem escrever poesia: o que é um poema! Para tanto me apropriei de cinco
poemas do grande poeta Ferreira Gullar. Nos quatro primeiros o poeta nos fala
sobre o que é o poema e principalmente a relação entre poeta e poema. O último
poema: TANGA, o poeta estampa, na minha visão, o que é poesia. Leiam e
divirtam-se nos versos de Ferreira Gullar.
INSETO*
Um
inseto é mais complexo do que um poema
Não
tem autor
Move-o
uma obscura energia
Um
inseto é mais complexo que uma hidrelétrica
Também
mais complexo
Que uma hidrelétrica
é um
poema
(menos
complexo que um inseto)
e pode
às vezes
(o poema)
com
sua energia
iluminar
a avenida
ou quem sabe
uma vida.
*Fonte: Em alguma parte
alguma, pag. 49 – 4ª Edição, Ed. José Olímpio.
POEMA POROSO*
De
terra te quero;
poema,
e no entanto
iluminado.
De terra
o
corpo perpassado de eclipses,
poroso
poema
de poeira –
onde berram
suicidas
e perfumes;
assim te quero
sem
rosto
e no
entanto familiar
como o chão do quintal
(sombra
de todos nós depois
e antes de nós
quando
a galinha carcareja e cisca).
De terra,
onde
para sempre se apagará
a forma desta mão
por ora ardente.
*Fonte: Barulhos, pág. 15 –
2ª Edição, Ed. José Olímpio.
O LAMPEJO*
O
poema não voa de asa-delta
não
mora na Barra
não
frequenta o Maksoud.
Pra
falar a verdade, o poema não voa:
anda a
pé
e
acaba de ser expulso da fazenda Itupu
pela polícia.
Come
mal dorme mal cheira a suor,
parece
demais com o povo:
é
assaltante?
é
posseiro?
é
vagabundo?
Frequentemente
o detêm para averiguações
às vezes o espancam
às vezes o matam
às vezes o resgatam
da
merda
por um dia
e o
fazem sorrir diante das câmeras da TV
de
banho tomado.
O
poema se vende
se corrompe
confia
no governo
desconfia
de
repente se zanga
e
quebra trezentos ônibus nas ruas de Salvador.
O
poema é confuso
mas
tem o rosto da história brasileira:
tisnado de sol
cavado de aflições
e no
fundo do olhar, no mais fundo,
detrás de todo o amargor,
guarda um lampejo –
um diamante
duro como um homem
e é
isso que obriga o exército a se manter de prontidão.
*Fonte: Barulhos, pág. 24,
2ª Edição, Ed. José Olímpio.
BARULHO*
Todo
poema é feito de ar
apenas:
a mão do poeta
não rasga a madeira
não fere
o metal
a pedra
não tinge de azul
os dedos
quando escreve manhã
ou brisa
ou blusa
de mulher.
O
poema
é sem
matéria palpável
tudo
o que há nele
é barulho
quando rumoreja
ao sopro da leitura.
*Fonte: Barulhos, pág. 43,
2ª Edição, Ed. José Olímpio.
5° POEMA, PARA MIM ISTO É
UM POEMA:
TANGA*
Havia
o que se via
e o
que não se via:
a manhã luminosa
encobria
a treva
abissal
e velha dos espaços.
O mar batia
em
frente à Farme de Amoedo e ali
na areia
a
gente mal o ouvia se o ouvia.
E era
então que ela súbito surgia
rindo entre
os cabelos
a raquete
na mão
e se
movia
ah, como se movia!
E
nessa translação nos descobria
suas
fases solares:
o ombro
o dorso
a bunda
lunar?
Estelar?
a bunda
que (sob uma pétala
de azul)
celeste me sorria.
*Fonte: Barulhos, pág. 9,
2ª Edição, Ed. José Olímpio.
TUDO QUE VOCÊ QUERIA SABER SOBRE POESIA
Reviewed by Natanael Lima Jr
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